O Rio Grande do Sul ultrapassou, nesta quarta-feira (16), a marca das 30 mil vítimas da covid-19. Os dados oficiais da Secretaria de Estado da Saúde (SES) confirmaram o registro de 130 mortos nas últimas 24 horas e 5.486 novos casos da doença, ampliando o total de vítimas desde o início da pandemia para 30.032 e o de infectados, para 1.161.921 milhão.
Na pandemia, um contingente que equivale à população de Carlos Barbosa, na Serra, ou próximo ao número de habitantes do Centro Histórico de Porto Alegre perdeu a vida ao longo de um ano e meio no Estado.
O Rio Grande do Sul parece se encaminhar para uma quarta onda de aceleração, com uma piora gradual, mas em velocidade não tão acelerada quanto na terceira onda, de março e abril, graças aos freios impostos pelo avanço da vacinação. Ainda assim, se o modelo de distanciamento controlado da gestão da pandemia ainda existisse, todo o Estado estaria em bandeira preta neste momento.
Até agora, 2021 é simultaneamente o pior e o melhor ano da pandemia: ao mesmo tempo em que a vacina contra a covid-19 finalmente chegou ao Brasil e começou a salvar vidas, cerca de 70% das 30 mil vítimas morreram neste ano.
O agravamento da pandemia ocorreu em meio à maior liberdade de circulação e ao avanço da cepa Gama, originária de Manaus. Como resultado, o Rio Grande do Sul levou um ano para chegar a 15 mil mortos, mas apenas três meses para dobrar para 30 mil.
— Várias regiões do Estado têm vacinação mais lenta e mantêm ocupação hospitalar alta desde o início da terceira onda. Aqui na Região Sul, diferentemente da Região Metropolitana, estamos lotados e em uma estabilidade preocupante desde fevereiro. Devemos ter até agosto um período muito difícil com outras doenças do inverno. Com a vacinação até o fim do ano, o verão deve ser mais confortável para, talvez, flexibilizarmos comportamentos e máscara — diz Fábio Lopes, professor da Faculdade de Medicina e gerente de Atenção à Saúde do Hospital Universitário da Universidade Federal de Rio Grande (Furg).
No histórico da pandemia, a maior parte das vítimas é de idosos, com número de mortes concentrado na faixa etária de 60 a 79 anos. Mas, com o avanço da vacinação nesse grupo, houve um rejuvenescimento: no último mês, o maior número de óbitos está entre quem tem entre 50 e 69 anos.
Alta na taxa de mortalidade
O Rio Grande do Sul já não é mais exemplo nacional de sucesso no combate à covid-19, como no ano passado, e agora está entre os Estados com o maior número de mortes pela doença, levando-se em conta o tamanho de cada população. A taxa de mortalidade a cada 100 mil habitantes é a nona pior do Brasil, acima da média nacional e mais grave do que em São Paulo.
Comparado a países, o Rio Grande do Sul tem uma taxa de mortalidade pior do que Bélgica, Itália, Reino Unido, Argentina, Espanha, Uruguai e mesmo Estados Unidos, segundo o Comitê de Dados do Palácio Piratini.
Após grande pressão de prefeitos, do setor econômico e pela volta às aulas, o governador Eduardo Leite (PSDB) encerrou, na metade de maio, o sistema de distanciamento controlado com suas bandeiras e implementou uma nova estratégia: o modelo 3As.
A nova política joga mais responsabilidade para que prefeitos tomem decisões e, na prática, vem resultando em menores restrições à mobilidade e ao funcionamento de comércio e serviços.
— De março a setembro do ano passado, o Rio Grande do Sul era muito bom, comparado a outros Estados. A partir de outubro, a vigilância epidemiológica diminuiu, o modelo de distanciamento se desmoralizou com os recursos de prefeitos e a cogestão, a população desacreditou e aí veio o novo modelo que, na prática, deixa a decisão na mão dos prefeitos, que têm menos coragem de enfrentar a pandemia — analisa Pedro Hallal, professor de Epidemiologia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e integrante do Comitê Científico do Palácio Piratini.
