Desde 2013 quando foi atingido por um incêndio, o Mercado Público de Porto Alegre não é mais o mesmo. Mesmo com a retomada parcial do funcionamento, é possível perceber que existe uma espécie de compasso de espera enquanto não ingressam recursos substanciais para revitalizar a estrutura do patrimônio histórico inaugurada em 3 de outubro de 1869.
GZH caminhou pelo Mercado Público na manhã de segunda-feira (16) e conversou com mercadeiros e frequentadores. Grandes tubos com fios de energia improvisados saindo do segundo andar ainda fechado para energizar as estruturas do térreo são reflexos do incêndio de oito anos atrás que danificou os eletrodutos por onde deveriam passar. A parte superior ainda segue com as lojas fechadas, mas há circulação de pessoas pelos corredores e até fazendo refeições em mesas também improvisadas no local.
Ao caminhar pelo térreo, se percebe que a limpeza é insuficiente. O chão e as paredes sujos e encardidos saltam aos olhos. Há uma série de lajotas rachadas, algumas até com risco de queda para os frequentadores. Havia tampas de bueiro de concreto quebradas e outras de ferro, enferrujadas. Num dos pontos, uma fita zebrada e um cone em cima alertava quem estava passando pelo local para não pisar por ali.
Um dos banheiros que a reportagem entrou tinha forte cheiro de urina e fezes e parecia abandonado. Já outro estava interditado.
— Esse aqui não está funcionando, senhor. O senhor tem que ir lá do outro lado — relatava um homem que parecia ser trabalhador do Mercado.
Devido ao não funcionamento do segundo andar, as escadas rolantes estão paradas. Numa delas, um pedaço de compensado na frente sugeria que não era permitido o uso.
Mas o que mais chamou a atenção da reportagem de forma negativa foi a sujeira do teto das bancas que ficam no térreo. Ao caminhar pelo segundo andar, isso salta aos olhos, na visão de cima para baixo. É uma camada grossa de poeira na cobertura dos estabelecimentos. Por terem os tetos vazados, alguns mercadeiros improvisam lonas para evitar que essa sujeira toda caia sobre a erva mate a granel, bacalhau, frutas, entre outros alimentos vendidos de forma exposta no Mercado.
Caminhando mais pelas extremidades do local, moscas e cheiro de lixo. Na área externa, parte das paredes recebeu uma camada de tinta, melhorando a aparência do mercado.
"Quanto mais fica sem manutenção, pior será quando for fazer", diz presidente de associação
A presidente da Associação do Comércio do Mercado Público, Adriana Kauer, avalia que o diálogo com a prefeitura melhorou na gestão de Sebastião Melo. Segundo ela, o projeto de concessão do Mercado para a iniciativa privada do ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior - barrado na Justiça e posteriormente abortado pela atual administração municipal - deixou tudo em compasso de espera.
— Como a prefeitura, antes, acreditava nesse projeto de concessão, foi deixando de fazer a manutenção maior. E essa é uma estrutura antiga. Ou seja, quanto mais fica sem manutenção, pior será quando for fazer — lamenta Adriana, que também é permissionária de uma loja que vende produtos de confeitaria.
Segundo ela, há problemas na rede elétrica, que segue improvisada, e há necessidade de solucionar a questão da acessibilidade. Os banheiros, por exemplo, ficam no segundo andar e não há como cadeirantes chegarem até o local. Lembra que os restaurantes que antes funcionavam no segundo andar, seguem improvisados no térreo, numa área que era de circulação de pessoas.
— São sete restaurantes que tiveram que ir para baixo. Tem a parrilla que não foi para baixo e não está operando, mas segue. E a Casa de Pelotas, que, com tudo isso, desistiu e deixou o mercado — relata a presidente.
Adriana diz que quando há necessidade de manutenção de algo urgente, a associação mesmo faz.
— Nós temos problemas na refrigeração do Mercado. Nós temos na casa de bombas d'água, que precisa de manutenção e modernização urgente. Se parar, para tudo que é câmara fria do Mercado — alerta Adriana.
A permissionária cita ainda como mais urgentes melhorias no sistema de esgoto e em parte do telhado, que tem goteiras.
Giovane Macam é gerente do restaurante Taberna. Está há quatro anos trabalhando no local.
— Aqui a gente sente uma tristeza de atender o pessoal, porque não dá para oferecer um conforto e uma qualidade maior. É tudo improvisado, o acesso ao banheiro é limitado e é longe. Pra nós do estabelecimento fica muito chato — lamenta Macam.
O Taberna está há 20 anos no Mercado Público. Segundo o gerente, quando o restaurante foi para o andar debaixo após o incêndio, o público caiu cerca de 70%. Isso sem levar em conta a pandemia.
