Um ato marcado para sexta-feira (27) irá homenagear João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, que foi morto após ser espancado por dois seguranças dentro de um Carrefour, em Porto Alegre. Na quinta-feira (26), a morte completa uma semana.
A partir das 18h, um ato ecumênico ocorrerá no viaduto da Igreja São Jorge, na Avenida Bento Gonçalves. Depois, uma caminhada será realizada até o Carrefour. A ação foi idealizada por integrantes de entidades de religião de matriz africana, como homenagem a Beto, como era conhecido, que frequentava terreiro.
— O João Alberto tinha vínculo com a religiosidade de matriz africana e a ideia desse ato surge a partir daí. A gente quer resgatar um legado de amizade, em nome da família do Beto e de todos que conviveram com ele, e não permitir que sejam espalhadas falsas notícias, como a gente vem vendo. Queremos resgatar a humanidade de um homem que foi assassinado de forma brutal — pontua um dos porta-vozes da manifestação, o vereador da Capital, Matheus Gomes.
O ato também serve, segundo Gomes, para cobrar justiça pelo assassinato do homem, tanto da empresa de segurança em que os agressores trabalhavam, a Vector, quanto do Carrefour.
— Estamos diante do crime racista mais brutal das últimas décadas de Porto Alegre. A punição às instituições, nesse momento, precisa ser exemplar.
Carrefour terá horário reduzido
Na noite desta quarta (25), o Carrefour informou que as lojas da rede ficarão fechadas na manhã desta quinta (26) em "respeito ao luto da família de João Alberto e à sociedade brasileira". Já a unidade do bairro Passo D'Areia não abrirá durante todo o dia.
Além disso, a rede anunciou que o resultado de vendas desta quinta e da sexta-feira se somará ao resultado de vendas do último dia 20 de novembro e será aportado no Fundo de Combate ao Racismo e Promoção da Diversidade criado pelo Carrefour, que já conta com R$ 25 milhões.
"Sabemos que nada trará a vida de João Alberto de volta, mas não vamos medir esforços para que a transformação necessária aconteça. Queremos nos unir com todos aqueles que quiserem ajudar nessa luta. Isso é o só o começo de mudança profunda e necessária. Continuaremos atualizando a sociedade sobre as próximas ações nas próximas duas semanas", afirma o comunicado.
Três presos
Perto de completar uma semana da data do crime, três pessoas foram presas pela polícia, que segue investigando o caso e demais envolvidos. Os detidos são a fiscal do Carrefour Adriana Alves Dutra, e os dois seguranças que agrediram o homem, Giovane Gaspar e Magno Borges.
Os agentes de vigilância foram detidos em flagrante e tiveram prisão preventiva decretada pela Justiça. Adriana foi presa na terça-feira (24). Segundo a Polícia Civil, Adriana tem uma atuação determinante na morte de João Alberto por estar no comando dos dois seguranças que o espancaram.
A defesa de Adriana pediu a sua libertação. A advogada Karla Sampaio sustentou no pedido que sua cliente sempre esteve à disposição da polícia, prestou depoimento, entregou seu celular voluntariamente e manteve seus dados atualizados. Além disso, afirmou que Adriana é diabética e possui pedras nos rins, incluindo laudos médicos. Para Karla, é inegável que a condição de saúde de sua cliente o coloca em risco. O pedido foi protocolado ainda na noite de quarta na 2ª Vara do Júri do Foro Central da Comarca de Porto Alegre. Ainda não houve resposta.
Adriana, Giovane e Magno são investigados por homicídio triplamente qualificado. A Polícia Civil realizará na sexta-feira (27) o segundo depoimento de Magno, que é PM temporário. A Brigada Militar (BM) aguarda a defesa do investigado sobre a conduta dele como policial fora do horário de serviço.
Após a prisão em flagrante, Magno ficou em silêncio, mas, com novas provas obtidas pela polícia, informou, por meio do advogado, que vai prestar o depoimento. Além disso, ele tem prazo até esta quarta-feira para apresentar defesa ao comando da BM sobre sua conduta, já que estava atuando em serviço paralelo. A corporação aguarda esta posição para concluir ainda nesta semana o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado na última sexta-feira.
O outro segurança da Vector, Magno Braz Borges, também ficou em silêncio no depoimento, mas a defesa dele informou que o investigado só vai se manifestar em juízo, já que este é um direito constitucional. Por este fato, não será reinquirido.
Ações civis
Nesta quarta, a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE) ingressou com uma ação coletiva que pede indenização de R$ 200 milhões por danos morais e coletivos pelo homicídio de João Alberto Silveira Freitas. Além do hipermercado, a empresa de segurança privada Vector foi incluída na ação. Os dois seguranças que agrediram João Alberto eram contratados da terceirizada.
O valor, ao fim do processo, deverá ser destinado a fundos de combate à discriminação e defesa do consumidor, entre outros.
— Essa indenização visa reparar a sociedade. Ela não tem finalidade de reparar a família da vítima, que deve ajuizar uma ação individual. Acreditamos que não é apenas a questão financeira e patrimonial que vai resolver esse problema estrutural existente no Brasil — comentou o defensor público Rafael Pedro Magagnin, dirigente do Núcleo de Defesa do Consumidor.
A Defensoria pede a interdição da unidade do Passo D'Areia por cinco dias com o objetivo de diminuir os riscos de possíveis atos hostis em decorrência de manifestações no local. O órgão solicita também que o Carrefour crie em Porto Alegre, em 10 dias, um plano de combate ao racismo e tratamento discriminatório voltado a funcionários e a adoção de campanhas de conscientização em redes sociais e mídia em geral.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul também ingressou com dois inquéritos civis para apurar o caso, ambos liderados pela Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos de Porto Alegre.
— Essa questão da política de direitos humanos visando atingir qualquer tipo de preconceito, discriminação ou intolerância, é com relação aos funcionários, colaboradores e aos clientes consumidores. É com relação a todos - diz a promotora Gisele Müller Monteiro.
Conforme Gisele, o primeiro inquérito tem por objeto buscar reparação pelo dano moral coletivo decorrente do fato criminoso que culminou com o homicídio de João Alberto Freitas. No caso, o MP entende que o dano é coletivo porque toda a sociedade é afetada pelo evento. Já o segundo inquérito tem o intuito de averiguar a política de direitos humanos no grupo Carrefour.