Com um breve e surpreendente e-mail, a empresa Grow – responsável pelas patinetes Grin e pelas bicicletas Yellow – despediu-se na quarta-feira (22) de Porto Alegre e de outras 13 cidades. Manteve operações apenas em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. No Rio Grande do Sul, Torres também deixou de contar com as patinetes elétricas menos de um mês depois do início das operações, em 29 de dezembro. GaúchaZH consultou especialistas e listou sete explicações para o final do serviço, que foi da febre à extinção em 11 meses. Encontrou motivos que se complementam, como um modelo de negócios inviável e uma proposta de mobilidade ainda incompatível às cidades em que operava.
1. Infraestrutura urbana precária
Em grandes metrópoles, a patinete exerce um papel na mobilidade urbana na chamada "última milha": ou seja, da casa do usuário até o ponto de transporte público. Porém, nas metrópoles brasileiras esse é justamente o trajeto mais acidentado, em razão das calçadas estreitas, em más-condições e ausência de ciclovias. O urbanista Anthony Ling, em maio de 2019, apontava esse problema em entrevista a GaúchaZH. Nesta semana, viu confirmadas as expectativas.
– A opção por se manter nessas cidades (São Paulo, Rio e Curitiba) me parece ser um teste se a empresa se sustenta em regiões mais adensadas, com deslocamentos menores e com mais infraestrutura. Ainda assim, acredito que será difícil. O aluguel de bicicletas, que é um equipamento que está aí há mais de século, mais barato e mais adaptado às nossas cidades, já enfrenta dificuldades. Imagina algo caro como patinete – compara Ling.
2. Divergências internas
O conflito entre apostar mais em patinetes ou em bicicletas nas metrópoles brasileiras também se dava dentro da Grow, segundo reportagem do Estado de S.Paulo. A Grow surgiu da fusão entre a empresa mexicana Grin com a brasileira Yellow, e teria pesado mais o desejo da mexicana em expandir a oferta de patinetes em detrimento da bicicleta, expertise da Yellow, fundada por um ex-presidente da Caloi.
Ao longo de 2019, os principais nomes da Yellow se afastaram da empresa. Outra questão deveria ser o início das operações de uma fábrica da empresa na Zona Franca de Manaus, o que terminou não se confirmando. Assim, a matéria-prima das patinetes continuou vindo do Exterior, o que manteve a operação cara.
3. Manutenção cara
No mercado de veículos elétricos há 15 anos, Fernanda Vargas, gerente da Mauro Eletrobike, aponta fragilidades do modelo de patinete da Grow. Em sites como Mercado Livre, similares importados são vendidos por R$ 1,8 mil. Um valor nem tão salgado, não fossem os problemas posteriores à compra.
– Não tem amortecedor dianteiro, então pode quebrar ao descer cordões de calçada. Além disso, ela resiste à água só até certo ponto: uma chuva muito forte pode inutilizar o motor. Tudo isso com peças importadas. Some a isso à falta de cuidado das pessoas e ao vandalismo... – calcula Fernanda.
Segundo a profissional, o modelo ainda era passível de ser furtado e "hackeado", para funcionar ao menos até que a bateria se esgotasse. A interessados em investir em uma patinete particular, Fernanda aconselha um modelo nacional, que sai por pelo menos R$ 5 mil, mas é mais robusto e tem reposição de peças mais barata e veloz.
4. Passeios salgados
O alto custo de manutenção e operação – que incluía, ainda, um pequeno exército de terceirizados autônomos, os "chargers", para recolher, recarregar e distribuir as patinetes – refletia-se no bolso dos usuários.
Um passeio de patinete era uma experiência divertida, porém salgada. Uma volta de apenas 10 minutos saía por R$ 8 (R$ 3 para desbloquear a patinete e R$ 0,50 por minuto). A título de comparação, em uma corrida por aplicativo sem tarifa dinâmica, é possível percorrer de carro mais de 3,5 quilômetros pelo mesmo valor. Aproximadamente da foz do Arroio Dilúvio até a Avenida Silva Só.
As bicicletas da Yellow eram mais baratas (R$ 2 por 20 minutos), mas concorriam com o modelo por assinatura do BikePoa. Em São Paulo, desde dezembro a Grin oferece pacotes de assinatura, de R$ 15 mensais, que isentam os usuários da taxa inicial de desbloqueio, ideal para estimular o uso frequente da patinete em pequenos deslocamentos. Foi a única cidade a testar o modelo.
5. Possibilidade de acidentes
Não foram raros os casos de acidentes com patinetes, seja em Porto Alegre ou em outras cidades. Por imprudência dos usuários ou por más-condições das calçadas, os casos se proliferam conforme o equipamento – que circulava a até 20 km/h – virou febre.
Não há uma contabilidade oficial, mas reportagem de GaúchaZH de abril estimou cerca de 10 casos de lesões por semana em prontos-socorros particulares da Capital.
Os casos frequentes, que incluíam ainda atropelamentos e tropeços de pedestres nos equipamentos, levaram prefeituras e Câmaras Municipais pelo país a tentar regulamentar o uso do equipamento, com medidas como a exigência de capacete ou a proibição de circular em calçadas, o que dificultava ainda mais a operação.
6. Insegurança jurídica
Com cada cidade regulamentando a circulação das patinetes a sua maneira, criou-se insegurança jurídica e rusgas com prefeituras. Parte em razão da estratégia da empresa, de dar início às operações ignorando regramentos locais. A Grow também nunca foi transparente com seus dados, divulgando números de usuários, equipamentos, viagens, acidentes ou danos apenas conforme a sua conveniência.
Em Porto Alegre, a regulamentação das patinetes veio por decreto do prefeito Nelson Marchezan, de 23 de setembro de 2019. A norma é bastante amena, restringindo a circulação em vias compartilhadas com veículos automotores e prevendo medidas como "realização de programas direcionados a comunidades de baixa renda". Mesmo assim, a Grow deixou a Capital sem sequer se registrar junto ao município. Em Florianópolis, a prefeitura planeja edital para que outras empresas ofereçam o serviço.
7. Modelo de negócio questionável
Porto Alegre ainda contará com uma empresa de aluguel de patinetes, a FlipOn, que opera exclusivamente na Orla do Guaíba, das 8h às 21h. Mas somente em março, tendo em vista que a empresa e seus 30 equipamentos se mudaram para Capão da Canoa durante o veraneio.
A aposta em circuitos mais turísticos do que de fato na mobilidade urbana é uma das diferenças entre a Grow e a Adventure, startup por trás das patinetes da FlipOn.
– Eles (Grow) apostaram em inundar a cidade de patinetes, em uma operação de 24 horas para acostumar as pessoas com a ideia. É ousado, mas acho que foi um equívoco. Nós preferimos que gostem e nos peçam mais do que temos a oferecer do que ter equipamentos de sobra – compara Jeferson Rebelo, um dos sócios da Adventure.
O empresário, todavia, vê boa chance de retorno da patinete como veículo de mobilidade urbana em Porto Alegre. Sem a concorrência dos Grin, ele mesmo considera uma expansão. Por isso, a empresa é a primeira e até única a se registrar junto à EPTC. Conta com um modelo de patinete mais robusto, com amortecedor, e um plano de negócios mais cauteloso.
– O que mais falta para vingar é estrutura e educação das pessoas. Isso só vem com o tempo – avalia.