A Polícia Civil confirma que os três suspeitos que ainda não tinham sido identificados no caso da agressão a dois homens que estariam tentando furtar peças de picanha em um supermercado de Canoas, em outubro, são policiais militares. Com isso, todos os sete envolvidos no caso, conforme imagens de câmeras de segurança, já são conhecidos das autoridades.
Dois dos PMs suspeitos atuam em Porto Alegre e o terceiro é da reserva. Os dois da ativa se apresentaram, acompanhados de advogados, para depor na Delegacia de Homicídios da cidade. Os nomes não foram divulgados. A polícia ainda informa que está em contato com o ex-brigadiano para agendar o depoimento.
Os sete suspeitos são: um gerente e um subgerente do Unisuper, já demitidos, dois seguranças da empresa Glock, que teve o contrato cancelado pelo estabelecimento comercial, dois brigadianos da Capital e um PM da reserva. Todos eles foram identificados por meio das imagens de câmeras de segurança, que teriam sido apagadas, mas foram recuperadas pela perícia.
A Delegacia de Homicídios diz que não tem prazo para concluir o inquérito e informa que a prioridade agora é concluir os depoimentos. Os crimes apurados são tortura com finalidade de obtenção de informações e para aplicar castigo pessoal, omissão de socorro e ocultação de provas (pela suposta exclusão das imagens), além de danos (por quebrarem celulares das vítimas) e possível extorsão, já que teriam exigido dinheiro para liberar os dois homens agredidos.
Inquérito militar
A participação dos policiais no caso também é apurada em inquérito instaurado pelo Comando de Policiamento Metropolitano da Brigada Militar. A suspeita é de que eles estariam fazendo um "bico" — serviço paralelo — na segurança privada e foram reconhecidos pelas vítimas porque falavam em códigos — praxe dos policiais ao se referirem a determinados tipos de delitos.
O crime aconteceu no dia 12 de outubro no supermercado Unisuper. Dois homens, conforme imagens, foram abordados por seguranças do estabelecimento após pegarem dois pacotes de picanha, que custavam cerca de R$ 100 cada um. Eles foram encaminhados para o depósito do mercado, onde passaram a ser agredidos e torturados, também conforme vídeo divulgado pela polícia.
Eles foram espancados por cerca de 45 minutos e o fato só foi descoberto porque um dos homens que sofreu as agressões foi encaminhado para o Hospital de Pronto Socorro (HPS) com ferimentos graves — ele precisou ser colocado em coma induzido. O crime de omissão de socorro é imputado a alguns dos suspeitos por causa desta situação.
A rede Unisuper publicou uma nova nota na madrugada desta segunda-feira, alegando que demitiu os funcionários e encerrou o contrato com a empresa de segurança, além de pedir desculpas à comunidade de uma forma geral. A empresa Glock disse que só vai se manifestar em juízo.
Entidades pedem indenização
Em paralelo à investigação, as empresas Unisuper e Glock são alvos de uma ação que pede o pagamento de R$ 40 milhões em indenização. O documento foi protocolado no final da tarde desta terça-feira (6) pelas entidades Santo Dias de Direitos Humanos e Educafro.
No pedido, as entidades requerem "reparação de dano moral coletivo e dano social infligidos à população pobre e à população negra do Brasil, em razão do espancamento, tortura e extorsão". Em nota conjunta, as organizações sustentam que os fatos ocorridos " foram as formas pelas quais a violência se manifestou, mas que a motivação está ligada ao racismo e à aporofobia (aversão a pessoas pobres)".
Se o pedido foi acatado, as duas empresas devem definir de que forma irão dividir o pagamento. A verba será encaminhada ao fundo destinado à reconstituição dos bens lesados. O caso será analisado pela 3ª Vara Cível da Comarca de Canoas.
Leia a nota da Unisuper:
"Viemos a público nos desculpar pelos fatos ocorridos na loja da Avenida Inconfidência, em Canoas.
Estamos profundamente abalados. As agressões são inaceitáveis e não condizem com a sólida história de 22 anos da Rede UniSuper, que sempre foi marcada pelo respeito ao ser humano, aos seus direitos fundamentais e a valores como transparência, trabalho em equipe e solidariedade.
Diante de uma conduta lamentável e cruel com a qual jamais concordaremos, informamos que encerramos o contrato com a empresa Glock Segurança, desligamos os funcionários envolvidos e iniciamos o trabalho de revisão de todos os nossos protocolos de segurança e de conduta. Não mediremos esforços para construir sólidos procedimentos que garantam que situações como essa jamais voltem a acontecer.
Reafirmamos o nosso compromisso com o respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, e nos colocamos, mais uma vez, integralmente à disposição das autoridades".