Engenheiros e o diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Mauricio Loss, avaliam que o desassoreamento do Arroio Dilúvio, executado entre 2022 e 2023 por um consórcio de empresas privadas, pode ter provocado ou auxiliado o desmoronamento de seis trechos do talude e da ciclovia ao longo da Avenida Ipiranga, em Porto Alegre.
Os deslizamentos começaram em junho. Inicialmente, atingiram quatro pontos. Após a chuva intensa de setembro, dois novos locais registraram a queda da estrutura de concreto do talude, trazendo abaixo também trechos da ciclovia que fica na altura do passeio público. Em consequência, toda a extensão da pista para ciclistas está interditada pela prefeitura de Porto Alegre, como medida de segurança.
Uma das hipóteses mencionada pelos especialistas é de que o serviço de dragagem tenha retirado quantidade excessiva de sedimentos perto do bloco de granito que segura o talude por baixo. Sob o visível talude, existe uma espécie de muro de pedra que sustenta a estrutura.
— Está muito coincidente que, após o desassoreamento, houve deslizamentos. Isso indica linha de investigação para verificar se não aconteceu desestabilização da base do talude por remoção excessiva de sedimento. Se removeram o sedimento até o limite em que a pedra encontra o solo, então erodiu embaixo dessa parede e perdeu a base — avalia Fernando Dornelles, professor do Departamento de Hidromecânica e Hidrologia do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH-UFRGS).
O trabalho de dragagem é necessário para remover o excesso de sedimento, que já chegou a formar ilhas no curso no passado recente, e assegurar fluidez ao Arroio Dilúvio, cuja foz é no Guaíba. A questão é se a quantidade retirada passou ou não do nível necessário.
— Quando você retira areia, os grãos se soltam uns dos outros. Eles ficam sem aderência, sem aglutinamento. Isso traz certa instabilidade. À medida que retira material, vai desestabilizando o talude. A coesão se perde e desliza — analisa o engenheiro Flávio Presser, experiente na gestão de órgãos públicos de água e esgoto.
Diretor-geral do Dmae desde janeiro de 2023, Loss afirmou que "não descarta" a possibilidade de o serviço de desassoreamento ter contribuído para as quedas, embora dê mais ênfase a outros fatores.
O contrato para a dragagem do Arroio Dilúvio foi assinado em 22 de dezembro de 2021 entre o Dmae e o consórcio Suldrag, que reunia inicialmente as empresas Komak, Brasmac e Maraskin — esta última se retirou posteriormente da parceria.
A ordem de início dos serviços foi assinada pelo Dmae em 23 de fevereiro de 2022. Deste período até agosto de 2023, o consórcio recebeu pagamentos de R$ 12,2 milhões da prefeitura. O volume dragado foi de 140,6 mil metros cúbicos. Já o montante transportado para o destino final, após período de secagem à margem do Arroio Dilúvio, alcançou 136,9 mil metros cúbicos.
Apesar da possibilidade de a dragagem ter causado a erosão, Loss descarta a instalação de uma sindicância para apurar eventuais responsabilidades. Em referência à Brasmac, uma das empresas do consórcio, o diretor-geral foi elogioso e afirmou que o trabalho tem se mostrado "superbem".
— Não há necessidade de sindicância. O serviço foi realizado por empresa terceirizada, mas sempre com a fiscalização do Dmae. Foi montado um grupo de trabalho e estamos buscando alternativas e soluções. Queremos providenciar a contratação de uma empresa para que faça um estudo no menor tempo possível e nos aponte o diagnóstico e as soluções imediatas para que a gente consiga conter os desmoronamentos — diz Loss.
Ele destaca que está em discussão com a Procuradoria-Geral do Município (PGM) a forma de contratação da empresa de engenharia para a realização das análises. Como estão se sucedendo os deslizamentos, há o entendimento de que configura situação de emergência, o que poderia autorizar contratação sem licitação, para agilizar os trâmites. Isso ainda está em discussão jurídica na prefeitura.
— Estamos avaliando se vai ser efetiva a reconstrução nesse momento (dos que já desabaram) ou se teremos de partir para uma reconstrução mais reforçada. É o que o estudo vai apontar — afirmou Loss.
A declaração do diretor-geral, suscitando indefinição, difere da manifestação de um dos proprietários da Brasmac, do consórcio Suldrag. O engenheiro e empresário Luis Fernando Schuler disse que a Brasmac fará a reconstrução do que caiu. O pagamento ocorrerá a partir de outro contrato que a empresa mantém com o Dmae, que prevê atuação em pequenas obras.
— Não nos pediram diagnóstico (sobre o motivo das quedas), só para reconstruir — assegurou o engenheiro.
Outros fatores
Embora a dragagem possa ter contribuído para os deslizamentos, os especialistas mencionam outros fatores. Fernando Dornelles, do IPH-UFRGS, cita uma causa que corre ao longo de décadas, paulatinamente, devido ao intenso fluxo de veículos na Avenida Ipiranga.
— O solo não é totalmente estático. A carga nas vias tende a deformar o solo, que vai se propagando para as laterais — descreve Dornelles, apontando um movimento lento que empurra o talude para dentro do arroio.
O excesso de precipitações ocasionais deste inverno é outro fator a ser considerado:
— Quando chove, a água ocupa os vazios que temos na porosidade do solo. Se pegarmos um metro cúbico de solo seco, veremos que pesa menos do que um metro cúbico de solo saturado, com a porosidade preenchida por água. É uma espécie de lubrificante que muda a coesão do solo, mas a chuva não é a culpada. Esses regimes de chuva são estimados e a engenharia está aí para projetar estruturas que resistam aos fenômenos.
Para Loss, do Dmae, há outros indicativos a serem destacados. Ele diz que a ciclovia, construída sobre o talude demandou perfurações para fixar o guard rail no solo.
— São pontos grandes de penetração de água — afirma.
Ele ainda declara que o poder público "nunca" fez manutenção da ciclovia, o que ocasionou imperfeições penetráveis.
— Estamos falando de um talude da década de 1970, que nunca recebeu manutenção. É uma estrutura pesada que, após a terra estar encharcada, aumenta o peso e força aquele muro de contenção — avalia o diretor-geral.
Apesar da declaração de Loss sobre o talude "nunca" ter recebido manutenção, a própria prefeitura de Porto Alegre noticiou, em 2010, a realização de obras de recuperação das estruturas com investimento de R$ 8,49 milhões. Foram construídos equipamentos de drenagem e concretados 21 quilômetros do talude, em ambas laterais do Arroio Dilúvio.
Deslizamentos podem chegar à via de rolagem se nada for feito, diz diretor-geral
Loss revelou receio de que os deslizamentos continuem ocorrendo nos locais já deteriorados, com risco de prejudicar a Avenida Ipiranga.
— Os desmoronamentos não pararam e vamos ter ainda períodos de chuva. A gente tem medo que, daqui a pouco, possa atingir a via de rolagem. Estamos correndo contra o tempo — afirmou.
Questionado novamente sobre a hipótese, o diretor-geral do Dmae ponderou:
— A gente não pode afirmar que isso vai ocorrer. Temos uma grande plataforma no topo do talude, tem um espaço bem grande até chegar à via. Se nenhuma medida for tomada, futuramente podem prosseguir os deslizamentos e chegar na via. Mas não é o caso, estamos agindo e trabalhando muito para que não ocorra.