Pela terceira vez, a Justiça tenta realizar, nesta quarta-feira (7), o júri pelo assassinato de uma garota de 12 anos em Porto Alegre. Laisa Manganeli Remédios desapareceu em setembro de 2016. Segundo a denúncia do Ministério Público, ela foi decapitada por um grupo criminoso e teve o corpo ocultado em uma cova. O caso é um dos que integram uma delação premiada, de um ex-gerente do tráfico.
Por esse crime, serão julgados três réus, entre eles, José Dalvani Nunes Rodrigues, 40 anos, o Minhoca. Mantido em penitenciária federal, fora do Estado, é apontado como um dos líderes da facção Bala na Cara, com berço no bairro Bom Jesus. A acusação sustenta que ele foi o mandante do homicídio brutal. Os outros réus são Gustavo da Luz Marques, o Buguinha, e Douglas de Sá Gomes, o Faísca.
O sumiço de Laisa chegou ao conhecimento da polícia após familiares registrarem o caso. A garota saiu de casa e nunca mais retornou. Uma delação premiada, no início do ano seguinte, trouxe mais informações sobre o que teria acontecido com a menina. Ex-gerente do tráfico da mesma facção apontada como responsável pelo crime, Douglas Gonçalves Romano dos Santos detalhou à Polícia Civil e ao Ministério Público (MP) como teriam acontecido dezenas de execuções, entre eles o assassinato da garota.
Tentativas anteriores
Por duas vezes, a Justiça tentou julgar o trio, sendo a primeira em 22 de setembro. No entanto, foi necessário transferir a data porque um dos advogados de Minhoca tinha um julgamento em outro Estado e o criminalista indicado para substituí-lo apresentou atestado médico, não podendo comparecer por motivos de saúde.
Em 10 de novembro, foi realizada segunda tentativa de julgar o trio. Mas, um dia antes do júri, Gomes e Marques, que até então eram atendidos pela Defensoria Pública do Estado, constituíram novos advogados. Com isso, houve pedido para que o julgamento dos réus fosse adiado, pois precisariam de tempo hábil para estudar o processo. A juíza Cristiane Busatto Zardo então decidiu cindir o processo e levar apenas José Dalvani a julgamento, mas o júri não ocorreu.
O réu chegou a se apresentar para o julgamento e houve sorteio dos sete jurados para compor o Conselho de Sentença. No entanto, logo depois, o réu se manifestou pedindo que sua defesa fosse desconstituída. O advogado Jean Severo, que defendia o réu, concordou com o pedido. A intenção, com isso, era impedir que José Dalvani fosse julgado antes dos outros dois réus. Por fim, a juíza decidiu remarcar o júri dos três réus para 7 de dezembro.
Os crimes
Os três réus respondem por homicídio triplamente qualificado. No entendimento da acusação, o crime foi cometido por motivo torpe, com meio cruel e emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima. Além do assassinato, eles respondem por cárcere privado ao qual a vítima teria sido submetida e pela ocultação de cadáver.
O corpo de Laisa teria sido enterrado em um cemitério clandestino, mas apesar das buscas realizadas pela polícia, inclusive com auxílio de cães farejadores, nunca foi encontrado. Em caso de condenação, haverá aumento de pena pelo fato de a vítima ter menos de 14 anos.
Transferência de líder
Um dos pontos que gerou debate neste processo é a presença de um dos réus. Como José Dalvani está segregado na penitenciária federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, por mais de uma vez a Justiça tentou realizar o julgamento por meio de videoconferência. No entanto, a defesa dele conseguiu um habeas corpus no Tribunal de Justiça, que garantiu que o réu poderá, mais uma vez, estar presente na sessão.
Severo, que defende o réu, sustenta que a presença virtual prejudicaria a troca de informações entre ele e o cliente. Também sustenta que como José Dalvani foi transferido para fora do RS, cabe ao Estado custear essa operação. O aparato de segurança e transporte necessário para que o réu compareça ao júri teriam custo estimado de cerca de R$ 50 mil segundo o judiciário. Somando as duas tentativas anteriores, o custo se aproxima dos R$ 150 mil.
