Exatos 13 meses após a depredação das sedes dos três poderes, em Brasília, a Polícia Federal (PF) deflagrou nesta quinta-feira (8) a maior investida contra supostos articuladores dos atos antidemocráticos que culminaram nas invasões do 8 de Janeiro. Batizada de Tempus Veritatis — Tempo da Verdade —, a operação mirou o presidente Jair Bolsonaro e alguns dos seus mais influentes auxiliares. Foram cumpridos quatro ordens de prisão e 33 mandados de busca e apreensão.
A ofensiva da PF aponta a existência de uma organização criminosa gestada no núcleo do governo Bolsonaro para tentar um golpe de Estado, com “abolição violenta do Estado democrático de direito". Entre os alvos, estão 16 militares, incluindo um almirante e quatro generais de quatro estrelas, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, integrantes do chamado “gabinete do ódio” e até um padre. Bolsonaro teve o passaporte apreendido e está proibido de deixar o país, bem como de manter contato com os demais investigados.
Com 135 páginas, a decisão do ministro Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes traz detalhes de como o grupo teria espionado autoridades, mobilizado tropas de elite e tentado cooptar a cúpula das Forças Armadas, ao mesmo tempo em que espalharia desinformação e organizaria protestos de rua.
“A representação contempla vasto relato de complexa e coordenada atuação de organização criminosa, direcionada a propósito que inviabilizaria a manutenção do arranjo político do país, por meio da adoção de medidas que estipulavam estratégias de subversão da ordem jurídico-constitucional e adoção de medidas extremas que culminaram na decretação de um golpe de Estado, tudo a fim de assegurar a permanência no poder do então presidente Jair Messias Bolsonaro”, escreve Moraes no despacho.
A investigação é amparada na delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o coronel do Exército Mauro Cid, em conversas extraídas de aplicativos de mensagens e até mesmo em um vídeo de uma reunião em que Bolsonaro discute com militares formas de questionar a legalidade do processo eleitoral.
Neste vídeo, apreendido no computador de Cid e gravado durante reunião realizada em 5 de julho de 2022, o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, defende intervenção antes das eleições presidenciais.
— Se tiver de dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver de virar a mesa é antes das eleições — afirma Heleno.
Conforme a PF, a organização criminosa era dividida em seis eixos. Seus integrantes atuariam de forma coordenada para, entre as funções, atacar o sistema eleitoral, incitar militares à insurreição, fornecer subsídio jurídico ao golpe e montar aparato paralelo de inteligência.
No núcleo jurídico, foi redigida a minuta de decreto com o qual Bolsonaro pretenderia dar contornos legais ao golpe. A versão inicial do texto, segundo a PF, previa a prisão de Moraes, do também ministro do STF Gilmar Mendes e do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco. Após ler o documento, Bolsonaro teria pedido a exclusão das prisões de Gilmar e Pacheco.
“Após a apresentação da nova minuta modificada, Jair Bolsonaro teria concordado com os termos ajustados e convocado uma reunião com os comandantes das Forças Militares para apresentar a minuta e pressioná-los a aderirem ao Golpe de Estado”, reproduz Moraes.
O ministro decretou a prisão preventiva (sem prazo de soltura) de um dos supostos redatores do texto, o ex-assessor especial de Bolsonaro Filipe Martins. Também foi determinada a prisão de três militares: Marcelo Câmara, coronel da reserva do Exército, Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército, e Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército e único que permanece livre pois está em viagem aos Estados Unidos.
Valdemar Costa Neto foi preso em flagrante por posse ilegal de arma. Com eles os agentes também encontraram uma pepita de ouro, pesando 39,18 gramas e 95,26% de grau de pureza.
Apesar do esforço para encontrar falhas nas urnas eletrônicas, os militares admitiam que o grupo não encontrou fraudes no sistema eleitoral. Em uma conversa mantida em outubro de 2022, o coronel coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros desabafa com Mauro Cid:
“Espero que saibam o que estão fazendo", diz o coronel.
"Eu tb...senão estou preso”, responde Cid, que seria efetivamente preso em maio do ano passado.