Rejeitado por 22 votos a seis em 2018, o projeto que corta gratificações e avanços salariais dos servidores públicos de Porto Alegre foi aprovado por 24 votos a 12 nesta terça-feira (25), pouco mais de oito meses depois de um dos revezes mais emblemáticos na Câmara Municipal da gestão Nelson Marchezan. A articulação que quadruplicou o número de vereadores favoráveis à proposta e garantiu a vitória do Executivo foi resultado da organização de diversas frentes de trabalho, que passaram pela ampliação da base aliada, negociações de cargos e mobilização de técnicos. Também foi decisiva a mudança de postura do prefeito, que cessou ataques públicos aos parlamentares.
– É outro momento político, mais harmônico. A Câmara amadureceu, e o prefeito também amadureceu em relação à Câmara. Também procuramos explicar a importância de cada projeto e mostrar o quanto eram importantes para Porto Alegre. Foi um trabalho de muito diálogo – diz o líder do governo na Câmara, Mauro Pinheiro (Rede).
Depois de quase dois anos de relação conturbada, marcada por atritos e críticas públicas a vereadores, Nelson Marchezan passou a adotar comportamento mais ameno nas redes sociais. Ele arrefeceu o tom a que se referia aos parlamentares em entrevistas e discursos.
Para o vereador da Rede, que assumiu a liderança do governo na Casa em novembro passado, o fim do período eleitoral também colaborou para que parlamentares que se eximiram da discussão em 2018 votassem pela aprovação do projeto.
O trabalho de pré-votação inaugurou, ainda, um tipo de articulação incomum em outras matérias. Uma equipe de mais de 10 técnicos da prefeitura fez visitas à Casa e ficou à disposição para prestar esclarecimentos aos vereadores em relação à proposta – parlamentares também procuraram as secretarias para se informar sobre os cálculos. Titular de uma das pastas mais técnicas do governo, o secretário da Fazenda Leonardo Busatto esteve na Câmara por diversas vezes para conversar sobre o assunto.
Na avaliação da oposição, a ampliação da base aliada de Marchezan foi o que mais pesou na virada de votos. Neste ano, o contingente de parlamentares que dão suporte ao governo saltou de 11 para 17. Depois, ainda recebeu o reforço do DEM, fechando em 20 o número de vereadores fiéis ao governo e superando o patamar de 19 votos – correspondente ao mínimo necessário para aprovar projetos de lei complementar.
Maior bancada da casa, com cinco parlamentares, o MDB ingressou no governo no fim do ano passado e mostrou-se fiel. Enquanto na primeira votação André Carús e Mendes Ribeiro, únicos dois vereadores do partido que apreciaram a proposta, foram contrários, nesta semana, toda a bancada defendeu as mudanças.
– O principal fiador da recomposição é o MDB. Se ele não tivesse entrado no governo, teria sido diferente. A bancada dos pastores (PRB) também pesou. Teve uma emenda aprovada e seguiu a linha do governo – observa Marcelo Sgarbossa (PT).
Líder do MDB na Casa, Idenir Cecchim diz que a mudança de postura de alguns colegas se deveu à retirada de um dos pontos polêmicos do projeto anterior, relativo aos regimes especiais de trabalho. Segundo ele, o item estava em uma lista de exigências do partido para ingressar na base aliada.
– Fizemos um documento quando entramos na base pedindo algumas coisas, que o Executivo cumpriu. Isso facilitou para a bancada. Temos essa tradição de ajudar a governar, independentemente de partido – destacou.
A aprovação das alterações no plano de carreira do funcionalismo municipal se deu com cinco votos a mais do que o mínimo necessário, de 19 votos. Além da adesão de vereadores que mudaram de opinião, o resultado contou com um empurrãozinho de parlamentares que tiveram atritos com Marchezan no ano passado, como Cláudio Janta (SD), ex-líder do governo, que soube da destituição pela imprensa.
Para além da campanha de esclarecimento e da aproximação com os vereadores, uma distribuição de cargos em comissão teria acompanhado as negociações na Câmara. Uma fonte interna da Casa disse que somam dezenas as nomeações de pessoas vinculadas a vereadores nos últimos meses – algumas delas, funcionárias dos parlamentares quando eles estavam em cargos de liderança.
Além disso, indicações também teriam sido negociadas para atrair outros partidos para a base aliada, nem sempre com sucesso. Segundo João Bosco Vaz (PDT), a pasta do Desenvolvimento Social, assumida pela emedebista Comandante Nádia no começo do ano, teria sido oferecida a ele em troca do apoio dos pedetistas.
– Me ofereceram cargo. Fui convidado para ser secretário no fim do ano passado. Isso é normal, todos os prefeitos fazem. Tem gente que aceita e gente que não. Não aceitei por convicção, porque temos opiniões diferentes sobre algumas pautas – diz.
Para o prefeito Nelson Marchezan, essa é uma pauta "manjada". Segundo ele, o assunto sempre volta após uma votação, independentemente de quem saia vencedor do pleito.
– Após qualquer votação importante, o governo vai ser acusado pela oposição ou de não ter articulação política e diálogo, e por isso perdeu, ou, quando ganha, de comprar os votos com cargos ou benesses. Alguém consegue apontar no governo um nicho de incompetência ou corrupção? O preenchimento dos cargos em comissão e por servidores em espaço de direção tem um processo seletivo inédito. Então, eu tenho muita tranquilidade – diz o prefeito.
Segundo o líder do governo, Mauro Pinheiro, vereadores de partidos da base aliada costumam realizar indicações políticas. Ele diz, no entanto, que a movimentação não tem relação com a votação, e reforça que nomes indicados pelos parlamentares passam pela avaliação do Banco de Talentos da prefeitura.
Marchezan diz que novas regras irão valorizar os "mais comprometidos"
Em evento do Pacto Alegre na manhã desta terça-feira (26), o prefeito Nelson Marchezan disse que o projeto aprovado na Câmara traz maior valorização a servidores "mais comprometidos".
– Uma senhora me disse no Parque da Redenção: "Prefeito, estão falando que você vai mexer no meu salário, mas nunca faltei ao trabalho em 35 anos". Eu respondi: "Essa reforma é para a senhora ser mais valorizada do que aquele servidor que faltou a vários dias ou fraudou o ponto". Além da questão financeira, que é importantíssima, a perspectiva de valorizar servidores mais comprometidos também é essencial.
Marchezan ainda avaliou que neste momento há tanto na Capital quanto no restante do país consenso de que é necessário equilíbrio aos cofres públicos. Para o prefeito, esse ambiente ajudou no avanço do projeto aprovado pela Câmara.
A prefeitura divulgou a seguinte nota sobre a declaração de João Bosco Vaz:
"Em relação à nota publicada na edição de ZH desta quarta-feira, 27, a prefeitura esclarece que, sem nenhum desmerecimento ao vereador, se alguém o convidou para algum cargo na prefeitura, essa pessoa não estava autorizada pelo governo ou pelo líder do governo. Temos muito orgulho da forma que escolhemos a nossa equipe, de forma profissional, por meio do Banco de Talentos."