Cada vez mais empresas gaúchas começam a suspender os contratos ou reduzir a jornada e o salário de seus funcionários em razão da crise do coronavírus. Um dos termômetros desse movimento está no crescimento, nas últimas semanas, dos pedidos de negociação coletiva e dos acordos individuais que chegam aos sindicatos de trabalhadores, apontado por entidades ligadas a diversas atividades, como comércio, construção civil e transportes.
Segundo o Ministério da Economia, até a semana passada pelo menos 2,5 milhões de trabalhadores já tiveram redução de jornada ou o contrato suspenso em todo o país, dentro dos parâmetros previstos pela medida provisória (MP) 936/2020. A pasta não detalha o perfil dos acordos e até o momento não divulga dados regionais.
Conforme o texto, a suspensão pode ser realizada por até dois meses e a diminuição da carga horária, por até três meses. No período, o governo federal pagará uma parte do seguro-desemprego ao trabalhador para complementar a renda.
Pelo texto original da MP, empregados que recebessem até três salários mínimos ou acima de R$ 12.202 podem negociar diretamente com o patrão. Essa situação foi avalizada na sexta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mas muitas empresas gaúchas já haviam procurado as entidades diretamente para tratar do tema.
O Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre (Sindec) estima que ao menos mil empresas já tenham adotado a medida na Capital. O montante inclui desde pequenas lojas até grandes varejistas, como a Renner. O presidente da entidade, Nilton Neco, aponta que até mesmo o sindicato terá de recorrer à medida para cortar gastos em um momento de queda na arrecadação.
– Teremos de suspender contratos de cerca de 35 funcionários por 60 dias – diz Neco.
Com obras paradas, a construção civil é outro setor que vem recorrendo em peso ao expediente. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores do setor em Porto Alegre (STICC), Gelson Santana, destaca que a categoria fez um aditivo na convenção coletiva para contemplar a MP 936.
– As empresas estão nos mandando os comunicados. Não temos números exatos, mas posso afirmar que já há milhares de trabalhadores com contratos suspensos – relata Santana.
No Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transporte de Porto Alegre (Stetpoa), o vice-presidente Sandro Abade diz que diariamente vem conversando com dirigentes das empresas privadas sobre o tema.
– Aos poucos, estão nos procurando para tratar da redução da jornada. Acredito que na nesta semana devemos ter definições –projeta Abade.
Entre os trabalhadores da indústria calçadista e do vestuário, os acordos também avançam. O presidente da federação de sindicatos dos empregados dos setores no Estado (Feticvergs), João Pires, classifica que há uma "corrida" para fechar acordos, que envolvem desde pequenas fábricas até grandes empresas, como Bottero e Bibi. A Grendene é outra companhia que já anunciou redução de 50% na jornada e nos salários.
– A todo momento estamos recebendo solicitações. A procura é bem significativa – aponta Pires.
Por outro lado, há segmentos ainda com poucos acordos fechados. O presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do Estado, Lírio Segalla, relata que os sindicatos que compõem a entidade devem se reunir para tratar o tema nos próximos dias.
– Apostamos em fazer algum tipo de convenção ou acordo coletivo com as patronais. Queremos que haja um padrão para se negociar a alteração da jornada – argumenta Segalla.
Na área de atuação do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul, pelo menos 30 empresas haviam procurado a entidade para adotar as medidas previstas na MP 936, de acordo com o presidente da entidade, Assis Melo. Além disso, a flexibilização da jornada já estava prevista em convenção coletiva extraordinária.
Neste sentido, a Marcopolo anunciou desconto nos salários dos funcionários que não retornaram às atividades. A Randon deve seguir caminho semelhante.
Problemas para comunicar acertos ao governo
A comunicação dos acordos para redução de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho é realizada exclusivamente por meio da plataforma Empregador Web, ligada à Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia. No entanto, nos últimos dias, algumas empresas têm relatado problemas no site à superintendência regional da pasta no Rio Grande do Sul.
Entre os entraves, estão a impossibilidade de retificar informações, a rejeição de arquivos anexos e a impossibilidade de cancelar a comunicação da suspensão ou redução dos contratos após ela ser cadastrada na plataforma. Sem conseguir fazer o comunicado online, muitas companhias chegaram a enviar os acordos para a sede do órgão regional, em Porto Alegre.
No entanto, a superintendência gaúcha reforça que a plataforma digital vem sendo aperfeiçoada e é o único meio de efetuar a comunicação. Dúvidas sobre a plataforma podem ser esclarecidas pelo telefone 158 ou por meio de abertura de demanda na ouvidoria da secretaria do Trabalho.
Como funciona
Redução da jornada
- A jornada de trabalho e, consequentemente, o salário do trabalhador podem ser diminuídos por até três meses, desde que posteriormente a empresa garanta a manutenção da vaga por igual período da redução. O valor pago pela hora trabalhada não pode ser alterado
- Há três faixas de cortes, de 25%, 50% ou 70% da jornada do trabalhador. Durante o período, o governo federal complementa a renda do empregado com o percentual equivalente ao seguro-desemprego que ele teria direito
- Ou seja, se a redução da renda ficar abaixo de 25% não haverá complemento; entre 25% e 49% a parcela será de 25% do seguro-desemprego; entre 50% e 69% a parcela será de 50%; de 70% para cima o complemento será de 70%
Suspensão do contrato
- O contrato de trabalho do empregado poderá ser suspenso por até dois meses, desde que posteriormente a empresa garanta a manutenção da vaga por igual período ao da suspensão
- Empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, no Simples nacional, não precisarão pagar nada ao empregado durante a suspensão. Neste caso, o trabalhador receberá 100% do seguro-desemprego a que tem direito
- Empresas com receita acima de R$ 4,8 milhões ao ano terão de desembolsar uma ajuda correspondente a 30% do salário, e o trabalhador poderá acessar 70% do seguro-desemprego
- Durante o período da suspensão, o trabalhador não poderá exercer qualquer atividade na empresa