Chegar à motivação do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, o Beto, 40 anos — morto após ser espancado dentro do Carrefour, em Porto Alegre na última quinta-feira (19) — é o principal desafio da investigação na avaliação da diretora do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil, delegada Vanessa Pitrez. Essa e outras perguntas — entre elas, se a vítima já conhecia ou tinha uma desavença anterior com os seguranças que o agrediram — deverão ser respondidas pelo inquérito:
— O que levou essa pessoas a agredirem tão intensamente esse individuo até causarem sua morte? Queremos chegar a todas as circunstâncias e ter total clareza delas — afirma a delegada.
O policial militar temporário Giovane Gaspar da Silva e o segurança terceirizado do Grupo Vector Magno Braz Borges estão presos por homicídio triplamente qualificado. O inquérito tem prazo de 10 dias para ser concluído a partir da abertura. Depois disso, a investigação pode ser estendida por mais 15 dias.
No sábado (21), foram ouvidas três testemunhas. No domingo (22), ninguém prestou depoimento, e a equipe focou na coleta e análise de imagens. Uma segunda frente da investigação avalia a hipótese de indiciar outras pessoas:
— As responsabilidades das demais pessoas que estavam na cena estão sendo apuradas. Dependendo do que for identificado, podem ser imputadas. Não descartamos nenhuma hipótese.
O que é preciso esclarecer
O que teria motivado as agressões?
Essa é a principal pergunta a ser respondida pelo inquérito policial. Um dos focos da investigação é tentar entender a motivação das agressões. Até o momento, os dois envolvidos no crime se mantiveram em silêncio e não colaboraram com a investigação.
João Alberto já conhecia os seguranças?
A polícia ainda está apurando se a vítima conhecia os seguranças. Um vídeo gravado por uma das testemunhas mostra que enquanto João Alberto respira com dificuldade e pede ajuda, um dos homens vestidos de preto, com roupa semelhante à dos dois seguranças que seguram a vítima no chão, diz: "Sem cena, tá? A gente te avisou da outra vez". A fala indica que seguranças do local e a vítima pudessem ter desentendimentos anteriores.
— Estamos averiguando se tiveram outras situações ou incidentes anteriores ao dia do fato. Não descartamos a hipótese de ter fatores anteriores, se já conheciam ele. Isso está sendo apurado. Mas isso não tem nada a ver com o fato dele ter antecedentes. Nesse inquérito ele figura na posição de vítima. A existência de antecedentes criminais, para nós e para a apuração do homicídio, não importa. O que ele tem de antecedentes pretéritos não nos interessa para esse fato — disse Vanessa Pitrez.
Freitas tinha antecedentes por violência doméstica e por porte ilegal de arma de fogo em 2010.
Por que João Alberto deu um soco em um dos seguranças?
Uma das imagens captadas por câmeras de segurança do Carrefour mostra o momento em que João Alberto agride um dos homens que o acompanhavam até o estacionamento. A partir daí, há um revide, o cliente é imobilizado e espancado no estacionamento. Descobrir porque João Alberto desferiu um soco em um dos seguranças está dentro do escopo da motivação, explica Vanessa. A polícia avalia a necessidade de buscar filmagens anteriores à data da morte no supermercado com as mesmas pessoas envolvidas no crime.
Quem ainda será ouvido?
A polícia está identificando todos os funcionários do Carrefour que presenciaram as cenas. Diversos deles já foram identificados e intimados a depor.
Mais alguém pode ser preso e responsabilizado?
Estão sendo apurados o comportamento de todas as pessoas que participaram do fato. Será verificado se há ou não crime na conduta das pessoas que presenciaram o crime. A polícia não sabe exatamente quantas pessoas, contando funcionários e clientes, presenciaram o assassinato. Já foram identificados aqueles que filmaram e algumas das pessoas que aparecem nos vídeos.
A funcionária que tentou impedir a gravação das cenas de agressão a João Alberto pode ser presa?
Adriana Alves Dutra é a mulher de camisa branca que chama a atenção nos vídeos das agressões. Em um dos vídeos, aparece andando ao redor da vítima e parece dar ordens por meio de um rádio. Ao ver que está sendo filmada, ela tenta impedir e discute com pessoas. Na gravação, Adriana dirige-se à esposa de João e diz: "A gente só quer imobilizar ele. Se a senhora conseguir acalmar ele, eu tiro todo mundo de cima dele."
