A chuva e as limitações da rede de drenagem de Porto Alegre não estão dando trégua ao prefeito Sebastião Melo. Nesta quinta-feira (2), um dia após a posse para o segundo mandato, os alagamentos na cidade em dias de chuva forte, a falta de energia elétrica que afeta as casas de bombas e a insuficiência dos geradores predominaram na pauta.
Tudo porque no dia 1º de janeiro um temporal causou acúmulo de água em vias da região central, 4º Distrito e Zona Norte. O segundo ato da posse de Melo, que seria na Usina do Gasômetro, teve de ser cancelado porque o local estava às escuras no horário da cerimônia, às 18h, com ruas dos arredores alagadas.
Questionamentos na Câmara
Nesta quinta-feira, Melo chegou pouco depois das 14h à Câmara de Vereadores calçando uma botina levemente embarrada. Ele se reuniu, por cerca de uma hora, com pelo menos 13 vereadores, da base e da oposição, no gabinete da presidência da Casa.
O prefeito fez uma síntese dos projetos de lei de reforma administrativa que estava protocolando, os quais devem ser votados em sessão extraordinária em 6 de janeiro, e depois a palavra foi passada aos vereadores para a abordagem de temas diversos. Embora em ambiente cordial, Melo foi questionado da esquerda à direita, da base à oposição, sobre os alagamentos na cidade que causam perdas nos bairros, transtornos na mobilidade urbana e rememoram traumas da enchente de maio de 2024.
A vereadora Juliana de Souza (PT) abordou o funcionamento dos geradores nas casas de bombas, instalados para evitar que elas parem de remover a água do sistema de drenagem mesmo em caso de queda de energia. Horas antes, Bruno Vanuzzi, indicado para o cargo de diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), declarou, em entrevista à Rádio Gaúcha, que parte dos geradores não operou por falta de acionamento manual no dia 1º. A parlamentar de oposição apresentou requerimento solicitando informações sobre a limpeza da rede pluvial e de bueiros, sobretudo no bairro Sarandi.
Na sequência, o vereador Ramiro Rosário (Novo) retomou o assunto, demonstrando preocupação com os impactos dos alagamentos. Ele protocolou na Câmara a recriação da Frente Parlamentar de Monitoramento de Obras e Serviços de Macrodrenagem e do Sistema de Proteção Contra Cheias. A intenção é reunir vereadores de todos os campos políticos, demonstrando unidade em torno de um problema real, e manter reuniões periódicas com a prefeitura em busca de diagnósticos detalhados. Ramiro destacou que os vereadores são cada vez mais abordados por cidadãos e empresários preocupados com os problemas de drenagem.
— Precisamos ter informação real sobre o que está acontecendo. Queremos saber o seguinte: o que está sendo feito em curto, médio e longo prazo? — disse o parlamentar.
Melo, nas respostas, afirmou que estão sendo executadas as limpezas das redes de drenagem e obras emergenciais de recomposição do sistema de proteção de enchente, como elevação de casas de bombas e dos diques, além do processo em curso de fechamento com concreto de sete comportas que eram móveis. Contudo, voltou a afirmar que uma resolução sólida para os alagamentos depende de obras de micro e macrodrenagem que custam cerca de R$ 4,5 bilhões.
“Confusão” na liderança do Dmae
Depois da Câmara, Melo tinha reunião com Vanuzzi no Centro Administrativo Municipal (CAM). Embora já anunciado como diretor-geral do Dmae, Vanuzzi não assumiu oficialmente por recomendação do próprio Melo. Quando aceitou o convite para liderar o órgão, ele comunicou ao prefeito que tinha uma viagem familiar marcada há tempos entre 13 e 28 de janeiro. Para não sair da gestão dias após assumir, Vanuzzi ainda não tomou posse formalmente.
Com isso, segue chefiando o Dmae, ao menos na lotação do cargo, o diretor-geral Maurício Loss. Ter duas pessoas designadas para a mesma função, uma investida no cargo e outra fora dele, é uma situação que deixou Melo desconfortável, sobretudo com a ocorrência de novo episódio de alagamento. Ele pretende encaminhar uma solução, que poderá ser o anúncio de que Loss permanecerá interinamente à frente do Dmae até o retorno de Vanuzzi do compromisso particular, ou a indicação de outro diretor para este período.
— Quem sabe eu encontro uma solução, coloco um interino para responder pelo Dmae. O Maurício (Loss) é um cara espetacular. O povo acha que o Maurício não é mais (diretor-geral), mas ele é. Preciso clarear essa confusão — afirmou o prefeito.
Mais Comunidade
Pela manhã, Melo começou o segundo mandato levando o programa Mais Comunidade para a região do bairro Glória. É uma política de deslocar o governo até as periferias, ouvir demandas e articular a resolução delas. Entre 9h e meio-dia, ele circulou pela área e escutou apelos por saneamento básico, transporte público, asfaltamento e acessibilidade. Em seguida, teve um compromisso particular com o filho mais novo, João Arthur, almoçou um sanduíche e se deslocou à Câmara de Vereadores.
O prefeito também está envolvido com o término da montagem do governo. Falta indicar os titulares de estruturas importantes, como o DMLU e a EPTC, além de uma nova secretaria com a temática dos direitos humanos, que ainda terá de ser aprovada na Câmara. Nos bastidores, Melo tem se queixado da dificuldade em encontrar nomes capacitados nas indicações partidárias para a gestão de máquinas complexas, caso do DMLU.
A quinta-feira foi marcada por certa sensação de incômodo nos corredores das repartições. O Diário Oficial de Porto Alegre (DOPA) trouxe centenas de exonerações de Cargos em Comissão (CCs) no dia 1º em diversas secretarias. Uma nova publicação nesta quinta-feira tornou sem efeito parte das exonerações, mas nem todos os CCs retornaram. Melo confirmou que partiu dele a decisão de fazer a exoneração massiva como parte da formatação do novo governo.
— Todos os secretários que ficaram e vereadores eram sabedores de que nós zeraríamos o processo. A partir de hoje (quinta), vamos readmitir (parte dos exonerados) e vai ter um processo seletivo das indicações novas — declarou Melo.
Liberdade de expressão
O primeiro dia após a posse também teve questionamentos sobre a polêmica declaração de Melo na solenidade de posse na Câmara de Vereadores. Ele exaltou sua atuação em favor da democracia, mas afirmou que um parlamentar tem o direito de defender a ditadura sem ser processado. Ele reafirmou as declarações nesta quinta-feira, comentando que setores da esquerda defendem governos de caráter ditatorial em Cuba e na Venezuela. Também fez críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Observadores da política local que conhecem Melo de longa data avaliam que as declarações em momento simbólico, a posse, não são por acaso ou acidente de percurso. As leituras são de que, ao abrigar pautas da direita bolsonarista, Melo busca ocupar espaço e se projetar no cenário nacional. O objetivo não seria necessariamente eleitoral, mas de ganhar voz, assento e influência nas principais discussões do país, que afetam, ao final das contas, o que acontece nas cidades.