No encerramento do terceiro e penúltimo ano de gestão, o prefeito Sebastião Melo fez um balanço de políticas públicas que ganharam a vida real e listou demandas pendentes em Porto Alegre. Nesta entrevista, concedida no gabinete do 17º andar do Centro Administrativo Municipal Guilherme Socias Villela, no centro da Capital, Melo abordou temas como a revitalização do Centro Histórico, a assinatura de empréstimos internacionais para investir, os problemas no transporte público e as suspeitas que alcançaram a Secretaria Municipal da Educação (Smed). O prefeito evitou falar sobre reeleição, embora sua candidatura para um novo mandato seja considerada certa nos bastidores. Confira na sequência os principais trechos.
Qual o balanço que o senhor faz entre realizações e pendências?
Primeiro é a zeladoria. Os investimentos são grandes nessa área, mas também depende muito da parceria, fazer o cidadão cada vez mais ter pertencimento: separação de lixo, cuidar das calçadas, fazer o seu dever. Eu destaco o cuidado com o espaço público. Evoluiu muito. Foram mais de 400 praças recuperadas, viadutos que estavam tomados pelo tráfico ou por moradores em situação de rua e que hoje têm vida.
Em uma cidade que tem 2,8 mil quilômetros de ruas, avenidas, becos, estradas de terra, como ainda tem na Zona Sul, a gente fez muito asfalto. São mais de R$ 210 milhões. Diminuímos impostos e encurtamos prazos de licenciamento para pequenos, médios e grandes investimentos. Não diminuímos a capacidade de arrecadação, estamos pagando os funcionários em dia e chegaremos equilibrados ao final do ano.
E pendências?
Morador em situação de rua eu diria que, talvez, seja a política pública mais complicada. Tem uma população que não aceita o acolhimento. E a educação. A pandemia fez que tivéssemos mais evasão escolar e vamos chegar no final do ano com problema no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Encaramos a CPI (da Secretaria Municipal da Educação, que apurou irregularidades no armazenamento, acúmulo e compra de materiais) como uma questão de gestão que tinha problemas. Reconhecemos desde o primeiro momento os problemas de logística e gestão. Criamos um centro de distribuição, acabamos com dois depósitos, investimos um bom dinheiro para recuperar as escolas. Não é o suficiente.
Tem uma PPP (parceria público-privada) na rua que é a menina dos olhos desse processo. Vamos poder pegar o dinheiro que se gasta hoje na área pública para fazer uma empresa concessionária cuidar da escola, da goteira, do piso e do telhado. E tem o desafio da educação infantil. Colocamos dentro da rede quase quatro mil novos alunos em três anos, mas tem uma lista grande de mães e pais que precisam de creches. Temos um déficit e não tem dinheiro para tudo. O desafio número um é botar mais crianças na rede infantil.
Existe um volume considerável de financiamentos captados pela prefeitura junto a bancos internacionais para investimento a partir de 2024, confere? Qual será a prioridade?
Estamos prontos para dois empréstimos. Um é do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento, no valor de U$ 150 milhões) e outro do Banco Mundial e da Agência Francesa de Desenvolvimento (129,6 milhões de euros). Queremos assinar o mais rápido possível, mas acho que é coisa lá para março. Tem que passar pelo Tesouro Nacional e pelo Senado. Depois que o Senado aprovar, assinamos o empréstimo e começamos a gastar.
Os financiamentos enfrentam várias áreas: temas sociais, 4º Distrito, Centro Histórico, drenagem urbana. Um desses empréstimos é para pagar precatório, o que alivia o caixa do Tesouro para investir. A maioria desse dinheiro não vai ser investida no nosso governo. Vai ser para quem estiver governando a cidade a partir de 2025.
O senhor tem apostado na revitalização do Centro Histórico e na atração de moradores para a região, mas há entraves. Como avalia?
A primeira coisa que já surtiu alguns efeitos foi a mudança urbanística do Centro. Permitimos transformar uma sala comercial em um apartamento residencial. Aprovamos uma lei dando isenções para 40 atividades econômicas. Agora, a recuperação do Quadrilátero Central. Não teremos mais camelôs no Centro. Foi aprovada na Câmara uma lei que dá bolsa de qualificação para 120 vendedores ambulantes do Centro. Queremos dar uma porta de saída.