A policia afirma que está apurando a conduta de Adriana e não descarta responsabilizá-la.
Qual foi a causa da morte de João Alberto?
As análises iniciais do Instituto-Geral de Perícias apontam para asfixia como causa mais provável. A conclusão, porém, não é definitiva, pois existem exames laboratoriais em andamento. Os laudos devem ser concluídos nos próximos dias.
O que já se sabe
Presos preventivamente
Ainda na sexta-feira (20) a prisão em flagrante dos envolvidos na morte de Freitas foi convertida em prisão preventiva. Magno Braz Borges e Giovane Gaspar da Silva haviam sido presos flagrante, no local do crime, por homicídio triplamente qualificado: motivo fútil, asfixia e recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
Vigilantes trabalhavam de forma irregular
A Polícia Federal (PF) realizou na sexta-feira (20) fiscalização extraordinária no Grupo Vector, responsável pela segurança no supermercado Carrefour. Segundo a PF, um dos envolvidos no crime é vigilante profissional, com Carteira Nacional de Vigilante (CNV), portanto, estaria autorizado a "abordagem ativa de contenção".
Porém, não há registro na PF de seu vínculo profissional de Magno Braz Borges com o Grupo Vector. O documento dele, expedido pela PF, foi suspenso. No caso do PM temporário Giovane Gaspar da Silva, ele não tem habilitação de vigilante. Também não poderia estar trabalhando nessa função por fazer parte dos quadros da Brigada Militar.
Depoimento de Adriana Alves Dutra
Na madrugada de sexta, Adriana prestou depoimento acompanhada de duas advogadas. Ela disse que estava no setor de bazar quando foi chamada para atender a situação de um cliente que estaria em atrito com outra funcionária. Relatou que, ao chegar no local, "um cliente que trajava roupa preta, que soube ser policial militar, estava apaziguando a situação e já conversava com a vítima na intenção de acompanhá-la com o fiscal de piso Magno até a saída". Outro trecho do depoimento diz que Adriana soube que Freitas "seria uma pessoa agressiva e que havia entrado em atrito com fiscais de loja em outras datas."
Adriana diz ainda que ao ver João Alberto "a vítima estava tranquila e foi acompanhada pelo policial e pelo fiscal.". Ainda segundo o depoimento, Freitas teria "empurrado uma senhora e foi novamente orientado pelo cliente/policial a deixar disso e se acalmar. Adriana também relatou que "a vítima desferiu um soco no policial, momento em que se embolaram". Segundo o depoimento, Adriana "fez a solicitação para chamar a Brigada, pelo rádio, e ligou para o Samu, quando viu sangue, e que a vítima havia desmaiado." A funcionária também diz que durante a contenção, Freitas proferiu xingamentos. Ela também disse que não ouviu ele pedir ajuda. Adriana também relata que pediu "várias vezes aos rapazes que largassem a vítima".
Relato da esposa
A esposa da vítima, a cuidadora de idosos Milena Borges Alves, já foi ouvida pela polícia duas vezes. Ela conta que Freitas teria feito um aceno com a mão para uma funcionária e dito que iria esperá-la no estacionamento. Quando ela chegou ao local, ele já estava imobilizado.
—Eu estava pagando no caixa. Ele desceu na minha frente. Quando cheguei, ele já estava imobilizado. Ele pediu ajuda, quando fui, os seguranças me empurraram — disse Milena a GZH na sexta-feira pela manhã.
Versão da defesa
A defesa do policial militar temporário Giovane Gaspar da Silva, 24, afirma que ele "não tinha a intenção" de matar. David Leal, do escritório Hoffmeister & Leal, declarou que seu cliente "foi inexperiente" na ação em que desferiu vários socos na vítima, mas que a morte "foi um acidente":
- Ninguém ali teve a intenção de matar. Essa narrativa política ideológica de que foi racismo é analisada por quem não tem a compreensão do fato. Acaba levando o entendimento ao erro. Eu vejo que foi um acidente.
Sobre a sequência de socos dados pelo PM na cabeça da vítima, o advogado defende que fez parte da "tentativa de contenção".
William Vacari Freitas, que defende Magno Braz Borges, afirma que, por enquanto, não vai se manifestar, tendo em vista que ambos os acusados permaneceram em silêncio durante o auto de prisão em flagrante e optaram por se manifestar somente em juízo.