Na contabilidade oficial, a prefeitura de Porto Alegre registrou, em agosto deste ano, o melhor resultado para o período desde 2016. Apesar disso, a maior parte do saldo positivo tem destino fixo e não pode ser usada pelo Tesouro municipal, que vem conseguindo manter os compromissos em dia, mas ainda busca recursos para fechar 2020 com dinheiro em caixa e sem contas em atraso.
Para traçar o diagnóstico das finanças da Capital, GZH analisou os relatórios de execução orçamentária e de gestão fiscal do quarto bimestre de 2016 a 2020 (veja os detalhes nos gráficos abaixo). Ambos os documentos são exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Como ocorre há mais de uma década, o município segue registrando superávit orçamentário nos relatórios de agosto. Isso significa que a diferença entre as receitas realizadas e as despesas liquidadas é positiva — neste ano, o montante ficou no azul em R$ 880,88 milhões, o maior da série em análise. A cifra, contudo, deve ser vista com ressalvas. O mesmo vale para os anos anteriores.
Por questões contábeis, os sucessivos superávits são fruto da inclusão de todos os órgãos municipais nos cálculos oficiais, que apresentam resultados consolidados. Entram no cômputo, por exemplo, entes com autonomia administrativa e financeira, como o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) e o Previmpa (responsável pela previdência dos servidores).
Tanto o Dmae quanto o regime previdenciário capitalizado são superavitários e acabam puxando a soma final para cima. Na prática, o dinheiro extra é restrito a esses órgãos.
— Olhando os balanços, parece que está tudo excelente, mas não é bem assim. Ainda que tenha havido melhora nesses últimos anos, com reformas importantes, quase todo o superávit é do Previmpa e do Dmae. Os demais órgãos, como Fasc (Fundação de Assistência Social e Cidadania) e DMLU (Departamento Municipal de Limpeza Urbana), são deficitários e, nesses casos, o Tesouro municipal é obrigado a cobrir os déficits — ressalta o economista Darcy Carvalho dos Santos, que é servidor aposentado da Secretaria Estadual da Fazenda e autor de um estudo sobre as contas de Porto Alegre.
Até agosto, dos R$ 880,88 milhões de superávit, R$ 257 milhões eram do regime capitalizado do Previmpa, R$ 101 milhões pertenciam ao Dmae e outros R$ 274 milhões eram de recursos vinculados (isto é, com destino obrigatório). Restavam R$ 248 milhões para uso do Tesouro.
Parte disso deve-se à atualização da planta de valores do IPTU em 2019 e a mudanças que atingiram o funcionalismo — entre elas, a elevação das alíquotas de contribuição previdenciária, a redução das promoções automáticas, o fim dos adicionais por tempo de serviço e a restrição à incorporação de gratificações, aprovados em 2017 e 2019.
Ainda que essas medidas tenham ajudado a regularizar as contas (como os salários dos servidores, que chegaram a sofrer atrasos em 2017 e 2018), não há garantia de que a próxima gestão assuma o Paço com superávit efetivo em caixa. Como a economia segue patinando, o socorro federal devido à pandemia chegou ao fim e a maior parte da arrecadação se concentra nos primeiros meses do ano, a tendência é de que o resultado piore até dezembro, a menos que haja antecipação do IPTU, por exemplo.
Outro indicativo de obstáculos pela frente é o saldo negativo quando se compara as receitas com as despesas empenhadas (aquelas cujo valor é reservado no orçamento para compromissos futuros, que podem ou não se realizar). Nesse caso, há déficit de R$ 257 milhões.
Secretária municipal da Fazenda, Liziane Baum reconhece as dificuldades, mas destaca as melhorias estruturais e garante que fornecedores e salários estão em dia, assim como todas as obrigações legais.
— Ainda há um cenário que precisa de atenção, mas estamos conjugando esforços para pagar o 13º na data prevista (20 de dezembro) e para fechar as contas com suficiência financeira — diz Liziane.
Em 2021, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada na última quarta-feira (7) na Câmara de Vereadores, prevê equilíbrio entre receitas e despesas. Para que isso se concretize, avalia Santos, a próxima administração terá de enfrentar alguns desafios (veja a seguir) e torcer pela retomada da economia.
— Se não houver crescimento econômico, fica mais difícil — resume Santos.
Dois principais desafios no horizonte
Quem subir os degraus do Paço Municipal de Porto Alegre em janeiro de 2021 terá ao menos dois desafios financeiros prementes. Um deles envolve as mudanças no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que entram em vigor em janeiro. O outro, o déficit previdenciário no regime de repartição simples dos servidores.
— Independentemente de quem assumir a prefeitura, esses serão motivos de preocupação. No caso da educação, será necessário aplicar cerca de R$ 290 milhões a mais para cumprir a exigência constitucional — alerta o economista Leonardo Busatto, que é servidor da Secretaria Estadual da Fazenda, onde atua, e foi secretário da Fazenda na Capital.
De acordo com as novas regras da emenda constitucional que tornou permanente o Fundeb, os gastos com professores inativos não poderão mais ser contabilizados como despesas em manutenção e desenvolvimento do ensino. Como a Constituição exige que ao menos 25% da receita de impostos seja destinada à área, os gestores terão de buscar soluções. Em Porto Alegre, os R$ 290 milhões a mais equivalem a 29,9% do valor aplicado em 2019.