Estou disposto a revisar um valor de IPTU para o Centro, áreas comerciais e residenciais também, mas desde que envolva melhorias. Não posso propor redução de imposto e as calçadas continuarem desarranjadas, os prédios não estarem pintados. O mercado também precisa ser um pouco mais maleável. Estamos investindo entre R$ 60 milhões e R$ 70 milhões no Centro. E não está sendo suficiente. Ainda se vê muito "aluga-se" e "vende-se". Precisa ter gente morando e ter vida. Só os investimentos não estão sendo suficientes para fazer um Centro atraente.
Tramita na prefeitura um projeto da iniciativa privada para a construção de um prédio de 98 metros de altura no Centro Histórico, com potencial de fazer sombra à Catedral Metropolitana. Qual a sua posição?
O Plano Diretor, com exceção das duas mudanças urbanísticas feitas em 2021, é de 1999. As duas áreas que urbanisticamente sofreram mudanças foram o 4º Distrito, onde tem restrições fortes por causa do aeroporto, e o Centro, que permite mais altura.
Esse prédio não está licenciado. Está em fase de licenciamento. A prefeitura vai, por meio dos seus técnicos, opinar sobre isso. Quem licencia não é o prefeito. Só vou opinar depois que a prefeitura tiver um estudo. A projeção de sombreamento, até onde vi, é defendida por alguns, outros negam. Tem um achismo no meio que tem de ser analisado tecnicamente. Eu não tenho problema com alturas, desde que respeitem afastamentos, sombreamentos. No caso específico, eu defendo o Plano Diretor que propus para o Centro. Uma questão pontual precisa ser analisada pelo conjunto técnico.
Em uma parcela da sociedade, é criticada uma suposta proximidade excessiva entre o senhor e os principais empresários e construtoras da cidade. O que pensa?
Somos um governo que tem o empreendedorismo como um fator importante da cidade. Eu me relaciono com todos os setores econômicos, com as representações da sociedade civil, com as vilas populares. Não temos preferência ou discriminação por setores. A economia também passa pela construção, que segue a regra do Plano Diretor. Se licenciar mais rápido é ser próximo do empresário, eu licencio para quem vai fazer a padaria na vila e para quem faz o prédio médio, o grande e o Pontal do Estaleiro. São alcunhas que se colocam na política que eu não concordo. Nós somos amigos do empreendedor.
O modelo de concessão parcial dos serviços do Dmae à iniciativa privada está em reavaliação no BNDES por conta da diminuição da população de Porto Alegre no Censo. O senhor vai enviar esse projeto à Câmara mesmo em ano eleitoral?
A produção de água, que é vida, queremos manter na mão do poder público. E o dinheiro que advir de uma concessão (da distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto) e da outorga, colocar na drenagem urbana. Eu não vou conceder o Dmae, mesmo que parcialmente, sem passar pelo Legislativo.
Quando estávamos prontos para mandar o projeto de concessão para a Câmara de Vereadores, me pediram uma audiência, veio uma das diretoras (do BNDES) e disse que teríamos de rever (os estudos de concessão) porque tem 70 mil pessoas a menos (em Porto Alegre, de acordo com o último Censo). Ela mandou um documento, nós respondemos com uma série de informações. Em tese, o BNDES nos devolveria no final do ano. Então, neste ano não vai para a Câmara. Eu vou ter que fazer uma análise, mesmo se estiver tudo redondo, se devo submeter uma matéria de tamanha envergadura faltando três ou quatro meses para a escolha dos candidatos a prefeito. É para não contaminar o debate. Talvez não seja bom para a cidade fazer uma eleição antecipada.
A concessão da Redenção à iniciativa privada, com a ideia de construir um estacionamento subterrâneo, está sepultada? Ou pode retornar em um segundo mandato?
Está superado o assunto. Só discuto o que é desse mandato. Nem sei se vou ser candidato.
A coleta automatizada de lixo foi um grande problema em 2023. Houve época em que virou rotina ver lixo amontoado ao lado dos contêineres lotados. Por que as empresas privadas prestam serviços tão ruins no setor?
Estamos entrando em uma nova Lei de Licitação que nos dá alguns instrumentos melhores do que a lei 8.666 (antiga Lei das Licitações). Colocar na licitação só o critério de preço é das piores coisas que aconteceu na gestão pública. Essas empresas vêm para a licitação oferecendo um preço que, muitas vezes, não podem cumprir. Às vezes, dizendo ter equipamentos que não têm. Ganham a licitação e a vida do gestor vira um inferno.
