Há sete dias, João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, entrou com a esposa no Carrefour Passo D'Areia, fez compras durante 10 minutos e saiu sem vida do estabelecimento da zona norte de Porto Alegre. Foi agredido até a morte por dois funcionários, Giovane Gaspar da Silva e Magno Braz Borges. No entendimento da Polícia Civil, o assassinato também teve atuação determinante da agente de fiscalização do supermercado Adriana Alves Dutra, que estava no comando dos dois seguranças que espancaram João Alberto.
Com os três principais suspeitos presos, o desafio do inquérito comandando pela delegada Roberta Bertoldo é chegar à motivação das agressões que tiraram a vida de um cliente dentro do supermercado. Os investigadores já ouviram mais de 20 pessoas, entre testemunhas e investigados, e tentam refazer os passos da vítima nas últimas vezes em que esteve no supermercado antes da data do crime. O objetivo é verificar se João Alberto tinha algum desentendimento anterior ao do dia 19 de novembro. Outra frente de investigação também busca averiguar se os envolvidos no crime poderão ser responsabilizados por crimes de preconceito racial.
GZH relacionou 10 perguntas ainda em abertas sobre o caso. Confira:
O que é preciso esclarecer
O que teria motivado as agressões?
Com três suspeitos do crime presos por homicídio – duas detenções preventivas e uma temporária –, a polícia tem como desafio chegar à motivação da agressão. Essa é a principal pergunta a ser respondida pelo inquérito policial elaborado na 2ª Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) de Porto Alegre. Até o momento, os dois envolvidos no crime se mantiveram em silêncio.
O que os três presos alegam?
O policial militar temporário Giovane Gaspar da Silva deve depor na sexta-feira (27). O segurança Magno Braz Borges afirma, por meio da defesa, que só irá se manifestar em juízo. Adriana Alves Dutra, que se apresentou ao Palácio da Polícia nesta terça-feira (24), foi a terceira pessoa a ser detida no caso. Com a prisão temporária por 30 dias, está à disposição da investigação para prestar esclarecimentos.
João Alberto já conhecia os seguranças?
A defesa de Giovane afirma que o PM estava no primeiro dia de trabalho no supermercado para o Grupo Vector e que, portanto, não conhecia o cliente. Magno permaneceu em silêncio no depoimento. A polícia está averiguando se ocorreram situações ou incidentes anteriores ao dia do crime. Um vídeo gravado por uma das testemunhas mostra que enquanto João Alberto respira com dificuldade e pede ajuda, um dos homens vestidos de preto, com roupa semelhante à dos dois seguranças que seguram a vítima no chão, diz: "Sem cena, tá? A gente te avisou da outra vez". A fala indica que seguranças do local e a vítima pudessem ter desentendimentos anteriores.
— Não descartamos a hipótese de ter fatores anteriores, se já conheciam ele. Isso está sendo apurado. Mas isso não tem nada a ver com o fato dele ter antecedentes. Nesse inquérito ele figura na posição de vítima. A existência de antecedentes criminais, para nós e para a apuração do homicídio, não importa. O que ele tem de antecedentes pretéritos não nos interessa para esse fato – afirma Vanessa Pitrez.
Freitas tinha antecedentes por violência doméstica e por porte ilegal de arma de fogo em 2010.
Por que João Alberto saiu da loja acompanhado dos seguranças?
As imagens mostram que a partir do momento em que o cliente se aproxima da fiscal de caixa e fala algo com Magno e Adriana, ele é acompanhado para fora da loja. Segundo a esposa, Milena Borges Alves, que estava no caixa, João Alberto disse que iria "esperá-la lá fora", mas ele sai seguido por três funcionários do supermercado. Os depoimentos dos suspeitos presos podem ajudar a esclarecer o motivo pelo qual foi levado para fora da loja.
Por que João Alberto deu um soco em um dos seguranças?
Descobrir porque a vítima desferiu um soco em um dos seguranças está dentro do escopo da motivação, segundo a polícia. Uma das imagens captadas por câmeras de segurança do Carrefour mostra o momento em que João Alberto agride um dos homens que o acompanhavam até o estacionamento. A partir daí, há um revide, o cliente é imobilizado e espancado. A polícia tenta descobrir qual foi o diálogo que João Alberto teve com os dois seguranças momentos antes do soco.
— As imagens mostram que a vítima começa a descer pela esteira, andar rápido, os seguranças começam a segui-lo mais rápido também. E aí tem uma hora em que os perdemos do foco da imagem e a pessoas começam a olhar para trás. Ali parece que houve alguma discussão, não sabemos o que aconteceu, estamos tentando achar pessoas que tenham presenciado aquilo. Para que a gente possa efetivamente dizer se houve ou não alguma ofensa — explica o delegado Eibert Moreira Neto.
João Alberto tinha desentendimentos anteriores no supermercado?
Os investigadores analisam imagens de dias anteriores à morte de João Alberto circulando dentro do Carrefour do bairro Passo D'Areia para responder essa pergunta. O trabalho, porém, é minucioso e demorado já que os policiais precisam analisar horas de filmagens. Algumas testemunhas afirmam que viram a vítima dias antes do crime no supermercado, porém, sem precisar data e hora.
— Algumas pessoas se referem a desavenças de dias anteriores, mas não sabem dizer qual dia e hora. Como todas as imagens das câmeras são de cima, há dificuldade de identificar a pessoa, estamos vendo detalhadamente toda as filmagens para tentar identificar algo — afirma a delegada Vanessa Pitrez.
Qual foi o diálogo entre João Alberto e os funcionários do Carrefour?
Como toda as imagens do circuito interno de câmeras do supermercado são sem som, saber o que foi dito antes das agressões se iniciarem depende do relato testemunhal do envolvidos. Uma fiscal de caixa de 28 anos que disse ter se sentido intimidada por João Alberto, relatou à polícia que o cliente se aproximou dela e falou alguma coisa que, em razão do alto ruído do local, ela diz não ter conseguido entender. A polícia também tenta descobrir o que João Alberto conversou com Magno, Giovane e Adriana no momento em que saia da loja.
Os suspeitos poderão ser responsabilizados por racismo?
Para responsabilizar os investigados por injúria racial, a polícia precisa provar que os funcionários ou outros envolvidos na situação tenham ofendido João Alberto levando em consideração a cor da sua pele. No caso do racismo, o inquérito deve chegar a indícios de que a vítima foi impedida de acessar o supermercado ou sofreu algum tipo de cerceamento dos seus direitos.
Nessa análise, os investigadores comparam imagens de toda a dinâmica do que aconteceu na noite de 19 de novembro, depoimentos de testemunhas e investigados com o que diz o artigo 5º da lei 7716, que classifica o crime de racismo – recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador – e o artigo 140 do Código Penal, que define injúria racial como ofensa à dignidade de alguém, com base em elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência.
Mais alguém pode ser responsabilizado?
A investigação verifica se há ou não crime na conduta das pessoas que presenciaram o crime e não socorreram João Alberto. A polícia não sabe exatamente quantas pessoas, contando funcionários e clientes, testemunharam o assassinato.
Qual foi a causa da morte de João Alberto?
O Instituto-Geral de Perícias (IGP) deve divulgar o resultado dos laudos ente o final dessa semana e o começo da próxima. As análises iniciais apontam para asfixia como causa mais provável. A conclusão, porém, não é definitiva, pois existem exames laboratoriais em andamento.