- Rio Grande do Sul conseguiu achatar a curva graças ao distanciamento social
- Estado tem a 6ª menor incidência e mortalidade de coronavírus de todo o Brasil
- Médicos alertam que a epidemia sairá do controle se gaúchos voltarem à rotina pré-pandemia
O verão ainda era desfrutado quando o Rio Grande do Sul confirmou, em 9 de março, o primeiro caso de coronavírus. Como um filme de ficção, nossa vida foi radicalmente transformada na rotina da família, na ida ao trabalho, nas finanças, no lazer e até no sono.
Porém, neste sábado (9), exatos dois meses após a chegada da doença, gaúchos podem respirar com um pouco de alívio: o distanciamento social deu certo. Com curva epidêmica achatada e a sexta menor incidência e mortalidade por covid-19 na população, somos um dos Estados com a melhor resposta de todo o Brasil.
Dados das 18h desta sexta-feira (8) mostram que 186 municípios do Rio Grande do Sul confirmaram 2.246 casos, mas mais da metade destas pessoas já se recuperou. Proporcionalmente, 21,5 a cada 100 mil gaúchos tiveram coronavírus, a sexta taxa mais baixa do Brasil e cerca de 11 vezes menor do que Amapá e Amazonas, as regiões mais graves (veja o gráfico a seguir).
A curva epidêmica do Rio Grande do Sul está achatada, o que significa que o número de novos casos é muito pequeno e conseguimos reduzir e postergar o pico da epidemia – isso serve para dar tempo para o sistema de saúde organizar-se e diluir a entrada de casos em graves em hospitais ao longo do tempo. No gráfico, veja como o número de novos casos registrados em um único dia está caindo (vale ressaltar que os dados se referem a infecções de dias atrás).
Curva da epidemia está achatada, como mostra a queda no número de novos casos
Cada uma das 91 mortes de gaúchos deixou um rastro de tristeza, porém, o Rio Grande do Sul tem a sexta menor mortalidade dentre todos os Estados – a pior situação está no Amapá. Em números totais, estamos longe da situação de São Paulo (3,2 mil óbitos) ou Rio de Janeiro (1,4 mil), conforme dados do Ministério da Saúde:
RS não está entre os Estados com maior número de vítimas
Se os sistemas de saúde de Pernambuco, Rio de Janeiro, Ceará e Roraima estão à beira do colapso, com mais de 90% das Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) em utilização, o Rio Grande do Sul tinha, nesta sexta-feira, cerca de 71% de todos os seus 1.722 leitos adultos ocupados. Destes, 214 eram para pessoas suspeitas ou confirmadas para o novo coronavírus.
Após pedidos da ciência e das autoridades, houve grande adesão ao distanciamento social em território gaúcho: estudo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), divulgado há cerca de 10 dias, mostrou que quase 72% de todos os gaúchos ficavam em casa o tempo todo ou só saíam da residência para atividades essenciais.
A boa conquista do Rio Grande do Sul ocorre sobretudo por três fatores: as medidas de restrição social foram implementadas na hora certa, os gaúchos permaneceram em casa e o governo estadual e a prefeitura de Porto Alegre agiram com base nas recomendações da ciência, afirmam analistas consultados por GaúchaZH. Em Porto Alegre, a primeira medida de restrição ocorreu em 16 de março, seis dias antes da primeira morte.
— Os resultados do Rio Grande do Sul estão entre os melhores do Brasil, o que é resultado direto da adesão da população ao distanciamento social na hora certa. Fica o agradecimento a todos os gaúchos que souberam e continuam sabendo ficar em casa sempre que possível. Com as novas regras, pode haver novamente momentos de mais flexibilização ou restrição, então a população gaúcha precisa ficar atenta às novas recomendações — diz Pedro Hallal, professor de Epidemiologia na UFPel, onde também é reitor.
A curva da epidemia por aqui é “tímida” em comparação a outros Estados, diz Alessandro Pasqualotto, professor de Infectologia na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e coordenador do laboratório de testagem da Santa Casa da Capital. Ele destaca que os hospitais da cidade estão com poucos pacientes de coronavírus.