Nesse caso dos contêineres, chegamos ao ponto de eu ter de escolher uma empresa. Eu escolhi essa empresa que está aí (Conesul, que assumiu a coleta automatizada em setembro de 2023 no lugar do consórcio Porto Alegre Limpa). É a última opção do gestor. Eu não podia errar a última vez. Temos um contrato emergencial, estamos na fase final da licitação, vai sair o edital. Vamos começar com um projeto piloto de ter em alguns bairros um contêiner para lixo seco e lixo orgânico no outro. Vamos fazer gradativamente. Se der certo, vamos para o segundo (bairro), terceiro, quarto. Temos 93 bairros e 19 deles têm contêineres.
A CPI da Smed, controlada pela base do governo, teve de registrar no relatório final a necessidade de investigar três itens por suspeita de direcionamento e fraude na coleta de orçamentos nas compras de livros e laboratórios, que custaram mais de R$ 43 milhões. O senhor continua achando que foi problema apenas de logística e gestão?
Quem mandou investigar primeiro foi eu. Muitas providências já tomamos. A prefeitura não é Delegacia de Polícia. A pergunta é: houve superfaturamento? Houve compras erradas? À prefeitura compete investigar os seus servidores. Os órgãos de controle todos estão investigando. Tem polícia, Tribunal de Contas, Ministério Público. Eles têm muito mais instrumentos para verificar. Já reconhecemos que logística e gestão teve problema. Ademais, não cabe à prefeitura averiguar empresários. Isso cabe aos órgãos de controle.
As compras envolveram sempre os orçamentos do mesmo grupo econômico para a comprovação de vantajosidade. Não há indício de direcionamento?
Eu não posso trabalhar com achismo. Não posso avaliar o que é técnico e jurídico. O destino do relatório de uma CPI é o Ministério Público. Se o Ministério Público achar suficiente para denunciar alguém, ele vai denunciar. Se não achar suficiente, existem instrumentos para aprofundar. Quem denuncia ou pede arquivamento é o Ministério Público.
Comparada às maiores capitais, Porto Alegre é a que permite a circulação de ônibus mais velhos, com vida útil de 14 anos. A Carris tem média de oito ônibus quebrados por dia nas ruas. A percepção é de que o transporte público está com problemas. Como avalia?
(Está) Cheio de problemas, mas alguns temas nós enfrentamos. Tiramos sete isenções, fizemos a transposição (saída) gradativa dos cobradores, colocamos dinheiro público. A passagem hoje já está em torno de R$ 6,80 a R$ 7 (tarifa técnica, que seria cobrada caso não houvesse subsídio), mas estamos com R$ 4,80 (valor cobrado do usuário). Ganhou o cidadão. As paradas novas, que já são quase 500 na cidade. E colocamos 245 ônibus (entre 2022 e 2023) com tecnologia avançada, com ar-condicionado.
Estamos aguardando duas coisas para entregar a Carris. Precisamos que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) dê o acordo, ele precisa aprovar. E, segundo, pedimos à Fepam uma licença-operação porque a empresa que comprou (Viamão, arrematadora da Carris) precisa dessa licença para adquirir ônibus. Estamos trabalhando com esses dois pilares para transferir a empresa. A Carris já está parceirizada (privatizada), eu não tenho como comprar ônibus agora. Tenho que acelerar para entregar.
A oposição discute inserir no plano de governo uma proposta sobre transporte público gratuito. A prefeitura de São Paulo começou a oferecer passe-livre aos domingos. O que pensa?
A pergunta é: os orçamentos municipais, estaduais e da União permitem uma tomada de decisão, de uma hora para a outra, sem atrapalhar outras políticas públicas? R$ 700 milhões é o custo do sistema de Porto Alegre ao ano. Eu teria condições de tirar R$ 700 milhões do orçamento? Não. São Paulo é um caso à parte, um dos maiores orçamentos (do Brasil).
Se nós não concebermos o SUS do transporte público, e a União não custear entre 60% e 70% da tarifa zero, é evidente que isso não sai da tese. Essa matéria só terá sucesso se tiver um marco regulatório nacional dizendo como vamos fazer. Ter tarifa zero com ônibus caindo aos pedaços resolve? Sem ar-condicionado? Hoje não temos tarifa zero e temos um sistema que não funciona. Esse debate, para quem vai disputar a eleição, é interessante. A questão é como financiar.
O vice-prefeito Ricardo Gomes (PL) será mantido como seu parceiro de chapa na tentativa de reeleição? Há comentários de que existe debate entre aliados sobre o perfil do vice neste novo momento eleitoral e que a vereadora Cláudia Araújo (PSD) seria uma opção.
(Melo pensa por três segundos) De eleição, não vou falar. Eu sou prefeito, tem possibilidade de reeleição, em março vou me posicionar sobre isso. Estou envolvido com a gestão. Nem sei se sou candidato, como vou discutir o vice?