Ícone do carnaval brasileiro, Neguinho da Beija-Flor anunciou a aposentadoria dos desfiles na Marquês de Sapucaí após o Carnaval de 2025. Aos 75 anos, o cantor e intérprete, que esteve à frente da Beija-Flor de Nilópolis desde 1975, decidiu que, após 50 anos de dedicação, é hora de dizer adeus. A revelação foi feita nesta terça-feira (20) durante entrevista à jornalista Mariana Gross, da Globo, realizada na casa do artista.
Neguinho da Beija-Flor é uma figura central nos 14 títulos conquistados pela Beija-Flor. Ele expressou a dificuldade de se afastar, mencionando que "a gente morre duas vezes, quando morre de verdade e quando para". O cantor também refletiu sobre o impacto do tempo em sua carreira e a importância de reconhecer o momento certo para encerrar um ciclo.
Em carta de despedida, compartilhada nas redes sociais, ele relembrou momentos marcantes de sua trajetória, desde o início, quando ainda era conhecido como Neguinho da Vala, até os grandes triunfos que compartilhou com a escola. "Joãosinho Trinta, também recém-chegado, criara o enredo sobre o jogo do bicho e eu, então Neguinho da Vala, sonhava entrar para a ala de compositores. O saudoso carnavalesco permitiu que eu tentasse — e deu certo. Com o samba composto por mim, fomos campeões", escreveu.
Ele destacou a relação especial que tem com a Beija-Flor, baseada em amor e respeito mútuos. "Por você, venci o câncer, cantando na avenida ainda sob tratamento. Tenho fé que me curei graças a Deus e ao abençoado remédio do Carnaval", ressaltou ainda.
O sambista também agradeceu à comunidade nilopolitana, aos companheiros de jornada e à própria escola, que foi o palco de sua vida e carreira. "Tenho muito orgulho de carregá-la em meu nome oficial, o da carteira de identidade: Luiz Antonio Feliciano Neguinho da Beija-Flor Marcondes".
Apesar da despedida dos desfiles, Neguinho da Beija-Flor enfatizou que não se afastará dos palcos e continuará a carreira como cantor. O último desfile, em 2025, será uma homenagem ao mestre Laíla, com quem compartilhou muitos momentos importantes ao longo dos anos.
Leia a seguir o texto na íntegra.
Carta de despedida de Neguinho da Beija-Flor
À minha amada Beija-Flor
O desfile de 2025 marcará minha despedida como intérprete de seus hinos na Passarela do Samba. No próximo Carnaval, escreverei, com a comunidade nilopolitana, o ponto final da trajetória cinquentenária, tempo de muita felicidade e alegria. Vamos atravessar a Passarela do Samba pela derradeira vez, eu com a minha voz e o orgulho de sempre, sustentando a força e a magia de nossa comunidade que brilha no altar dos bambas. Será mais um momento de nosso amor eterno.
Lembro emocionado, querida escola, do início dessa história, quando cheguei jovenzinho para participar da disputa de samba, no inesquecível “Sonhar com rei dá leão”. Joãosinho Trinta, também recém-chegado, criara o enredo sobre o jogo do bicho e eu, então Neguinho da Vala, sonhava entrar para a ala de compositores. O saudoso carnavalesco permitiu que eu tentasse - e deu certo. Com o samba composto por mim, fomos campeões.
De lá para cá, você ganhou 14 carnavais, e me concedeu o privilégio de estar presente em todos. Fomos tricampeões duas vezes, levamos o Cristo mendigo coberto pela censura, na imagem mais conhecida do Carnaval. E o mais importante: inserimos a Beija-Flor de Nilópolis na história da maior festa popular do Brasil. Em lugar de protagonista.
Consolidou-se a Maravilhosa e Soberana, como está no nosso hino-exaltação, “Deusa da Passarela”, que tive a honra de compor. E virou seu merecido apelido no planeta Carnaval.
Por você, venci o câncer, cantando na avenida ainda sob tratamento. Tenho fé que me curei graças a Deus e ao abençoado remédio do Carnaval. Nunca esquecerei como a comunidade me recebeu, na volta aos ensaios, em nossa quadra sagrada. O aplauso e a montanha de carinho estão para sempre tatuados na memória.
Por isso e muito mais, jamais cogitei receber salário da Beija-Flor. Nunca assinei contrato nem me submeti a qualquer burocracia. Nossa relação é única e dispensa protocolos. Costumo repetir que se alguém deve algo, sou eu a você, minha escola. Tenho muito orgulho de carregá-la em meu nome oficial, o da carteira de identidade: Luiz Antonio Feliciano Neguinho da Beija-Flor Marcondes.
Guardo como um tesouro a primeira carteira de integrante da ala de compositores. Está lá a data, 11 de junho de 1975, do começo de tudo. Dos companheiros originais, ainda estão aqui o patrono Anísio Abrahão David e a querida Pinah. Começamos juntos a aventura de conduzir uma pequenina escola da Baixada Fluminense ao panteão das gigantes de nossa cultura popular. E chegamos lá, com a participação de muitos outros sambistas que vieram depois e seguirão rumo ao futuro.
Chegou a minha hora. Em 2025, cantarei a exaltação de meu parceiro Laíla – a quem conheci ainda antes do primeiro Carnaval, na lendária roda de samba do Bola Preta –, como epílogo dessa odisseia que durou meio século de folia e felicidade. Superou muito meus melhores sonhos. E continuarei lhe amando. Você pode contar comigo por toda a eternidade.
Obrigado por tudo, minha escola, minha vida, meu amor.
Olha a Beija-Flor aí, gente!