Terceira colocada no ranking do Produto Interno Bruto (PIB) e de população entre os municípios gaúchos, Canoas é uma potência afetada pela instabilidade política e por crises crônicas na gestão da saúde e das finanças.
Expoente da indústria, o município da Região Metropolitana, com 347,6 mil habitantes, receberá a maior fatia (6,1%) do rateio do bolo do ICMS em 2024, à frente de Porto Alegre (5,9%) e Caxias do Sul (4%). O Estado divide 25% do montante do imposto com as prefeituras, e Canoas está no topo da lista. Isso é, em significativa parte, reflexo da operação da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap).
Apesar das credenciais, o município passa, na avaliação de lideranças locais, pela maior crise político-institucional de sua história de 85 anos de emancipação. Desde 1º de janeiro de 2021, já foram nada menos do que seis atos de posse de prefeito, com revezamento entre o titular, Jairo Jorge (PSD), sacado duas vezes do mandato por determinações da Justiça estadual e federal, o vice Nedy Vargas (PP) e o presidente da Câmara de Vereadores, Cris Moraes (PV).
Os afastamentos de Jairo, que somaram um ano e quatro meses, foram em decorrência da Operação Copa Livre, que apura suspeitas de corrupção em contratos de serviços de limpeza e copeiragem. Nesses períodos, Nedy governou quase a totalidade do tempo. Moraes ficou no cargo pouco mais de 20 dias.
Eleitos juntos em 2020, Jairo e Nedy estão rompidos e, a cada afastamento, foram modificadas equipes inteiras do primeiro, segundo e até terceiro escalões.
As idas e vindas levaram a prejuízos na gestão e perdas de oportunidades.
– No PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), Canoas captou R$ 16 milhões. São Leopoldo ganhou R$ 40 milhões. Tenho certeza de que, se eu estivesse aqui, teria ido inúmeras vezes a Brasília e conseguido mais recursos. Isso não volta mais – diz Jairo.
Para o vice Nedy, o vaivém em um curto período de tempo atinge a população que necessita de serviços.
– Tu trocas todo o secretariado de uma prefeitura como Canoas. As assessorias, os adjuntos, os diretores. Isso porque as pessoas da confiança de um não são as da confiança do outro. Até que elas peguem o embalo da administração, compromissos ficam para trás em razão da falta de continuidade. Essa turbulência é inédita – admite Nedy.
No dia 2 de abril, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou o retorno de Jairo à prefeitura. O entendimento foi de que não há elementos que sustentem o risco de manutenção de atividades supostamente ilícitas, além da observação da soberania popular. As denúncias ainda não foram “sequer recebidas” pela Justiça Federal, destacou o STJ.
Foi a terceira posse dele neste mandato. Uma situação que causou divisionismo generalizado no município.
– Entre os próprios servidores, existiu disputa política e gerou descontentamento. Isso acaba impactando no serviço público – avalia Teresinha Antqueviezc, presidente do Sindicato dos Municipários de Canoas (Simca).
Os impactos da crise
Projetos ficaram pelo caminho
Representantes da sociedade civil são unânimes ao apontar perdas de oportunidades pela instabilidade em Canoas. Segundo a presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Canoas (CICS Canoas), Shirley Fernandes, três grandes propostas levadas à prefeitura ficaram pelo caminho, incluindo um programa de incentivo fiscal para proprietários de imóveis às margens da BR-116 e um plano de reestruturação do Centro.
A terceira sugestão envolvia o Parque Canoas de Inovação (PCI). É um polo tecnológico de cerca de 250 hectares para a instalação de até 90 empresas, com política de incentivos fiscais, mas apenas três negócios estão atuando no local.
- Tivemos mais empresas a ponto de se instalar no PCI, mas desistiram pela instabilidade política e econômica. Foram para outras cidades - destaca Shirley.
Recursos foram perdidos
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Canoas e Nova Santa Rita (Stimmmec), Paulo Chitolina, diz que a instabilidade atrapalhou a criação de câmara temática que planejaria a busca de recursos do programa Nova Indústria Brasil, lançado pelo governo federal com promessa de investimento de R$ 300 bilhões em financiamentos até 2026.
A intenção era reunir universidades, entidades patronais e sindicais para discutir a elaboração técnica de projetos de captação, sobretudo para pequenas e médias empresas, e debater contrapartidas das indústrias que acessarem o crédito.
Chitolina conta ter recebido o sinal positivo de Jairo Jorge em novembro de 2021. O combinado era que o sindicalista iria atrás dos nomes dos integrantes da câmara e o prefeito, posteriormente, publicaria um decreto para oficializar. Desde que começaram os revezamentos na prefeitura, o processo já foi refeito três vezes.
