À frente da Marcopolo, uma das maiores empresas do Estado, James Bellini avalia que a crise do coronavírus representa uma "bomba atômica" para a economia. Mesmo com as dificuldades trazidas pelo problema sanitário, o CEO afirma que a montadora de ônibus de Caxias do Sul não pensa em fazer demissões neste momento. O empresário, inclusive, recomenda a outras companhias a busca por acordos com trabalhadores para preservar empregos.
Como o senhor define o atual momento na economia?
O Brasil é um país extremamente volátil quando falamos de economia. Mas agora não estamos falando apenas do Brasil. É uma crise mundial. Todos estavam trabalhando com perspectiva bem interessante para este ano. Estávamos, e ainda estamos, com carteira sólida de pedidos. Havia boas perspectivas em todos os setores. E aí, de repente, veio uma bomba atômica que nos fez parar tudo, rever tudo. Estamos ainda no escuro, vivendo um dia de cada vez. É uma situação inusitada, porém, estamos vendo algumas oportunidades para melhorar.
Quais?
Um grande exemplo é que estamos aprendendo a trabalhar de casa. Estamos aprendendo a fazer reuniões usando ferramentas de tecnologia. Isso vai ajudar muito depois da crise.
A Marcopolo anunciou férias coletivas de 20 dias para seus trabalhadores, a partir de 23 de março. Quais são as outras medidas adotadas para lidar com a crise neste momento?
Nossa primeira preocupação, ao ver o contágio aumentando muito no Brasil, foi preservar as pessoas. Temos valores claros e sólidos. Valorizamos e respeitamos as pessoas na Marcopolo. O instrumento mais fácil no primeiro momento foi dar férias coletivas.
Agora, estamos negociando com sindicatos uma possível retomada. Obviamente, dependemos de condições sanitárias favoráveis. Executivos e gestores continuam trabalhando em home office. Há pouquíssimas pessoas na empresa, somente as necessárias, tomando o máximo cuidando com higienização. Nossa preocupação maior é para que as pessoas estejam bem. Graças a Deus, não temos até agora nenhum caso confirmado de contágio na empresa.
Há registro de outra crise que pode ser comparada à turbulência atual?
Vimos várias crises. Uma delas foi em 1982, considero que foi até pior do que esta. Tínhamos problemas graves de produtos. Foi uma questão interna na época. Conseguimos superar. Em 2017, houve incêndio na nossa fábrica de plásticos. Na ocasião, houve movimento forte de mobilização das pessoas, de reconstrução. Depois, veio a greve dos caminhoneiros. Essas crises não se prolongaram muito. Isso ajudou.
A diferença da atual é que não sabemos quando vai terminar. A boa notícia é que somos uma empresa sólida, temos nível de caixa muito bom, endividamento muito baixo. Temos todas as condições para nos mantermos bem por um bom tempo, sem preocupação com maiores problemas. Obviamente, teremos impacto nos resultados e na capacidade produtiva. Teremos de reduzí-la por um bom tempo. Estamos mantendo contato diário com os clientes. Se a situação é difícil para nós, é tão ou mais difícil para eles. Buscamos mitigar ao máximo os impactos.
Esses impactos podem resultar em demissões?
Aqui não se falou ainda em demissões. Não estamos pensando nisso por enquanto, não passa pelo nosso escopo. O que estamos fazendo é o início de negociações com sindicatos, tentando juntar programas do governo que possam ajudar. A ideia é que a gente consiga flexibilizar horários e, eventualmente, redução parcial de salários, para que a gente não tenha de pensar em demissões. A questão de demitir, no nosso radar, seria a última instância, mas esperamos não ter de chegar a isso. Vamos tentar todas as outras possibilidades antes.
O que está acontecendo no sistema bancário é o que costuma acontecer em todas as crises. Os bancos se retraem, e a maior defesa deles é o aumento nas taxas. O que o governo precisa fazer é botar para funcionar os bancos estatais.
JAMES BELLINI
CEO da Marcopolo
Quais são os principais conselhos que o senhor daria para outros empresários neste momento?
A primeira coisa é enxugar custos. Isso tem de ser feito de maneira imediata e eficiente. É preciso estancar a saída de caixa, porque o faturamento caiu muito para todo mundo. A partir do momento em que o ingresso de recursos é mínimo, obviamente tem de haver compensação com gastos. Em relação a demissões, minha sugestão é procurar evitá-las, na medida do possível.
A ideia é buscar renegociações, tentar conversar com as pessoas e negociar outras questões que não sejam a de demissões. Uma coisa é certa: a crise está aí, é complicada, mas passará. A partir disso, minha expectativa é de que a retomada dos negócios seja tão forte quanto a queda. Ao analisar a repercussão de crises na bolsa de valores, você perceberá que, quando as quedas foram drásticas, as retomadas também foram fortes. É bom estar preparado e, de preferência, com sua força de trabalho preservada, porque será necessário ter bastante gente para retomar o nível normal de atividade.
As medidas anunciadas pelo Ministério da Economia são suficientes para minimizar os efeitos da paralisação causada pelo coronavírus?
Não são suficientes. O governo terá de trabalhar fortemente no pacote de medidas. Entendo que ainda estão um pouco tímidas. Mas tenho fé, acredito muito no Guedes (Paulo, ministro da Economia). Ele está super envolvido na missão de ajudar a economia a se manter. Isso vai ser muito importante, é o comandante da área econômica. Acho que virão novas coisas. Estamos acompanhando o dia a dia. O mais urgente seria o acesso a linhas de crédito de longo prazo, com boa carência, para incentivar o mercado a continuar investindo nos negócios.
Empresários têm feito queixas relacionadas ao alto nível das taxas de juro no país.
O que está acontecendo no sistema bancário é o que costuma acontecer em todas as crises. Os bancos se retraem, e a maior defesa deles é o aumento nas taxas, embutindo o risco mais elevado. O que o governo precisa fazer é botar para funcionar os bancos estatais. Em bancos do setor privado, não acredito que teremos respostas para ajudar a economia. Pelo contrário, acho que vai piorar cada vez mais. Este é o momento em que as empresas estão muito preocupadas com sua própria saúde financeira. Mas muita gente também está precisando de ajuda.
Como as empresas podem contribuir?
Acho que é nosso papel contribuir. Na sua comunidade, com a quantidade de recursos possível, o empresário tem o papel de ajudar as pessoas. Não podemos esquecer que tem muita gente perdendo emprego, tem muita gente que está ficando em casa. São profissionais liberais que não conseguem exercer suas atividades. Fizemos doações para entidades assistenciais. Uma grande preocupação nossa é contribuir para que o sistema de saúde não entre em colapso. Temos procurado doar equipamentos. Já repassamos em torno de 900 máscaras, além de óculos de proteção. Estamos criando parceria com a UCS (Universidade de Caxias do Sul) para projeto de fabricação de respiradores artificiais. Já doamos mais de duas toneladas de alimentos a entidades. Entendo que esse seja um papel importante das empresas. É parte de nossa obrigação evitar caos ainda maior.