Vencido o período de recesso parlamentar, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul volta ao trabalho nesta quinta-feira (1º) sob expectativa da instalação de uma CPI e com alguns projetos remanescentes de 2023 para colocar em votação. Além disso, a tentativa de reverter o corte de incentivos fiscais promovido pelo governador Eduardo Leite promete mobilizar deputados da base aliada e da oposição.
Na retomada do ano legislativo, a discussão de propostas em plenário tende a ser ofuscada pela iminente criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação da RGE e da CEEE Equatorial. As distribuidoras de energia elétrica foram alvo de intensas reclamações de clientes em razão da demora para o retorno da luz após o temporal do dia 16 de janeiro.
Proposta por Miguel Rossetto (PT), a comissão já obteve 18 assinaturas entre deputados de PT, PCdoB, PSOL, PL e Republicanos, uma a menos do que o mínimo necessário para tirá-la do papel. O governador já se manifestou contra a criação da CPI, e o Piratini trabalha nos bastidores para evitar que o requerimento receba a subscrição derradeira.
Como alternativa à CPI, governistas acenam com a criação de uma comissão externa da Assembleia para apurar os problemas e convocar os diretores das concessionárias para prestar esclarecimentos.
Outro tema ao qual os deputados pretendem se dedicar é o corte de benefícios fiscais de 64 setores econômicos e da cesta básica promovido pelo governador no final do ano passado. Caracterizada como "plano B" ao aumento da alíquota do ICMS, para a qual o governo não obteve apoio, a medida terá os efeitos aplicados plenamente a partir de abril.
A tesoura nos incentivos é alvo de reclamação entre entidades empresariais e deputados da base e da oposição. Parlamentares do PT e do PL chegaram a apresentar requerimentos para sustar os decretos de Leite, mas o governo diz que a iniciativa não teria valor legal. Ainda assim, haverá pressão para que o governador reverta ou ao menos atenue o conteúdo.
Em plenário, a pauta tende a ser escassa nas primeiras sessões do ano, sem projetos estruturantes que dependam de estudos mais aprofundados por parte das bancadas.
Uma das propostas remanescentes de 2023 e que deve ser rediscutida é a que cria taxas para a utilização das faixas de domínio de rodovias estaduais e federais no Estado, que serão pagas por comerciantes que atuam à beira das estradas. Se aprovada, a proposta também daria ao Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) poder para aplicar penalidades a quem utilizar o espaço irregularmente.
No ano passado, diante da pressão dos deputados refratários à criação das taxas, o governo se viu obrigado retirar a urgência do projeto.
Os deputados também devem votar a proposta de emenda à Constituição (PEC) que incentiva a municipalização do Ensino Fundamental. Por ter tramitação mais lenta, a PEC não pôde ser apreciada junto de outros projetos do pacote relacionado à educação aprovado em 2023, e Leite já pediu aos aliados que aprovem o texto neste ano.
Embora ainda não tenham chegado ao Legislativo, outros dois projetos de lei já anunciados pelo governador contarão com o esforço do Piratini para avançar, ambos relacionados às consequências do temporal de janeiro.
Um deles é o fortalecimento da Agergs, agência reguladora estadual responsável por fiscalizar serviços públicos operados por empresas privadas, como a distribuição de energia e de água. O outro visa criar regras para a arborização dos municípios para reduzir danos na rede elétrica em futuras tempestades.
Atenção à irrigação
Pelo segundo ano consecutivo, a Assembleia será presidida por um deputado da base do governo. Adolfo Brito (PP), que toma posse nesta quarta-feira (31), substitui Vilmar Zanchin (MDB) no comando da Casa. Com oito mandatos na Assembleia e ligado à agricultura, Brito já anunciou que terá a irrigação como principal bandeira à frente do Legislativo.
