Em meio a incertezas provocadas pelo coronavírus, indústrias gaúchas retomam, aos poucos, a produção. Depois de paralisarem as atividades nas últimas semanas, grandes fábricas da Serra voltam nesta segunda-feira (13) ao trabalho. A promessa das companhias é de que o retorno gradual virá acompanhado de uma série de cuidados para evitar o contágio de funcionários.
Na região, pelo menos 12,5 mil pessoas devem voltar ao trabalho na área metalúrgica e mecânica. A estimativa é do Simecs, que representa empresas com 50 mil empregados em 17 municípios. Em Porto Alegre, no entanto, não há mudança devido a decreto municipal.
Em março, a pandemia parou a produção de 57,4% das indústrias gaúchas, aponta uma pesquisa da Fiergs. Randon e Marcopolo, de Caxias, fizeram parte do grupo que interrompeu as operações para frear o avanço do coronavírus.
Referências no ramo metalmecânico, as duas companhias deram férias coletivas de 20 dias para os funcionários. Com o fim do prazo, retomam a produção nesta segunda-feira de maneira gradual. Para isso, seguem a determinação da prefeitura de Caxias do Sul. Desde o dia 6, decreto municipal estabelece que indústrias podem operar com até 25% do quadro de trabalhadores.
Em nota, a Randon afirma que adotará ações que incluem medição da temperatura dos funcionários, montagem de postos de triagem e distribuição de máscaras protetoras. Segundo a companhia, cerca de 2,3 mil empregados voltam às atividades, espalhados em sete unidades do grupo.
A Marcopolo vai na mesma linha. Entre outras medidas, relata que terá equipe médica de plantão e diminuirá à metade a ocupação dos veículos que fazem o transporte dos funcionários. Segundo a montadora de ônibus, é aguardado o retorno de cerca de 2 mil trabalhadores em Caxias do Sul.
Enquanto parte das indústrias ensaia retomada, a maioria de lojas segue parada no Estado. Decreto do governador Eduardo Leite determinou o fechamento da maior parte do comércio até o dia 15. Mas, não proibiu atividades das fábricas, desde que fossem acompanhadas por medidas de precaução. O documento ainda abriu a possibilidade para prefeituras restringirem, de forma independente, as operações do setor, conforme a Procuradoria-Geral do Estado.
A Tramontina, outra marca nascida na Serra, também retoma nesta segunda a produção. Segundo a empresa, 5,8 mil funcionários voltam ao trabalho em Carlos Barbosa, Garibaldi e Farroupilha.
A companhia declara que adotou medidas "rigorosamente de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde". Além de reforçar a higienização, medirá a temperatura dos empregados e deixará afastados trabalhadores do grupo de risco do coronavírus, entre outras ações.
Alerta
Especialistas da área da saúde sublinham que a retomada exige precaução redobrada. O infectologista Luciano Goldani, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, ressalta que trabalhadores com sintomas como tosse, febre e dor de garganta devem contatar as empresas e permanecer em casa:
– Outra questão importante é o cuidado com a distância de dois metros entre os funcionários.
O infectologista André Luiz Machado, do Hospital Nossa Senhora da Conceição, frisa que os trabalhadores têm de intensificar práticas de higiene, como lavagem das mãos e uso de álcool gel. Aos empregadores, cabe a tarefa de fornecer a estrutura necessária para proteção, conclui o especialista:
– Não basta dar dicas aos funcionários. As empresas também têm de garantir os itens e a estrutura de higiene.
No Estado, há relatos de indústrias que pretendem esperar mais uns dias para religar as máquinas. É o caso da Mercur, de Santa Cruz do Sul, que emprega cerca de 540 pessoas. Mesmo autorizada pela prefeitura, a empresa planeja a volta só início de maio. As atividades estão interrompidas desde 23 de março.
– Optamos por manter a paralisação e preservar os colaboradores – diz Fabiane Lamaison, facilitadora de coordenação da Mercur.
Alívio passa por acesso a crédito
Desatar o nó que dificulta o acesso a crédito no país é uma das principais medidas para preservar indústrias e evitar demissões durante a crise do coronavírus, apontam economistas.
Segundo eles, a queda no faturamento causada pela pandemia força empresas a buscar financiamento para pagar despesas, incluindo salários. Por outro lado, bancos privados percebem que a crise eleva riscos e tendem a turbinar as exigências na hora de conceder empréstimos.
Em março, taxas de juro voltaram a subir no país depois de dois anos de queda, informou pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). Conforme o estudo, a alta reflete o impacto econômico provocado pelo coronavírus, que traz riscos de aumento no desemprego e quebra de negócios.
– Uma das grandes questões no Brasil é fazer o juro baixo chegar até a ponta. O momento é de muita dificuldade para a indústria. A crise chegou de surpresa – frisa o economista-chefe da Fiergs, André Nunes de Nunes.
Uma pesquisa da entidade também dá a dimensão do cenário atual. Conforme a Fiergs, 78,7% das indústrias que buscaram crédito no Estado, em março, indicaram aumento nas dificuldades para acesso a capital de giro.
A economista Maria Carolina Gullo observa que a situação abala, principalmente, as pequenas empresas. Com menor capacidade financeira para absorver choques econômicos, essas indústrias são mais pressionadas a buscar amparo para cobrir custos de operação, conclui a professora da Universidade de Caxias do Sul.
– O governo federal tem de criar mecanismos para flexibilizar o repasse de recursos, entrando como um avalista dos empréstimos nos bancos privados. A ideia é criar uma espécie de seguro, para que os bancos consigam liberar mais crédito para as empresas. Isso deveria ter sido feito para ontem – diz a economista, que também integra a Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul.
Para Maria Carolina, a retomada da produção das fábricas tem de seguir, rigorosamente, os cuidados sanitários:
– Obedecer a exigências de saúde é necessário para evitar mais uma parada ali na frente, o que seria ainda pior para as empresas.
Nas palavras de Nunes, a volta das operações encontra, neste momento, uma "gama de desafios". A paralisação de segmentos como comércio e serviços também gera reflexos na atividade industrial, pontua o economista.