Tradicional setor da economia gaúcha, a indústria calçadista não escapou dos impactos do coronavírus. Com o isolamento social imposto pela pandemia, fábricas amargaram queda no faturamento e deram início a demissões no Rio Grande do Sul. Para amenizar perdas e preservar empregos nas próximas semanas, espera-se que o governo federal acelere medidas que garantam linhas de crédito mais atrativas, destacam analistas e empresários.
A partir da segunda quinzena de março, o setor registrou em torno de 3 mil demissões no Estado, estima a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), sediada em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. No país, houve perda de cerca de 11 mil empregos, acrescenta a entidade.
— O momento é muito delicado. Estamos enfrentando o problema causado pela parada da economia — afirma o presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira. — Assim que as autoridades considerarem prudente, esperamos que a reabertura do comércio seja liberada, e a indústria volte a funcionar — completa.
Conforme a entidade, o Rio Grande do Sul segue como o principal produtor de calçados do Brasil, seguido pelo Ceará. Em dezembro do ano passado, as fábricas gaúchas empregavam em torno de 86 mil funcionários, indicam os últimos dados disponíveis.
Na visão de Ferreira, propostas anunciadas pelo governo federal, como a permissão para redução de jornada de trabalho e salários, podem gerar alívio durante a crise. O dirigente, por outro lado, lamenta que indústrias sigam com dificuldades de acesso a linhas de crédito mais baixas.
— O crédito não está chegando até as empresas na ponta — relata Ferreira.
O presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Calçado e do Vestuário do Estado, João Nadir Pires, diz que espera costurar com empresários saídas para a crise. Segundo ele, fábricas de menor porte, com capacidade financeira inferior para absorver choques econômicos, tendem a sofrer mais nos próximos meses.
— Temos de sentar com as indústrias e discutir a melhor saída, até flexibilizar jornadas e salários, mas desde que não haja demissões. É preciso ter contrapartidas. Sabemos que, nesta realidade, todos perdem. Estamos abertos para negociar e preservar empregos — comenta Pires.
Consultor na área calçadista, o economista Marcos Lélis lembra que o coronavírus chegou ao país no momento em que a linha de inverno já estava finalizada. Conforme o professor da Unisinos, os sapatos destinados à estação mais fria do ano costumam custar mais, porque são fabricados a partir de materiais como couro. Ou seja, com o problema sanitário, itens de maior valor agregado ficaram guardados nos estoques das empresas.
— Esses calçados estão parados. Neste momento, não é possível nem exportar, já que o coronavírus paralisou a economia mundial — explica Lélis.
O professor também sustenta a ideia de que o governo federal precisa intensificar ações para melhorar o acesso de empresas a crédito mais barato. Segundo o economista, há duas maneiras de tornar isso possível:
— O governo pode aumentar repasses via bancos públicos ou o Tesouro Nacional pode entrar na jogada para diminuir o juro nos bancos privados. Ou seja, na segunda possibilidade, o Tesouro seria como um avalista dos empréstimos. Se a pessoa deixa de pagar, é ele que assume.
Apoio na guerra contra o vírus
Em meio à crise na economia, indústrias calçadistas decidiram ajudar no combate ao coronavírus no Rio Grande do Sul. Uma parcela das empresas decidiu, por exemplo, produzir e doar itens de higiene nos últimos dias, sublinha a Abicalçados.
É o caso do Grupo Dass. Com operação em Ivoti, a companhia anunciou a fabricação de 35 mil máscaras de proteção e 450 jalecos, que seriam doados a hospitais e postos de saúde. Em nota, a empresa relata que a medida é uma "forma de agradecimento e contribuição" aos profissionais que atuam na linha de frente do combate à pandemia.
A Arezzo&Co, que opera em Campo Bom, também entrou na corrente. Na reta final de março, divulgou que mobilizaria fábricas e fornecedores para produção de 25 mil máscaras.
— As indústrias do setor estão desenvolvendo ações para ajudar neste momento. Muitas produziram máscaras e aventais, por exemplo — reforça o presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira.
A entidade acrescenta que fabricantes também repassaram calçados para profissionais da área da saúde no Estado.