Nas últimas semanas, quando ganhou força a discussão sobre o risco de novas ondas da covid-19 no país, se revelou também uma divergência sobre a forma como a evolução da doença desde os primeiros casos é descrita em nível nacional e no Rio Grande do Sul.
Epidemiologistas observam que o Estado já passou por três ciclos de crescimento da pandemia, embora em todo o país especialistas reconheçam dois períodos de agravamento significativo. Essa diferença ocorre porque o dado nacional representa, na verdade, a média de diferentes epidemias regionalizadas — com características e períodos próprios.
— Isso se chama paradoxo de Simpson. De maneira simplista, ocorre quando há diversos efeitos distintos que, somados, acabam ocultando características importantes quando analisamos o todo. O Rio Grande do Sul teve três períodos de aceleração da pandemia, mas o Brasil teve dois — explica o doutor em Matemática e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Álvaro Krüger Ramos, que produz estudos estatísticos sobre a covid-19.
É como se, em uma orquestra, cada violino tocasse uma mesma composição fora de sintonia. O resultado final, para o ouvinte, em vez de uma música identificável, seria um ruído indistinto. Ou seja, quando os dados da covid-19 no Rio Grande do Sul são misturados aos dos outros Estados, as características específicas da evolução do coronavírus entre os gaúchos acabam se perdendo.
Os registros de internações em leitos clínicos, unidades de terapia intensiva (UTIs) e de óbitos revelam períodos de piora acelerada no inverno do ano passado, no final de 2020 e, mais recentemente, entre fevereiro e março. As datas exatas podem variar um pouco conforme o critério utilizado (no gráfico abaixo, veja a variação na média de óbitos).
Pelo comportamento distinto da covid-19 em outros Estados, porém, as curvas gaúchas acabaram misturadas às de outras regiões — que, na média geral, resultaram em dois períodos de avanço mais significativo do vírus. O professor da UFRGS avalia que, como um todo, o país testemunhou o auge do primeiro ciclo de crescimento no final de julho do ano passado (com base no registro diário de novos casos) e do segundo no final de março de 2021.
Um outro fator que pode gerar alguma confusão na forma como a história da pandemia é contada é o fato de não haver uma definição consensual para o termo “onda”. Diferentes critérios utilizados para medir o comportamento do vírus, diferenciar uma nova onda de um repique do ciclo anterior, entre outros desafios, podem resultar em formas divergentes de caracterizar a trajetória do coronavírus em solo nacional.