Uma das testemunhas que filmaram a agressão sofrida por João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, dentro do supermercado Carrefour, em Porto Alegre, na noite desta quinta-feira (19), estava saindo da área dos caixas com o marido e o filho quando percebeu a movimentação dos funcionários. Ao identificar o que estava acontecendo, viu dois seguranças sobre Freitas, um deles com o joelho sobre as costas da vítima, que gemia e pedia para respirar.
As gravações foram feitas a partir das 20h50min. A mulher conversou com GZH na manhã desta sexta-feira (20), sob condição de anonimato.
— Ele pedia: "Só me deixa respirar, está doendo, está doendo, me deixa respirar". Em nenhum momento, eu vi ele falando que iria bater neles. Ele nem estava em condições de agredir alguém. Ele só implorava: "Me deixa respirar, não estou respirando" — conta.
Freitas havia ido até o supermercado com a esposa, Milena Borges Alves, comprar os itens para a janta. O homem, que trabalhava como autônomo, chegou a ser socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas morreu no local.
— Eles (os seguranças) estavam com os dois joelhos em cima dele, nas costelas dele. A coisa que eu mais lembro é ele implorando pra respirar. Foi uma crueldade, covardia. Eram dois contra um homem desarmado. E a esposa presenciando tudo. A primeira coisa que pensei foi ajudar ela.
A mulher conta que tentou socorrer Milena, que, atônita, não conseguia mexer no celular para ligar para o sogro e avisar o que estava acontecendo. Foi a testemunha quem telefonou para João Batista Rodrigues Freitas, 65 anos, e avisou que o filho dele estava sendo agredido no supermercado:
— Quando eu vi quem era a esposa, tentei auxiliar e acalmar ela. Meu marido pedia constantemente para os seguranças saírem de cima dele. Só que eles não deixavam, eles nos ameaçavam. Eles diziam que não era nada. Único intuito que eu tinha, já que estavam nos ameaçando, e eu estava com meu filho, foi filmar para ter uma prova. Não filmei porque era algo bonito, mas pra poder ter prova do acontecido. O que eles fizeram é uma brutalidade.
A GZH, a mulher disse que não presenciou o começo da discussão, só se deu conta do que estava acontecendo quando viu os seguranças sobre Freitas.
— A esposa chegou perto dos seguranças e disse para eles saírem de cima do esposo dela, pediu para deixar ele respirar, explicou que ele não estava drogado, não estava com arma. Ela dizia: "Sai de cima dele, sai de cima dele". Ela segurava o carrinho com as compras em choque. O João nitidamente dizia: "Deixa eu respirar, cara, deixa eu respirar".
O vídeo revela que, enquanto os dois seguranças imobilizavam Freitas, ao menos outros três homens estavam na volta, monitorando a situação. Milena fala aos seguranças que também foi agredida. A mesma gravação mostra a agente de fiscalização do Carrefour se abaixando e falando com Freitas quando ele estava praticamente desfalecido:
— Se acalma para a gente poder te soltar. A Brigada está chegando aí.
Freitas, gemendo, pede para ser solto e a mulher responde:
— A gente não vai te soltar para tu bater em nós de novo.
— Arroxeou a boca dele, o cara está roxo. Tem que chamar a ambulância. Ele não tá respirando.
Quando o socorro chega, os paramédicos não conseguem mais reanimar Freitas. Os dois homens vistos nas imagens agredindo a vítima, identificados como Magno Braz Borges e Giovane Gaspar da Silva, foram presos em flagrante.
A mulher recorda que a violência da ação assustou o filho, de sete anos, mas ela diz que decidiu ficar para ajudar Milena e produzir prova da agressão.
— Meu filho apavorado dizia: "mãe, vamos embora". Mas eu não não podia sair dali e deixar a mulher daquele jeito. O celular dela deu pane e eu liguei pro sogro dela. Ela não conseguia raciocinar direito na hora. Minha ideia era dar os primeiros socorros pra ela, já que com ele não conseguíamos fazer nada. Quando tentávamos chegar perto, os seguranças perguntavam: "Você é médico? Sabe tirar pressão? Não chega perto" — lembra.
Depois da cena que a família presenciou no Carrefour, a mulher afirma que vai deixar a Capital e irá morar no Interior com o marido e o filho:
— Para mim, Porto Alegre não dá mais. Eu iria num mercadinho perto da minha casa ontem, mas era no meio da vila, decidi ir no Carrefour que é maior e tem câmeras, achava que era mais seguro. Eu estou indo embora.
Os dois homens foram presos em flagrante foi por homicídio triplamente qualificado: motivo fútil, asfixia e recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
O que diz a Brigada Militar
"Imediatamente após ter sido acionada para atendimento de ocorrência em supermercado da Capital, a Brigada Militar foi ao local e prendeu todos os envolvidos, inclusive o PM temporário, cuja conduta fora do horário de trabalho será avaliada com todos os rigores da lei.
Cabe destacar ainda que o PM Temporário não estava em serviço policial, uma vez que suas atribuições são restritas, conforme a legislação, à execução de serviços internos, atividades administrativas e videomonitoramento, e, ainda, mediante convênio ou instrumento congênere, guarda externa de estabelecimentos penais e de prédios públicos.
A Brigada Militar, como instituição dedicada à proteção e à segurança de toda a sociedade, reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos e garantias fundamentais, e seu total repúdio a quaisquer atos de violência, discriminação e racismo, intoleráveis e incompatíveis com a doutrina, missão e valores que a Instituição pratica e exige de seus profissionais em tempo integral."
O que diz o Carrefour
"O Carrefour informa que adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos neste ato criminoso. Também romperá o contrato com a empresa que responde pelos seguranças que cometeram a agressão. O funcionário que estava no comando da loja no momento do incidente será desligado. Em respeito à vítima, a loja será fechada.
Entraremos em contato com a família do senhor João Alberto para dar o suporte necessário. O Carrefour lamenta profundamente o caso. Ao tomar conhecimento deste inexplicável episódio, iniciamos uma rigorosa apuração interna e, imediatamente, tomamos as providências cabíveis para que os responsáveis sejam punidos legalmente.
Para nós, nenhum tipo de violência e intolerância é admissível, e não aceitamos que situações como estas aconteçam. Estamos profundamente consternados com tudo que aconteceu e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte para as autoridades locais."
O que diz a empresa Vector
“O Grupo Vector, através de seu advogado, vem a público informar que lamenta profundamente os fatos ocorridos na noite de 19/11/2020, se sensibiliza com os familiares da vítima e não tolera nenhum tipo de violência, especialmente as decorrentes de intolerância e discriminação.
Informa que todos seus colaboradores recebem treinamento adequado inerente as suas atividades, especialmente quanto à prática do respeito às diversidades, dignidade humana, garantias legais, liberdade de pensamento, ideologia política, bem como à diversidade racial e étnica.
A empresa já iniciou os procedimentos para apuração interna acerca dos fatos e tomará as medidas cabíveis, estando à disposição das autoridades e colaborando com as investigações para apuração da verdade.”