Uma das frentes de investigação do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, o Beto, 40 anos, espancado até a morte por seguranças no estacionamento do Carrefour em Porto Alegre na última quinta-feira (19), é buscar evidências que possam enquadrar o fato também nos crimes de racismo ou injúria racial. A diretora do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil, delegada Vanessa Pitrez, afirma que a comprovação técnica de que houve racismo ainda está em aberto e que este é também um dos motes para identificar a motivação das agressões — considerado o principal desafio do inquérito conduzido pela delegada Roberta Bertoldo.
Na tentativa de identificar se, além de homicídio triplamente qualificado, é possível enquadrar em crimes raciais as cenas da morte de João Alberto, os investigadores comparam imagens de toda a dinâmica do que aconteceu na noite de 19 de novembro, depoimentos de testemunhas e investigados com o que diz o artigo 5º da lei 7716, que classifica o crime de racismo — recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador — e o artigo 140 do Código Penal, que define injúria racial como ofensa à dignidade de alguém, com base em elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência.
— Não descartamos a existência do racismo. Em relação ao fato crime precisamos coletar provas que demonstrem que de fato ocorreu injúria racial ou crime de racismo. A questão do racismo estrutural está muito evidente neste caso. Mas, para chegar no final do inquérito e indiciar os envolvidos por racismo ou injúria racial, precisamos ter elementos técnicos que comprovem o que está na lei. O que norteia o indiciamento é a prática do verbo da lei. E aí teremos o crime específico — explica o diretor da Divisão de Homicídios da Capital, delegado Eibert Moreira Neto.
O diretor esclarece que a investigação leva em conta o conceito de racismo estrutural e o fato crime — que é verificar se as evidências coletadas no inquérito podem ser interpretadas como racismo e injúria racial.
— Não negamos a existência do racismo estrutural, é bem evidente que as pessoas negras sofrem descriminação no Brasil e no mundo inteiro. Porém, com relação ao racismo crime, existem elementos que precisam ser comprovados. E não podemos trabalhar com achismo quando se trabalha com crime. Precisamos apontar provas que demonstram que de fato ocorreu o delito. O racismo estrutural é um conceito e não esquecemos que ele existe, trabalhamos com ele, mas trabalhamos tecnicamente com a figura prevista no Código Penal e na legislação. Nada justifica a conduta dos seguranças, João provoca uma reação inicial, mas eles passaram muito da medida. Não têm direito de fazer esse tipo de abordagem — analisa o policial.
Para responsabilizar os investigados por injúria racial, a polícia precisa provar que os funcionários ou outros envolvidos na situação tenham ofendido João Alberto levando em consideração a cor da sua pele. No caso do racismo, o inquérito deve chegar a indícios de que a vítima foi impedida de acessar o supermercado ou sofreu algum tipo de cerceamento dos seus direitos.
Não negamos a existência do racismo estrutural, é bem evidente que as pessoas negras sofrem discriminação no Brasil e no mundo inteiro. Porém, com relação ao racismo crime, existem elementos que precisam ser comprovados. E não podemos trabalhar com achismo quando se trabalha com crime. Precisamos apontar provas que demonstram que de fato ocorreu o delito.
EIBERT MOREIRA NETO
Diretor da Divisão de Homicídios da Capital
— Para aplicar essa norma, temos que enquadrar a conduta dos funcionários nesses verbos que estão na lei. A esposa não relata nenhuma conduta dos envolvidos que levem à conclusão de que houve racismo ou injúria racial. Quem talvez tenha mais coisas a dizer são os funcionários do mercado. Até então, não descartamos, estamos tentando apurar. Avaliamos as situações com base nas imagens e nos depoimentos que estão sendo coletados. Naquele cenário, não existe outra forma de a gente verificar isso. Sabemos, porém, que houve diversas conversas entre a vítima e os agressores, e estamos tentando esclarecer quais diálogos são esses — diz o delegado.
A polícia tenta descobrir, por exemplo, qual foi o diálogo que João Alberto teve com os dois seguranças enquanto estava no trajeto da esteira até a porta do estacionamento, local a partir de onde o cliente desfere um soco em um dos seguranças e sofre o revide, é espancado e morto.
— As imagens mostram que a vítima começa a descer pela esteira, andar rápido, os seguranças começam a segui-lo mais rápido também. E aí tem uma hora que ele está descendo e os perdemos do foco da imagem e a pessoas começam a olhar para trás, ali parece que houve alguma discussão, não sabemos o que aconteceu, estamos tentando achar pessoas que tenham presenciado aquilo. Para que a gente possa efetivamente dizer se houve ou não alguma ofensa — explica o delegado.
O policial militar temporário Giovane Gaspar da Silva e o segurança Magno Braz Borges, ambos funcionários do Grupo Vector, estão presos preventivamente por homicídio triplamente qualificado.