O presidente da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande Sul (Federasul), Anderson Cardoso, afirma que a mudança para o modelo 3As atende não apenas às demandas do setor produtivo, mas de toda a sociedade. Pontua que a mudança regionalizou decisões e, com isso, aproximou o debate, antes concentrado nas mãos do governo do Estado.
Cardoso diz também que a extinção da salvaguarda de leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (gatilho estatístico que colocava todo o Estado em bandeira preta quando havia menor oferta de vagas) foi positiva porque o cálculo desconsiderava o potencial de expansão de atendimento hospitalar efetivado pelas instituições de saúde nos meses mais difíceis da pandemia - depois, os leitos voltaram a ser dedicados a pacientes sem coronavírus.
— O quociente estava errado em sua natureza. O número desconsiderava a variação de número de leitos necessária para a manutenção do sistema de saúde. O novo modelo permite a participação ativa de cada região. Mas não quer dizer que a situação está confortável. Temos que ter em mente a necessidade de vacinação em larga escala. A sistemática (de combate à pandemia) do Rio Grande do Sul não nos colocou em posição melhor do que em outros Estados em número de mortes e ainda e nos trouxe impacto social grande. Perdemos 20 mil empregos e fomos o penúltimo Estado em geração de empregos. Há um impacto de décadas. A política atual está adequada para o atual momento. É uma evolução, mas não é perfeita. Para ter uma solução, precisamos de mais vacina e de melhor cobertura em determinado segmentos, que não estão buscando a segunda dose — diz o presidente da Federasul.
Vacinação
Com a experiência de anos com a imunização contra a gripe e beneficiado pelo maior repasse de doses por ter uma população mais velha e com mais comorbidades, o Rio Grande do Sul está, desde o início do ano, entre os Estados que mais aplicam doses de vacinas anticovid em sua população. Até a manhã desta quarta-feira, 34,4% dos gaúchos haviam recebido a primeira aplicação e 14%, a segunda, conforme a SES.
Devido à expectativa de maior repasse de vacinas por parte do Ministério da Saúde e em meio à concorrência com outros Estados, o governador Eduardo Leite prevê vacinar toda a população adulta do RS com ao menos a primeira dose até setembro, antes do que prometeu o governador do Rio de Janeiro e em paralelo com a previsão de São Paulo e do Pará.
A campanha começou a ganhar corpo apenas em junho, com inclusão das pessoas com comorbidades e redução gradual da faixa etária da população em geral – Porto Alegre já imunizou com a primeira dose mais da metade da população acima dos 18 anos e alguns municípios já começam a vacinar gaúchos na faixa etária dos 35 anos.
Gestores e especialistas em saúde estão preocupados, porém, com uma adesão abaixo da meta nos grupos prioritários. A expectativa é de melhorar a cobertura vacinal quando houver mais doses e a possibilidade de montar tendas de aplicação fora de postos de saúde.
— Acho que podemos ter um aumento da transmissão nos próximos meses, mas não o suficiente para bater o pico de março e abril. Vamos mantê-la por algum tempo porque não estamos levando em conta o distanciamento social. Quando vacinarmos de 70% a 80% da população, devemos ter uma pandemia mais controlada — afirma o médico Alexandre Vargas Schwarzbold, presidente da Sociedade Sul-Riograndense de Infectologia (SRGI).
De todas as doses aplicadas até agora, 55,5% são da AstraZeneca, 40,7% são CoronaVac e 3,8% são da Pfizer. Nos próximos dias, ainda que com atraso, devem chegar ao Estado as vacinas da Janssen, de apenas uma dose. Há, ainda, a expectativa para o recebimento da indiana Covaxin.
— Temos duas coisas jogando contra nós e uma a favor. Os fatores contra são o ponto de partida da nova aceleração, que é muito alto, e a existência de muitas variantes circulando. A nosso favor, a vacinação no Rio Grande do Sul é muito mais rápida do que a média nacional. Acho que, em termos de casos, essa nova aceleração vai ser tão ou mais grave do que as outras. Tenho a esperança de que, em termos de mortes, será menos grave — afirma Hallal.