
Na última semana, duas decisões impactaram o andamento da ação penal relacionada à tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, na qual também é réu o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). A Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira (7), a suspensão do processo contra Ramagem, alegando que algumas das acusações se referem a fatos ocorridos após sua diplomação, mas o Supremo Tribunal Federal (STF), já na sexta-feira (9), formou maioria para derrubar a decisão da Câmara, mantendo três das cinco acusações contra o deputado. Esta decisão deverá ser objeto de recurso, provocado pelo PL ou pela própria Câmara, e, caso isso ocorra, o julgamento final da matéria ainda ficará sob responsabilidade do STF.
A suspensão do processo contra Ramagem por parte da Câmara ocorreu com base no terceiro parágrafo do artigo 53 da Constituição Federal, que trata da imunidade parlamentar e prevê que cabe à Casa onde o político ocupa cadeira decidir sobre a paralisação ou prosseguimento de ação penal contra ele. O próprio parágrafo do artigo, contudo, expressa que seus preceitos valem para "crime ocorrido após a diplomação".
— Especificamente, a nossa Constituição define que a Câmara tem o poder de barrar até o final do mandato a investigação de um crime cometido por um parlamentar. A questão é que o STF argumenta que parte desses crimes de que o Ramagem é acusado foram cometidos antes da diplomação, e que portanto a Câmara não tem competência para barrar a ação em relação a essas acusações — afirma o cientista político e professor da ESPM-Sul, Ricardo Leães.
O deputado Alexandre Ramagem é acusado de cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Destas acusações, somente as duas últimas teriam ocorrido após a diplomação de Ramagem como deputado. Com base nisso, o STF, em decisão tomada por unanimidade pela Primeira Turma do Tribunal, derrubou a suspensão do processo aprovada pela Câmara, determinando que o deputado continuaria a responder normalmente pelos outros três crimes: tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa, relacionadas a fatos ocorridos antes de Ramagem ser diplomado.
— A Constituição é muito clara, essa possibilidade de a Câmara sustar uma ação penal contra um parlamentar só pode ocorrer em relação a fatos ocorridos após a diplomação deste parlamentar. Foi exatamente isso que o Supremo verificou em sua decisão, entendendo que a Câmara exorbitou seus poderes quando aprovou a suspensão total do processo — explica o advogado criminalista e professor de Direito Penal da PUCRS, Marcelo Peruchin.
A decisão proferida pela Primeira Turma do STF poderá ser objeto de recurso. O PL, partido de Ramagem, espera que o próprio presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ingresse com o recurso em nome da Câmara.
— Como a decisão foi proferida por uma turma, é possível a interposição de um recurso, levando a decisão para o Plenário. Nesse caso, votam os 11 ministros, e uma maioria simples define. Depois da decisão do Plenário não cabe outro recurso, e a Câmara e os partidos precisarão acatar a definição. A decisão final sobre essa questão será do STF — complementa Peruchin.
Decisão afeta apenas Ramagem, entende STF
Os postulados do artigo 53 da Constituição Federal, utilizado para embasar a decisão da Câmara para suspender o andamento da ação penal, se referem apenas a deputados e senadores. Desta forma, o entendimento do STF também é expresso no sentido de que a suspensão da tramitação das acusações de dano qualificado e deterioração de patrimônio se refere apenas a Alexandre Ramagem, e não aos outros réus da ação, pertencentes ao chamado "núcleo crucial" da trama golpista, de acordo com a Procuradoria-Geral da República.
"A Resolução nº 18 de 2025 da Câmara dos Deputados é inaplicável em relação aos corréus Almir Garnier Santos, Anderson Gustavo Torres, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, Jair Messias Bolsonaro, Mauro César Barbosa Cid, Paulo Sério Nogueira de Oliveira e Walter Souza Braga Netto, nos termos do §3º do artigo 53 da Constituição Federal, devendo a ação penal prosseguir integralmente em relação a todos os crimes constantes na decisão de recebimento da denúncia", afirmou o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, em seu voto.
Em ofício enviado à Câmara, o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF, já havia comunicado que a suspensão só poderia valer para as acusações sobre Alexandre Ramagem, e apenas para os crimes cometidos após a diplomação como deputado eleito, em dezembro de 2022. O processo criminal foi instaurado inicialmente em 11 de abril, mas ainda não tem previsão para ter o mérito julgado.
— Em resumo, a decisão do STF disse que, para o Ramagem, ficam sustadas as duas acusações sobre fatos anteriores à sua diplomação, e as outras três seguem; para os outros sete réus, seguem todas as acusações, pois o artigo 53 da Constituição não os abrange — reforça Marcelo Peruchin.
Entenda o caso
Em 11 de abril, o STF instaurou a ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem e mais seis acusados de planejar um golpe de Estado em 2022. O grupo faz parte do núcleo 1 da ação, considerado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como "crucial" para o plano.
Na quarta-feira passada (7), a Câmara dos Deputados, com 315 votos a favor, 143 contrários e quatro abstenções, aprovou internamente a suspensão da ação. A medida foi baseada no artigo 53 da Constituição Federal, que dá poderes à Câmara e ao Senado de sustar ações penais contra seus membros, em casos de "crime ocorrido após a diplomação".
Já na sexta-feira (9), a Primeira Turma do STF formou maioria para derrubar a suspensão da ação, aprovada na Câmara. A decisão do STF, que no sábado (10) se tornou unânime, definiu a suspensão de apenas duas das acusações contra Ramagem, mantendo as outras três acusações contra o parlamentar e a ação de forma integral contra os outros réus.
A decisão do STF, que se sobrepõe à aprovação da suspensão na Câmara, ainda poderá ser objeto de recurso. Nesse caso, a decisão final sobre a matéria será tomada pelo Plenário do Supremo.
O julgamento do mérito da ação penal que tem Ramagem, Bolsonaro e outros seis réus, que definirá se os acusados são culpados das acusações, ainda não tem data marcada.