Claudemiro Adam é permissionário do restaurante Bar Chopp 26, que também ficava no piso superior. Diz que a pandemia e o funcionamento do estabelecimento de forma improvisada prejudicaram muito as vendas.
— A expectativa nossa é subir lá para cima, porque lá a gente tinha um número maior de mesas, mais qualidade. E aqui a gente está muito apertado e usando a metade do nosso espaço que a gente tinha — relata Adam, ao também dizer que está vendendo 30% do que vendia, também sem levar em conta a pandemia, somente o fato de estar improvisado no térreo.
— Só estamos esperando dar o amém para nós subir. Se disser hoje para a gente subir, a gente sobe — diz o permissionário.
Administrador do Mercado Público, Ronaldo Pinto Gomes diz que a gestão atual enfrentou uma dificuldade adicional que foi a pandemia. Admite os problemas e diz que a prefeitura está buscando resolvê-los.
— A visão é realmente muito feia. Mas estamos esperando a obra de revitalização — projeta Gomes.
Segundo ele, a sujeira verificada pela reportagem é resultado de um contrato com a cooperativa responsável pelo serviço que não permite determinadas ações, como, por exemplo, um trabalhador subir em escada para limpar o teto dos estabelecimentos. Diz que será feito um aditamento ao contrato para melhorar esse serviço. Mas antes disso ocorrer, pretende se reunir com a associação dos permissionários para tentar solucionar esse problema apontado pela reportagem.
Sobre o lixo, relata que o objetivo é retirar todo o resíduo de dentro do Mercado assim que recolhido para evitar moscas e mau cheiro.
— Hoje, os restos de carne e peixe ficam em sacos dentro de câmaras frias. Mesmo fechadas, acaba saindo cheiro — admite o administrador.
Em relação à acessibilidade, diz que a ideia é tentar colocar algo similar a banheiros químicos no térreo até uma solução definitiva para esse problema.
Recursos próprios do Mercado serão suficientes para manter manutenção em dia
O secretário municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos, Cezar Schirmer, diz que o compromisso da prefeitura é retomar o funcionamento do segundo andar do Mercado Público até o aniversário de 250 anos de Porto Alegre, em 26 de março de 2022.
— O estado de abandono que por muito tempo ficou, gerou consequências. Um prédio antigo se deteriora mais rapidamente que um prédio mais moderno, mais atual — pondera Schirmer.
O secretário diz que será contratada uma empresa especializada em administração condominial para gerir o dia a dia do espaço e a receita proveniente dos aluguéis será usada para manutenção e melhorias estruturais. Estão previstas, também, a substituição dos deques e a reativação do chafariz do Largo Glênio Peres.
Conforme a secretaria, após o incêndio em 2013, foram investidos no reparo do Mercado Público R$ 9 milhões do Fundo Monumenta, R$ 6 milhões do seguro e, recentemente, foi firmada parceria com a empresa Multiplan, que aportará R$ 6 milhões para melhorias. Admite, no entanto, que os recursos são insuficientes para a conclusão das intervenções necessárias na rede elétrica, telhado, esgoto, refrigeração, placa anti-chamas, banheiros, casa de máquinas, piso, entre outros. Relata que também estão previstas a recuperação dos elevadores e das escadas rolantes.
Sobre a pintura do mercado, Schirmer informa que as tintas serão doadas por uma fabricante, que já realizou as análises necessárias para quantificar e testou as tonalidades a serem utilizadas. Até o fim de setembro, será publicado o edital para a contratação de empresa especializada para a execução dos trabalhos.
Mesmo assim, como os valores aportados até o momento ainda não são suficientes, o prefeito Sebastião Melo e o secretário Cezar Schirmer entregaram, na semana passada, um ofício ao ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, que esteve em Porto Alegre, solicitando a complementação dos recursos por parte do governo federal.
O Mercado Público possui atualmente 101 permissionários, com arrecadação média de aluguel de R$ 400 mil mensais, variando de R$ 424,71 a R$ 23.542,92, a depender do tamanho da estrutura do mercadeiro. O passivo de inadimplência é de R$ 1.084.592,04, correspondentes a 33 permissionários. Esse valor não leva em consideração dívidas negociadas e não contabiliza o período da pandemia, período em que o mercado ficou fechado. O município está fazendo a cobrança por meio de dívida ativa.
Conforme a secretaria, com a revitalização projetada, a remodelação da gestão a partir de uma empresa especializada e o pagamento do passivo de inadimplência e a locação de novos espaços, o valor arrecadado hoje com aluguéis será suficiente para pagar manutenção, limpeza e segurança o mercado.