O assassinato
Segundo a acusação do MP, Laisa foi morta de forma brutal, após a facção desconfiar de que ela estaria repassando informações sigilosas para um grupo rival. Na noite anterior, ela estaria na casa de um traficante, quando teria sido flagrada conversando com membro de uma facção rival. A ordem para que a garota fosse executada teria sido dada por Minhoca, de dentro da prisão onde estava segregado, segundo a delação.
Laisa teria sido levada até uma área de mata, no bairro Mario Quintana, onde foi aberta cova. Neste mesmo local, a garota teria sido decapitada pelos criminosos. Gomes, o Faísca, é apontado como o responsável por ter desferido os golpes de machado que assassinaram a menina. O crime foi detalhado pelo ex-gerente na mesma delação na qual revelou ainda detalhes sobre o funcionamento da facção e sobre outros crimes, como sequestros e esquartejamentos.
Douglas Gonçalves Romano chegou a se tornar réu também neste processo, por ter participado do homicídio, e inclusive ajudado a cavar a cova, mas foi assassinado em fevereiro de 2020, após deixar o programa de proteção a testemunhas. O delator era considerado inimigo pelo grupo criminoso, já que as informações obtidas com a delação ajudaram a embasar o isolamento de pelo menos três líderes da facção fora do Estado.
O júri
O julgamento será realizado na 3ª Vara do Júri de Porto Alegre, com início previsto para as 8h30min. A primeira etapa é o sorteio dos nomes dos sete jurados que vão integrar o Conselho de Sentença.
Durante o julgamento, serão ouvidas três testemunhas, duas indicadas pela acusação e uma pela defesa. Logo depois, serão interrogados os três réus, que poderão apresentar suas versões dos fatos. Quando foram ouvidos durante o processo, eles negaram participação no assassinato da menina.
Em seguida, terá início a fase de debates entre acusação e defesas. O promotor Luciano Vaccaro será o responsável por conduzir a acusação. Ele só deve se manifestar sobre o caso durante o julgamento, segundo o Ministério Público. Pelas defesas, atuam um total de nove advogados.
O tempo estabelecido para a fala inicial é de duas horas e meia para cada parte (acusação e defesa). Se houver réplica e tréplica, será de duas horas cada. Depois disso é que os sete jurados irão se reunir para definir se os réus são ou não culpados pelo crime. Por fim, é a juíza Cristiane Busatto Zardo quem lê a sentença. A expectativa é de que o júri seja encerrado ainda na quarta-feira.
Contrapontos
O que diz a defesa de José Dalvani Nunes Rodrigues
O advogado Jean Severo, um dos responsáveis pela defesa do réu, informou que pretende comprovar a inocência do cliente no plenário. O criminalista sustenta a nulidade da delação premiada e deve apresentar isso nos argumentos da defesa. Afirma que o advogado escolhido para acompanhar a delação teria sido indicado pela própria polícia, enquanto deveria ter sido um profissional de confiança do colaborador.
— Nós temos convicção da inocência do José Dalvani. Essa delação premiada é nula. Vamos mostrar isso ao júri com muita tranquilidade. Temos convicção de que o José Dalvani vai sair absolvido — afirma o advogado.
Sobre a delação, a Polícia Civil afirma que foi realizada dentro da legalidade e que, por isso, foi homologada pelo Judiciário.
O que diz a defesa de Douglas de Sá Gomes
Os advogados Rodolfo Francisquinho e Claudecir Mariano, responsáveis pela defesa de Gomes, enviaram nota a GZH na qual dizem que "os fatos narrados na denúncia não são verdadeiros. DOUGLAS DE SÁ GOMES, é inocente". O texto acrescenta que "já está superado nos autos de que não há provas a respeito da autoria de nenhum dos Acusados. A defesa confia nos jurados e o que se espera é a absolvição de Douglas".
O que diz a defesa de Gustavo da Luz Marques
Segundo o advogado Agenor Cruz Neto, um dos responsáveis por defender de Marques, "a defesa espera que o conselho de sentença reconheça a negativa de autoria e absolva o acusado tendo em vista a evidente falta provas".