A tentativa frustrada de aumento do ICMS deixou fissuras na base de sustentação do governo Eduardo Leite e entre os articuladores políticos do Piratini. Obrigado a retirar o projeto após constatar que jamais construiu maioria para aprovação do texto, mesmo estando à frente de um consórcio com 33 dos 55 parlamentares, Leite agora analisa com cuidado as defecções, em especial no PP e no Republicanos.
Não há ressentimento nem revanchismo no horizonte do governador. Como não tem projetos polêmicos ou que necessitem grande mobilização política na agenda legislativa para 2024, Leite será pragmático na relação com a Assembleia. No vídeo em que anunciou a retirada do projeto, o tucano foi cuidadoso ao evitar culpar os deputados pelo malogro.
Leite, todavia, deve diminuir o protagonismo dos aliados que se recusaram a apoiar a proposta. Pedidos de obras em redutos eleitorais e participações de destaque em inaugurações ou anúncios festivos devem ser limitadas aos mais fiéis. O próprio recuo teve o objetivo de não expor os deputados que votariam a favor, evitando prejuízos eleitorais a quem se manteve leal mesmo diante da certeza da derrota.
O descontentamento do Piratini está concentrado sobretudo em dois partidos: o PP e o Republicanos. Maior partido da base, o PP tem sete deputados e inúmeros cargos no governo, mas só garantiu três votos favoráveis ao aumento do ICMS.
Nos bastidores, há especial irritação com a postura do líder da bancada, Guilherme Pasin. O desconforto é maior porque Pasin não se limitou a declarar voto contrário, mas teria feito campanha para derrubar a medida. Na visão do Piratini, a iniciativa ajudou a cristalizar a oposição de outros dois deputados do partido, Marcus Vinícius e Joel Wilhelm.
Outro fator considerado é a presença assídua de Pasin no Palácio Piratini, encaminhando demandas e levando empresários da Serra para encontros com Leite ou secretários. Pasin inclusive havia sido convidado para assumir a Secretaria do Turismo e estava com a nomeação encaminhada antes da apresentação do projeto de lei. Ele chegou a ser cobrado publicamente em plenário nesta terça-feira (19) pelo deputado Pedro Pereira (PSDB), mas evitou responder.
No Republicanos, o incômodo se deve pela recente adesão ao governo. Quando negociou o ingresso do partido na base, Leite já esperava contar com parte dos cinco votos da bancada ao projeto do ICMS. Nomeado para o primeiro escalão, o deputado federal Carlos Gomes, presidente da legenda no Estado, escolheu a pasta que queria dirigir (Habitação), obrigando o governador a fazer um rearranjo no mapa do governo.
Quando começaram as discussões em torno do ICMS, dois deputados acenaram voto favorável e um terceiro disse que se ausentaria do plenário, evitando votar contra. Na véspera da data da votação, porém, os cinco anunciaram oposição à medida.
Além das reclamações direcionadas à base, o Piratini também faz um mea culpa. Há quem aponte erros de condução do chefe da Casa Civil, Artur Lemos, e do próprio governador. Interlocutores dizem que Leite teria dado relevância demasiada aos informes da Receita Estadual sobre os riscos de perda de arrecadação, antes mesmo da conclusão da reforma tributária no Congresso.
Supostamente refém de uma visão tecnicista, o governador teria ignorado a dificuldade legislativa e o desgaste político acarretados por um aumento de impostos, mesmo depois de ter sua única derrota no primeiro mandato justamente ao tentar fazer mudanças na matriz tributária do Estado.
Já Lemos teria subestimado o risco de uma derrota e sobretudo o poder de persuasão das federações empresariais. O pouco tempo entre a apresentação do quadro fiscal do Estado e da intenção de aumentar a alíquota, anunciada em 14 de novembro, e a votação, prevista para esta terça-feira (19), também teria colaborado para o insucesso da iniciativa. Com mais tempo para debate e uma negociação prévia com setores empresariais e até mesmo a oposição, avaliam deputados governistas, talvez fosse possível criar um ambiente mais favorável à aprovação.
No Piratini houve um entendimento contrário. Como o regimento interno da Assembleia impede a votação de um projeto antes do prazo mínimo de 30 dias, foi justamente esse período dilatado que permitiu a articulação dos movimentos contra o aumento.
Para 2024, o Piratini pretende reconstruir as pontes com a Assembleia e as federações empresariais, à medida que vai analisando o comportamento da arrecadação. O fluxo de caixa irá ditar a regulamentação dos decretos de cortes de benefícios fiscais, com possibilidade de recuo caso haja avanço das receitas.