O coronavírus turbina as incertezas na economia e desafia as decisões de empresários nos próximos meses, avalia Daniel Randon, CEO das Empresas Randon, que formam um dos principais grupos privados do Rio Grande do Sul. Na entrevista a seguir, ele menciona medidas que o conglomerado de Caxias do Sul vem tomando para enfrentar a turbulência. Com operações no país e no Exterior, as Empresas Randon somam 11,2 mil funcionários.
Como define o atual momento da economia?
Na crise, sempre falamos para ir devagar, entender o que está acontecendo. A atual está sendo diferente porque o cenário muda a cada dia. Existem ações de governos do mundo inteiro para dar liquidez à economia e buscar a reclusão das pessoas, evitando uma curva maior da epidemia. Temos fábrica na China e acompanhamos como (a pandemia) ocorreu lá, mas nunca pensamos que aqui chegará ao tamanho do que é visto nos Estados Unidos e na Europa. Todos os dias estamos olhando o cenário para tomar decisões. Os hábitos da sociedade vão mudar. Sem dúvida, é uma crise que faz rever conceitos. Temos dificuldade para prever a semana seguinte e o mês seguinte.
O que as empresas podem aprender durante a crise?
O empresário, o empreendedor, é uma pessoa que busca se reinventar. A crise faz rever conceitos de negócios. Por exemplo, estávamos com projeto piloto para trabalhar mais em home office. A crise também mostra a solidariedade das empresas. Procuramos apoiar toda a nossa rede, os nossos fornecedores. Nossa preocupação também é de como vamos voltar a trabalhar. Mesmo com decretos autorizando a volta, nossa preocupação é saber se os colaboradores estão ok, se estão com medo. Vamos isolar o grupo de risco, estamos fazendo processo para medir a temperatura dos funcionários, com centros de triagem.
Estamos buscando testes para os colaboradores. Se conseguirmos, a ideia é doar uma parte, já que está difícil trazê-los. São várias ações, que envolvem higienização, distribuição de máscaras de proteção, manutenção do maior número de trabalhadores em home office. Estamos discutindo como fazer com que o colaborador venha trabalhar e se sinta seguro. Distribuímos 50 mil frascos de álcool gel para caminhoneiros em todo o Brasil. Temos trabalhado junto à Universidade de Caxias do Sul, que está desenvolvendo respiradores mecânicos.
A prefeitura de Caxias do Sul autorizou a retomada gradual de atividades industriais, na última segunda-feira, com 25% dos funcionários nas empresas. A Randon, que deu férias coletivas em março, pretende voltar quando?
A Randon e a Marcopolo voltam no dia 13, de forma gradual. Muitos colaboradores ainda estarão em home office. A ideia é afastar da fábrica pessoas do grupo de risco. Mas, sem dúvida, acreditamos que (a atividade) tem de voltar aos poucos. Depende de cada cidade. Com as empresas paradas nas últimas semanas, fizemos nossa parte para achatar a curva. Estamos trabalhando para voltar com protocolos e cuidados.
É uma retomada gradual, importante quando falamos de economia e saúde. Governos e empresas têm de investir mais para testar as pessoas. Não dá para comparar o Brasil com Europa e Estados Unidos. Esses países têm mais condições para aportar dinheiro e manter as pessoas em casa. O Brasil tem muita informalidade. Nas empresas, quando se cria protocolos, toma-se muito mais cuidado, além de reforçar a educação para a prevenção. Temos de olhar a realidade do Estado por região. Não é meu papel entrar nisso, mas não podemos ter o mesmo remédio para todos. Minha preocupação é fazer um lockdown muito duro antes do inverno e, em vez de achatar a curva, empurrarmos ela para frente.
Como avalia as medidas anunciadas até agora pelo governo federal para atenuar os impactos da crise na economia?
O governo tem feito seu papel para manter empregos. O mercado está em processo de queda. Também há preocupação para assistir trabalhadores informais. O desafio é chegar até a ponta. Na questão da agilidade, em comparação com outros países, acho que estamos tão bem ou até melhor. Temos número de informais muito maior do que outros países.
Há ações para redução de jornada e suspensão de contratos mediante compensação do seguro-desemprego, financiamento de folha para pequenas e médias empresas, isso tudo é importante. Agora, a judicialização pode emperrar medidas na ponta. O momento é de dar as mãos. Queremos fazer o que é melhor para todos. Mas, em momentos de crise, é preciso achar meio-termo. O foco agora é fazer todas as ações para evitar a contaminação e a economia voltar, com sustento para as pessoas.
Lá na frente, de novo, o Estado terá de achar outras formas de reduzir custos e gerar receita. Uma preocupação é se as empresas e as pessoas não pagarem suas contas. Renegociar dívidas é importante. É preciso trabalhar com os bancos para fazer isso no longo prazo. Mas, se as pessoas e as empresas não pagarem suas dívidas, podem gerar colapso da economia. Você como pessoa física, como empresário, se puder pagar as contas, pague. Se precisar, renegocie. Não pagar é uma coisa, renegociar é outra. É preciso buscar alternativas para sobreviver. Não podemos aceitar calote. Na crise, o pessoal se reinventa, busca alternativas para trabalhar. É isso que precisa ser feito.
Empresários lançaram no país movimento para evitar demissões ao longo de 60 dias. Há risco de cortes na Randon?
Ainda não sabemos o tamanho do buraco em que a economia está entrando. Não temos hoje como prever. Estamos tomando todas as ações, como férias coletivas, para manter a sustentabilidade dos empregos. Vimos esse movimento de não demissões. Se estamos entrando em uma crise em que não sabemos o tamanho, prefiro dizer que vamos trabalhar e ver as ferramentas para entender o cenário.
É difícil falar que vamos manter todos os empregos, já que a queda no mercado é séria. Como vamos sustentar uma empresa no longo prazo se a receita tiver uma queda de 20%, 30% ou 50%? Não estou falando do nosso caso. Estou olhando o cenário como um todo. Nós, historicamente, tentamos ao máximo manter a sustentabilidade do emprego. A gente tem trabalhado nisso, não renovando alguns contratos de experiência e usando ferramentas como férias ou outras que o governo está propondo.
Esta crise é mais desafiadora do que as anteriores?
Acreditamos que está sendo tão desafiadora ou mais do que a anterior (2015 e 2016). Só vamos ter certeza depois. O Brasil estava indo para cenário mais positivo. O país poderia ser a bola da vez, com mais investimentos em infraestrutura, mais empregabilidade. Eu já estava projetando que teríamos apagão de mão de obra.
Quando veio o coronavírus, mudou o cenário. É uma pena, porque seria um momento importante para o país fazer as reformas que precisam ser feitas. Agora, o foco é apagar o incêndio, é salvar vidas, cuidar para o vírus não tomar velocidade que a gente não possa controlar. Infelizmente, há uma frustração muito grande.
Vamos olhar a crise para revisitar o que a empresa fez lá atrás e continuar aprimorando a governança. Vamos continuar investindo, gerando empregos, preocupados com a comunidade local e o meio ambiente. Não temos controle da crise. Vamos abrir as empresas aos poucos, acreditando que conseguiremos achatar a curva.
Apesar de a Randon ter dado férias coletivas, temos uma equipe forte para atendimento médico domiciliar. Para qualquer pessoa sintomática, temos canal 0800 com equipe de saúde, teleatendimento médico e psicológico para funcionários e dependentes. Agora, temos de tratar também o lado psicológico das pessoas. Nós, gaúchos, somos muito empreendedores. A crise vai fazer o Estado sofrer, mas podemos voltar mais fortes no futuro.