– Troca todo mundo, ninguém mais sabe onde estão as documentações. Vai ser a quarta vez que vou falar com as entidades para ver se topam participar. Vai tirando credibilidade. Canoas está perdendo (empresas) para Nova Santa Rita – avalia.
Orçamento tem rombo de R$ 444 milhões
As finanças e a saúde pública estão em crise em Canoas, mas a avaliação geral é de que são temas estruturais e afetam igualmente outras cidades, embora o vaivém na prefeitura atrapalhe.
Em 2023, a prefeitura aprovou, na Câmara, o orçamento de 2024, de R$ 2,7 bilhões, com projeção de déficit de R$ 444 milhões. Apesar de Canoas ter, em 2024, a maior parcela (6,1%) de participação no ICMS entre todos os municípios, Jairo afirma que a fatia deveria ser ainda maior, entre 6,6% e 6,7%.
É a maior crise de Canoas de todos os tempos. A pergunta que fica: como o terceiro maior PIB do Estado chegou a esse caos?
SHIRLEY FERNANDES
Presidente da CICS Canoas
Para ele, a desoneração dos combustíveis feita em 2022, pelo então presidente Jair Bolsonaro, pegou Canoas em cheio, com perdas de cerca de R$ 180 milhões naquele ano. E, segundo, pesou a adoção do Índice Municipal da Educação do RS, em 2024, como critério para a distribuição de parte do ICMS.
– A questão política não é a principal. Não podemos esquecer que temos uma refinaria aqui. A desoneração foi fatal para nós – diz Jairo.
Apesar das justificativas conjunturais, a gestão não escapa da crítica.
– É a maior crise de Canoas de todos os tempos. A pergunta que fica: como o terceiro maior PIB do Estado chegou a esse caos? – questiona Shirley Fernandes, presidente da CICS.
Hospitais e UPAs superlotados
Na saúde, foram registrados problemas de gestão e superlotação em hospitais e unidades de pronto atendimento (UPAs). Duas das principais instituições, o Hospital Universitário e o Hospital Nossa Senhora das Graças, estão sob intervenção municipal por problemas de gestão de terceirizadas.
Existe uma avaliação de que, também na saúde, o problema é estrutural e envolve o subfinanciamento. A tabela do SUS é historicamente defasada e o programa estadual Assistir, que mudou critérios de remuneração, reduziu os repasses para alguns dos principais hospitais da região.
– A cada troca entre Jairo e Nedy, eles mudam a gestão (dos hospitais). Isso está aumentando o passivo porque existem pendências com as verbas rescisórias – alerta Julio Cesar Jesien, presidente do Sindisaúde-RS.
O desenrolar da crise
1º de janeiro de 2021
Eleito para o terceiro mandato (os anteriores foram de 2009 a 2016), Jairo Jorge é empossado prefeito, com Nedy Vargas de vice.
31 de março de 2022
Por decisão do Tribunal de Justiça do RS, Jairo é afastado por 180 dias em decorrência da Operação Copa Livre, do Ministério Público. Nedy torna-se prefeito em exercício.
26 de setembro de 2022
TJ-RS prorroga o afastamento de Jairo por mais 180 dias.
28 de março de 2023
Dias após a investigação ser federalizada, prazo de afastamento de Jairo se encerra, sem nova determinação judicial. Com isso, ele volta ao cargo.
23 de novembro de 2023
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) afasta Jairo novamente da prefeitura. Nedy estava hospitalizado e quem assume o Executivo é o presidente da Câmara de Vereadores, Cris Moraes, no dia 24.
19 de dezembro de 2023
Recuperado de cirurgia cardíaca, Nedy assume pela segunda vez a prefeitura de Canoas de forma interina.
2 de abril de 2024
Sem avanços no processo, Superior Tribunal de Justiça (STJ) autoriza Jairo a retornar ao comando da prefeitura. É a segunda volta dele ao poder e a terceira posse do prefeito eleito dentro do mesmo mandato, situação sem precedentes no município.
Presente e futuro
De volta à cadeira de prefeito há menos de um mês, Jairo Jorge afirma que está focado em reduzir o déficit das contas, ampliar o atendimento e os testes rápidos nas UPAs para dar conta da demanda causada pela dengue e incrementar a oferta de merenda escolar na periferia. Uma força-tarefa de recolhimento de entulhos das ruas está em andamento.
Para o futuro, a avaliação de lideranças é de que, apesar da crise persistente, Canoas demonstra resiliência com o desenvolvimento do bairro Marechal Rondon, onde está a aquecida operação do ParkShopping. Uma das apostas do empresariado, caso investimentos sejam feitos, é o Parque Canoas de Inovação (PCI). Vice-presidente de Inovação da CICS Canoas, Régis Haubert diz que o parque tem potencial para gerar mais de 10 mil empregos diretos e acrescentar 20% ao PIB do município. Isso levaria a cidade, avalia Haubert, ao patamar de “polo de tecnologia e inovação”.