A prefeitura de Porto Alegre lançou na manhã desta sexta-feira (3), em videoconferência, o edital de concessão à iniciativa privada do trecho 1 da orla do Guaíba e do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, o Harmonia. O tempo de concessão será de 35 anos, e o investidor que vencer a concorrência terá de administrar os dois espaços de forma concomitante.
O edital prevê investimentos de R$ 57 milhões no Harmonia ao longo de três anos de obras. O principal objetivo da concessão, informou a prefeitura, é alavancar o desenvolvimento e a ocupação do parque, que nos dias atuais têm funcionamento vívido em setembro, com o Acampamento Farroupilha, e no restante do ano enfrenta situação de desuso.
Estão previstos investimentos em banheiros, passeios públicos, melhoria de equipamentos — como a Casa do Gaúcho e o Galpão Crioulo — e criação de um novo espaço de valorização da história gaúcha. O edital determina ainda a realização mínima anual de três eventos obrigatórios: o Acampamento Farroupilha, o Acampamento Indígena e o Rodeio de Porto Alegre, para os quais o administrador privado terá de assegurar a infraestrutura.
Secretário de Parcerias Estratégicas, Thiago Ribeiro diz que o objetivo é preservar o vínculo do Harmonia com a tradição e o folclore gaúcho.
— Nossa ideia não é que grandes shows de rock ocorram lá, não seria o viés tradicional do parque — avaliou.
Orla não poderá receber cercamento, diz secretário
O Harmonia manterá a característica de cercamento, com quatro acessos previstos, e funcionamento mínimo ao público das 6h30min às 20h. Ribeiro assegura, contudo, que a lógica de cercamento e de definição de horário para frequentadores não se aplica ao trecho 1 da Orla, que se manterá aberto.
— Não se mostra razoável (o cercamento), a Orla se manterá aberta — disse o secretário.
O dia para recebimento de propostas de consórcios e investidores interessados é 31 de agosto. Apesar da pandemia do coronavírus, que pode deixar investidores mais conservadores, Ribeiro diz estar confiante e afirma que pelo menos 10 grupos empresariais demonstraram interesse no empreendimento, em rodadas de conversas pré-lançamento do edital.
Vencerá a concorrência quem oferecer o maior valor de outorga fixa, a ser paga ao município à vista — o mínimo aceitável foi definido em R$ 200 mil. Também é previsto que o investidor pague outorga variável de 1,5% sobre o faturamento ao longo do contrato.
Conforme apresentação da Secretaria de Parcerias Estratégicas, as receitas dos dois parques são estimadas em R$ 17,3 milhões ao ano, sem contar adicionais a serem criadas a partir de eventos e novidades trazidas pela futura gestora privada. A taxa interna de retorno (TIR), que remunera o concessionário, é de 9,1%, diz o município.
A prefeitura assegura que o parceiro privado não poderá cobrar ingressos para a entrada nos dois parques. A remuneração deverá ser obtida a partir de atrações extras, que poderão ter cobrança de valores dos usuários, busca de patrocínios e realização de eventos.
— Todas as pessoas terão entrada gratuita. Na legislação de concessão de parques e praças, vedamos qualquer tipo de discriminação — disse Ribeiro.
Atuais permissionários terão transição de quatro anos na Orla
No trecho 1 da Orla, construído com recursos públicos e já consolidado como novo cartão postal da cidade, tendo permissionários atuando nos bares e no restaurante panorâmico, a tarefa do administrador privado será a manutenção.
Os estabelecimentos comerciais que funcionam atualmente na Orla têm termos de uso assinados com a prefeitura para a exploração dos pontos, pelos quais pagaram valores de outorga no passado.
No edital de concessão, é previsto que os comércios já existentes terão período de transição de quatro anos para permanecerem de portas abertas no local. Depois disso, renovações de contrato deverão ser negociadas diretamente entre os permissionários e o gestor privado.
Ribeiro comentou sobre a conveniência de envolver na concessão um empreendimento como o trecho 1 da Orla, construído com recursos públicos, e que se tornou sucesso absoluto entre os porto-alegrenses. Nos 35 anos de concessão, por já estar pronta, não irá demandar investimentos vultosos, os quais serão concentrados para alavancar o Harmonia.
— Vou dar um exemplo de melhoramento possível para que algo que já é bom se transforme em ótimo. Hoje, os banheiros públicos do trecho 1 da Orla estão na parte interna dos bares (com permissão de cobrança para uso). Dentro do nosso processo, esses banheiros passam, de fato, a serem públicos. Eles se tornarão acessíveis à população e a concessionária terá responsabilidade de operação e manutenção desses banheiros — afirmou.
Ribeiro ainda destacou que os gastos de manutenção da Orla são cobertos atualmente pela Uber, que assinou um termo de adoção anual do espaço.
— Se a empresa entra numa situação financeira mais difícil e decide descontinuar esse termo de adoção, a prefeitura recebe de volta um encargo operacional que ela não consegue cobrir com recursos próprios. Poderia ocorrer a situação de o trecho 1 ficar relativamente descoberto em termos de preservação. Passando isso ao concessionário, ele assume total responsabilidade pelos 35 anos — disse o secretário.
Durante a videoconferência, foi citada a hipótese de a estátua do Laçador ser transferida da Zona Norte para os arredores ou para o interior do Harmonia, embora isso não seja uma obrigatoriedade prevista no edital.
O anúncio contou com a condução do prefeito Nelson Marchezan. Também participaram Fernando Pieroni, diretor-presidente do Instituto Semeia, e Cláudia Valenzuela, do Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (Unops), entidades que estão auxiliando a prefeitura na elaboração de editais para a concessão de espaços públicos.
O edital será publicado ainda nesta sexta-feira no Diário Oficial de Porto Alegre.
Avaliações
O ex-prefeito José Fortunati, que buscou financiamento e chamou o arquiteto Jaime Lerner para projetar o trecho 1 da Orla, encerrando seu mandato em dezembro de 2016 com as obras próximas da conclusão, se mostrou favorável à concessão. Ressalvou, contudo, que precisa estudar detalhes do edital antes de opinião definitiva.
— Em tese, sou a favor. O espaço público sendo adotado de forma transparente, sem obstruir a circulação de pessoas, sem impedimento do usufruto total, me faz ser favorável. Se o pressuposto é esse, sou a favor — avaliou Fortunati.
Análise mais cautelosa veio do vereador de oposição Roberto Robaina (PSOL).
— O desafio é manter a condição pública do local, são sempre os mesmos nós. Os parques públicos são conquistas da cidade. E o governo Marchezan tem revelado como marca a privatização daquilo que é público, gerando exclusão — pontuou o parlamentar.