— Essa bomba está armada e terá de ser desativada. A outra bomba é o rombo na Previdência — diz Darcy Carvalho dos Santos, especialista em finanças públicas.
Mesmo com o aumento das alíquotas de contribuição dos servidores de 11% para 14% em 2019, o antigo plano previdenciário do funcionalismo segue registrando déficits e exigindo aportes crescentes do Tesouro municipal. Por ano, a insuficiência chega a R$ 1 bilhão no regime de repartição simples (apenas o regime capitalizado é superavitário). Esse dinheiro deixa de ser usado em áreas essenciais, como saúde e educação.
Para piorar, deve haver aumento de 13% nas despesas com inativos em 2021, em razão da aposentadoria de 1,3 mil servidores, o que representará comprometimento fiscal de mais R$ 191,6 milhões em benefícios previdenciários.
Situação das contas
Análise
Os sucessivos superávits (quando a diferença entre receitas e despesas é positiva) devem ser vistos com ressalvas. São resultados consolidados, incluindo todos os órgãos do município, mesmo os que têm autonomia administrativa e financeira, como o Dmae, cujos resultados se revertem em investimentos na própria autarquia, e o Previmpa (Previdência Municipal), cujo superávit no plano capitalizado é reserva financeira para pagamento dos futuros benefícios. Nessa conta também entram os recursos vinculados (com destino obrigatório).
Quanto desse dinheiro fica com o Tesouro municipal
Dos R$ 880,88 milhões de superávit até agosto de 2020, R$ 257 milhões são do Previmpa (regime capitalizado), R$ 101 milhões do Dmae e R$ 274 milhões são de recursos vinculados, restando R$ 248 milhões ao Tesouro municipal, considerando despesas liquidadas (já comprometidas). Se observarmos as despesas empenhadas (reservadas no orçamento para futuros compromissos), o resultado é deficitário em R$ 257 milhões. Mesmo que não sejam líquidas e certas, indicam um resultado potencial.
Antes da pandemia, a previsão da Fazenda era de resultado positivo de R$ 20 milhões no Tesouro. Agora, não há garantia disso, pois o contexto é de crise e há sazonalidade na receita do município, que se concentra mais no início do ano. A menos que ocorra a antecipação do IPTU, por exemplo, a tendência é de que a situação piore a partir do último trimestre, em especial em dezembro, com o pagamento do 13º salário, com custo total de R$ 215 milhões.
Análise
A queda no ISS e no ITBI em 2020 reflete a crise econômica. Já o avanço do IPTU é resultado da atualização na planta de valores aprovada em 2019, com transição de oito anos. Os efeitos são graduais e serão sentidos com maior intensidade na próxima gestão.
Como evoluíram os principais gastos
Análise
Após alta em 2017, reflexo de reajustes dados no ano anterior, os valores vêm caindo e estão abaixo do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, com o melhor resultado desde 2016. Isso se deve a reformas estruturais realizadas entre 2017 e 2019.
Análise
O avanço deve-se à ampliação de gastos devido à pandemia, mas também à decisão da atual gestão de priorizar parcerias com Organizações Sociais de serviços públicos, como a contratualização de hospitais para administrar postos de saúde. Isso se intensificou a partir de 2019, quando a situação financeira melhorou.
Análise
Apesar de o aumento registrado em 2020 indicar retomada após queda em 2017, 2018 e 2019, a capacidade de investimento da prefeitura em obras e outras melhorias segue baixa. O valor representa 2,3% da receita realizada. Em Florianópolis, no mesmo período, o percentual foi de 7,9%.
Análise
O custo caiu em 2019 devido à quitação de dívidas, como o contrato da construção da Perimetral ao final de 2018. Em 2020, houve queda nos pagamentos pela adesão à lei federal que autorizou a suspensão desses compromissos durante a pandemia.
O endividamento
Até agosto de 2020, a dívida representava 9,6% da receita corrente líquida. Esse percentual vem diminuindo nos últimos anos. O limite máximo permitido é de 120%, ou seja, ainda há bastante margem para financiamentos.
Análise
Há dois planos previdenciários na prefeitura, sendo que o mais antigo, de repartição simples, registra déficit (em dezembro de 2019, chegou a R$ 1,043 bilhão). Ou seja: as receitas são insuficientes para pagar os benefícios, obrigando a prefeitura a cobrir a diferença com recursos que poderiam ser usados em outras áreas, como saúde e educação. Em 2019, o Executivo elevou as alíquotas de 11% para 14%, mas o desequilíbrio persiste.
Obrigações constitucionais
Análise
O percentual mínimo exigido por lei é de 15%. Embora, na prática, os gastos com saúde tenham aumentado devido à pandemia, os valores não entram nesse cálculo, porque foram transferidos pela União via Fundo Municipal de Saúde.
Análise
A queda registrada em 2020 tem relação com a paralisação das aulas na rede municipal. Quando forem retomadas, as despesas tendem a crescer. Até o final do ano, por lei, a prefeitura é obrigada a aplicar 25% em manutenção e desenvolvimento do ensino. Nos percentuais acima, está contabilizado o gasto com servidores aposentados.