— Isso é um enorme reflexo de que a epidemia se manteve sob controle. Estamos preparados para lidar com um aumento gradual de casos, mas acredito que essa mudança não vá ultrapassar a capacidade do sistema de saúde. O inverno é um período difícil porque as doenças respiratórias demandarão mais leitos e atendimento médico. Espero que os projetos em curso no Estado para ampliação de leitos de UTI sejam executados — diz o médico infectologista.
Pasqualotto ainda reflete que um dos fatores que pode ter contribuído para a grande adesão ao distanciamento no Rio Grande do Sul é a conexão cultural com a Itália: assustados com o horror em um país do qual sentimos certa proximidade por conta da imigração, o medo de viver realidade semelhante mobilizou gaúchos a ficarem em casa.
Não voltaremos ao normal de um dia para outro. Precisaremos nos adaptar a essa realidade, sob risco de perder o controle da nossa curva.
JERUZA NEYELOFF
Médica do Hospital de Clínicas
Porto Alegre de fato concentra a maioria dos casos do Estado, mas tem uma das menores taxas de morte entre todas as capitais brasileiras. Houve um aumento no número de infecções nos últimos dias, mas o prefeito Nelson Marchezan (PSDB) afirma que isso ocorre porque a Prefeitura mudou a estratégia e passou a testar qualquer pessoa que tenha sintomas e busque atendimento – antes, eram apenas casos graves, profissionais da saúde e idosos. A cidade consegue processar até 580 testes por dia.
A realidade relativamente confortável na saúde será testada a partir da semana que vem, com a retomada gradual de serviços. Há consenso de que o número de contaminados e internados em UTIs aumentará nas próximas semanas, mas a dúvida é se a situação irá degringolar. Nesta semana, a ocupação de UTIs por coronavírus cresceu 26% em uma semana no Interior. O avanço é menor que o registrado na semana anterior, mas mostra que a pressão sobre os leitos intensivos segue aumentando.
Para Jeruza Neyeloff, médica epidemiologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), pode haver explosão no número de casos se a população agir como se a vida houvesse voltado à realidade pré-pandemia.
— Não voltaremos ao normal de um dia para outro. Precisaremos nos adaptar a essa realidade, sob risco de perder o controle da nossa curva. Quem pode ficar em casa deve ficar em casa. Os desafios do Estado agora são conseguir testes e continuar organizando leitos. Há um desequilíbrio na oferta entre Interior e grandes cidades, algo que já havia antes. Com isso, o Interior tem dificuldade em transferir pacientes — pontua.
O epidemiologista Pedro Hallal, da UFPel, elogia o programa de retomada de serviços do governo estadual, mas diz que “estamos mal em testagem”:
— A gente testa pouco. Não precisa comparar com Coreia do Sul. E nosso teste é muito seletivo, só testamos o cara mais grave. Não precisa fazer testes em massa, mas poderíamos ter um planejamento de testagem que fizesse parte desse plano do governo. 0 plano do governador é bom, mas se tenho uma crítica é que não inclui uma política de testagem por amostragem mais detalhada para fins de assistência das populações — diz Hallal.
O governo do Rio Grande do Sul informou à reportagem que deve ter 75 mil testes à disposição nas próximas semanas.
O governo ainda precisará lidar com as microepidemias, como em Passo Fundo, Marau, Lajeado e Bento Gonçalves, onde a incidência do coronavírus é alta (veja a seguir as cidades com proporcionalmente mais casos). A Secretaria Estadual da Saúde (SES) não respondeu aos questionamentos de GaúchaZH até o fechamento desta reportagem.
Outra preocupação é a economia: o Rio Grande do Sul já enfrentava dificuldades financeiras, com atraso de salários a servidores, e a situação só piorou. No fim de abril, já havia pelo menos 53 mil demissões.
O desafio de agora é dosar a liberdade: construir uma nova rotina e relacionar-se com a cidade de maneira diferente. A orientação é uma só: manter distância, lavar as mãos e, quem puder, fique em casa.
RS
- 2.220 casos
- 1.218 se recuperaram
- 91 mortes
Leitos de UTI no RS
- 1.722 leitos disponíveis, dos quais 1.241 estão ocupados
- 72.1% taxa ocupação
- Dos pacientes, 204 são suspeitos ou confirmados para coronavírus
- Eles ocupam 16,5% de todos os leitos do Estado