As incertezas provocadas pelo coronavírus colocam empregos em xeque no Rio Grande do Sul. Durante a pandemia, pelo menos 5,3 mil demissões já ocorreram no Estado, indicam estimativas de lideranças sindicais. Em razão das dificuldades no cenário, o número tende a subir, mas, ao mesmo tempo, empresas e funcionários costuram acordos para evitar cortes em massa.
Para chegar ao número preliminar de demissões, GaúchaZH consultou sindicatos que representam funcionários de setores intensivos em mão de obra, como a indústria calçadista e a metalmecânica. A reportagem também entrou em contato com interlocutores de serviços bastante abalados pela pandemia, como o ramo hoteleiro.
Até o momento, não existem estudos oficiais finalizados sobre o efeito do coronavírus no mercado de trabalho. A edição mais recente do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) leva em conta dados até dezembro, quando a pandemia ainda não havia chegado ao Brasil. O Caged é divulgado pelo Ministério da Economia.
No setor calçadista, pelo menos 4,5 mil demissões já foram confirmadas devido ao impacto da covid-19 no Estado, indica a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Calçado e do Vestuário do Rio Grande do Sul. Antes do coronavírus, as fábricas empregavam cerca de 86 mil funcionários.
Na Serra, houve cortes no polo metalmecânico. Até o momento, o Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região contabilizou em torno de 500 desligamentos, diz o presidente da entidade, Assis Melo. A organização representa 25 mil trabalhadores.
– Estamos buscando acordos com empresas para preservar empregos, mas, mesmo assim, houve demissões – relata Melo.
Em meio à crise, uma medida provisória (MP) lançada pelo governo federal permite a suspensão de contratos de trabalho ou a redução de jornada e salários mediante acordos entre companhias e funcionários. Segundo o Ministério da Economia, a iniciativa busca evitar demissões.
Em Gramado, também na Serra, o ramo hoteleiro fechou negociações que permitiram férias coletivas ou redução de jornada e salários. As ações amenizam as dificuldades, mas não garantem que todos os empregos sejam mantidos, sublinha Rodrigo Callais, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Hoteleiro e Similares de Gramado (Sindihoteleiro).
Segundo ele, 250 rescisões foram homologadas pelo setor desde o último dia 6. Diante da falta de turistas, o número tende a subir e pode atingir 600 cortes, projeta Callais. O sindicato representa cerca de 4 mil empregados de hotéis, pousadas, bares e lancherias.
– O turismo foi o primeiro setor a ser atingido e, provavelmente, será o último a se recuperar da crise. Então, vamos precisar de uma série de incentivos dos governos para reaquecer a atividade. O que foi feito até o momento é insuficiente – observa Callais.
O Sindicato dos Empregados no Comércio Hoteleiro e Similares de Porto Alegre afirma não ter ainda um balanço fechado de quantas demissões ocorreram no setor. Presidente da entidade, Orlando Rangel estima que os desligamentos podem alcançar 18 mil pessoas até o fim da crise. Se confirmada, a marca corresponderia a 30% dos 60 mil trabalhadores representados pelo sindicato em hotéis, bares, restaurantes e casas noturnas da Capital e de municípios da Região Metropolitana e do Litoral Norte.
– Empresas têm adotado medidas como férias coletivas. Esperamos que, aos poucos, o setor volte a trabalhar – aponta Rangel.
Em Porto Alegre, o comércio tem recorrido a acordos para preservar a maior parte das vagas. Mesmo assim, o presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre (Sindec), Nilton Neco, conta que, durante a pandemia, o setor registrou pelo menos 128 demissões – todas na mesma rede varejista. Cerca de 100 mil trabalhadores são representados pelo Sindec.
Maior acesso a crédito é necessário
Destravar a concessão de crédito no país é um dos principais desafios para que empresas consigam superar a crise do coronavírus e evitem demissões, ressaltam economistas. Nas últimas semanas, empresários têm feito queixas de supostas dificuldades de acesso a empréstimos. Em momento repleto de incertezas, bancos privados enxergam mais riscos no horizonte e tendem a aumentar exigências na hora de liberar financiamentos.
O pesquisador Manoel Pires, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), avalia que o acesso a capital de giro é fundamental para empresas terem alívio no pagamento de despesas fixas. Esses gastos incluem salários de funcionários.
Economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank vai na mesma linha e ressalta que, em situações de crise, bancos públicos têm melhores condições de oferecer empréstimos mais atrativos. Segundo Frank, uma medida em discussão no país pode facilitar a liberação de crédito. Aprovado pelo Senado, o "orçamento de guerra" permite ao Banco Central (BC) comprar ações privadas de empresas, levando em conta regras estabelecidas pelos parlamentares. A ideia do projeto é estimular a compra e venda de ativos.
– O acesso a crédito é essencial no momento. A possibilidade de o BC comprar títulos da dívida privada ajudaria. O BC atuaria quase como banco privado. Isso já é feito em outros países – pontua Frank.
Medidas anunciadas, como a autorização para suspensão de contratos ou redução de jornada e salários, servem para atenuar os impactos da crise.
– Mas não conseguiremos evitar todos os efeitos de uma recessão. O elevado déficit do país limita a capacidade para novas manobras de auxílio à economia – pondera.
Menos vagas
Sindicatos apontam cortes de empregos devido à crise do coronavírus
- Indústria calçadista no RS: 4,5 mil
- Indústria metalmecânica de Caxias do Sul: 500
- Hotelaria em Gramado: 250
- Comércio em Porto Alegre: 128
- Total estimado até o momento: 5.378*
*Número aproximado