Apesar disso, não está nos planos dele levar à votação em breve o projeto que autoriza a construção de açudes e barragens em áreas de preservação permanente (APPs), que esteve em vias de ser apreciado no final do ano, mas acabou retirado de pauta.
O novo presidente da Assembleia diz que deseja conduzir uma discussão ampla reunindo o governo estadual, Ministério Público, Emater e outra entidades relacionadas ao tema e conduzindo debates no Interior. O objetivo, segundo ele, é elaborar uma proposta que se transforme em política de Estado para o armazenamento de água e a piscicultura.
— O projeto, como está, não teria a abrangência que a gente deseja. Queremos trabalhar com os demais deputados, porque é uma questão que a Assembleia vai propor para o Rio Grande do Sul. Ninguém quer agredir o meio ambiente, pelo contrário, quer usá-lo da melhor maneira possível — afirma Brito.
Foco do governo
Líder do governo na Assembleia, o deputado Frederico Antunes (PP) ressalta que um dos nortes da gestão estadual segue sendo a manutenção do equilíbrio fiscal, que possibilita ampliar os investimentos em diferentes setores. Ainda assim, não descarta alterações nos decretos que suprimiram benefícios fiscais.
— Não acho impossível, desde que consigamos, com diálogo, encontrar instrumentos e demonstrações de que isso não atrapalhe o fluxo necessário para continuarmos fazendo os investimentos que o Estado precisa — explica.
Em relação à criação da CPI, o deputado pondera que o governo já está atuando na cobrança às distribuidoras de energia e às agências reguladoras para garantir a melhoria do serviço.
Foco da oposição
Líder do PT, maior bancada da oposição ao governo, Luiz Fernando Mainardi diz que o foco do grupo no início do ano legislativo é a criação da CPI para investigar as distribuidoras de energia.
— A sociedade clama por isso, nunca tivemos tanta exigência para cumprir com nossa responsabilidade de fiscalizar esses serviços — diz o deputado.
Segundo ele, outro tema no qual a bancada centrará esforços é a rediscussão do regime de recuperação fiscal (RRF), acordo para o pagamento da dívida com a União. No momento, o governo estadual negocia um ajuste nos termos do pacto com a Secretaria do Tesouro Nacional.
Temas em debate
O que dominará as discussões da Assembleia no início do ano legislativo:
CPI da Energia - investigação sobre a atuação da CEEE Equatorial e RGE, concessionárias que distribuem energia no Rio Grande do Sul. Já foram arregimentadas 18 assinaturas no requerimento da CPI. Para a abertura de investigação, são necessárias 19. Governo tenta evitar CPI e acena com medidas alternativas.
Incentivos fiscais - sem força para aprovar o aumento na alíquota de IMCS, Eduardo Leite publicou cinco decretos cortando incentivos fiscais, como forma de ampliar a arrecadação do Estado. Os cortes atingem 64 setores econômicos e itens cesta básica, e entram em vigor a partir de abril. Deputados tentarão convencer Leite a atenuar impacto dos cortes.
Taxas do Daer - cria taxas que variam de R$ 777 a R$ 3,8 mil para a exploração de áreas comerciais nas áreas laterais de rodovias. Hoje, o Daer não tem instrumento legal para fiscalizar esses espaços. Também estipula penalidades para o uso irregular das faixas de domínio.
PEC da Educação - remanescente do pacote aprovado no ano passado para melhorar o ensino, proposta estimula a municipalização do Ensino Fundamental. Por mudar a Constituição, precisa de ao menos 33 votos entre os 55 deputados, em dois turnos.
Fortalecimento da Agergs - governo deve apresentar nas próximas semanas proposta que amplia a estrutura da agência responsável por fiscalizar concessões públicas, como de energia, água e estradas. A previsão é de praticamente dobrar o efetivo do órgão.
Podas de árvores - outra proposta que ainda será protocolada, ditará parâmetros para a arborização nos municípios, a fim de mitigar danos na rede elétrica em eventos climáticos.