Há dois anos e seis meses sob controle do Grupo Equatorial, a CEEE vive sua pior crise de imagem. As queixas à atuação da empresa se acentuaram após a lentidão na resposta ao temporal que deixou 1,3 milhão de imóveis sem energia na noite de terça-feira (16) - sendo 600 mil na área da CEEE Equatorial -, colocando a maior distribuidora do Rio Grande do Sul no centro de um cerco político e jurídico. Enquanto o Ministério Público (MP) e a Defensoria Pública ameaçam com ações judiciais, duas CPIs para investigar a operação da companhia estão sendo gestadas, uma na Assembleia Legislativa e outra na Câmara de Vereadores de Porto Alegre.
A cobrança mais incisiva partiu do procurador-geral de Justiça, Alexandre Saltz. Em três horas de reunião com a direção da CEEE na quinta-feira (18), o chefe do MP interrompeu várias vezes a apresentação feita pelo presidente da companhia, Riberto Barbanera.
— Em um Estado polarizado como o nosso, seja na política e no futebol, vocês conseguiram a proeza de unir os gaúchos em um sentimento de ódio contra a empresa — disse Saltz.
Acompanhado de um gerente jurídico e de um responsável técnico, Barbanera prometeu soluções de curto prazo. Na próxima segunda-feira, o MP deve entrar com uma ação de reparação por danos morais difusos.
Outro objetivo da ação será garantir a indenização dos consumidores individualmente atingidos. Há 14 inquéritos e ao menos duas ações judiciais contra a CEEE.
— É preciso melhorar os planos de contingência para que haja um atendimento mais imediato à população, para que as pessoas não fiquem dias sem energia elétrica, com comida apodrecendo dentro das geladeiras. Há prejuízo de pessoas físicas, mas também de pessoas jurídicas, negócios estão fechados — disse o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor de Porto Alegre, Luciano Brasil.
Enquanto o grupo conversava na sala de reuniões do MP, cerca de 100 mil clientes ainda estavam sem luz na Capital e, nos prédios vizinhos, servidores do Tribunal de Justiça eram liberados do trabalho em função das constantes quedas de energia durante o dia.
Em outro flanco, a defensoria deu prazo de cinco dias para a CEEE Equatorial informar as medidas adotadas para mitigar os efeitos da tempestade, em comparação com a resposta dada em eventos climáticos anteriores. Para o defensor público Rafael Magagnin, do Núcleo de Defesa do Consumidor, a companhia precisa sobretudo melhorar o atendimento no momento em que o cliente notifica falta de luz.
— Nos últimos meses piorou bastante. O que mais chega é reclamação de que não se consegue falar com a empresa. Já fizemos centenas de intermediações e temos vários processos individuais contra eles — diz Magagnin.
Em um Estado polarizado como o nosso, seja na política e no futebol, vocês (CEEE Equatorial) conseguiram a proeza de unir os gaúchos em um sentimento de ódio contra a empresa.
ALEXANDRE SALTZ
Procurador-geral de Justiça
A despeito da sensação de piora na qualidade dos serviços, em termos técnicos a performance da CEEE melhorou. A frequência com que há interrupções no fornecimento de energia caiu 30% desde que a Equatorial assumiu as operações e está próxima do patamar exigido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Já a demora na religação diminuiu 15,5%. Mesmo assim, esse tempo está 75% acima do fixado pela agência.
Com esses índices, a CEEE continua no último lugar do ranking de eficiência da Aneel. Logo acima da companhia gaúcha, outras duas distribuidoras de energia da Equatorial (de Goiás e do Maranhão) ocupam a tríade das piores concessionárias do país.
Como a velocidade de melhoria dos indicadores da CEEE é lenta, no ritmo atual as metas estabelecidas pela Aneel só seriam alcançadas em 2036, 10 anos depois do prazo estabelecido pela agência. Essa demora pode levar à abertura de um processo de caducidade da concessão, tendo como consequência a substituição da empresa.
Ex-diretor geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico e presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata afirma que é comum essa lentidão na melhora dos indicadores nos primeiros anos de concessão e que a qualidade em geral melhora em uma segunda etapa. O especialista, porém, cobra uma ação mais rápida e eficaz da companhia nas respostas aos desastres climáticos, cada vez mais frequentes e intensos.
— Nenhuma empresa tem equipe quantificada para essas crises graves, mas a meteorologia melhorou muito, então é possível antecipar cenários e manter um plano de emergência que preveja ampliação imediata de efetivo. A comunicação com a sociedade também é muito importante. Numa grande distribuidora, a gente tem de botar a cara, explicar o que aconteceu e como está atuando — afirma Barata.
Relação com a sociedade é alvo de reclamações
A dificuldade na relação com a sociedade gaúcha está no cerne das reclamações à CEEE. Em Candiota, município de 11 mil habitantes na região da Campanha, o prefeito Luiz Carlos Folador decretou calamidade pública depois que sucessivos cortes no fornecimento deixaram toda a zona urbana e rural sem luz e sem água em dezembro. A demora das religações na cidade é sete vezes acima do limite da Aneel.
— Foi um pedido de socorro. Ninguém nos atendia. Depois do decreto, eles fizeram algumas manobras e melhorou — conta Folador.
Às queixas de gestores do Interior se somam o descontentamento do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, do governador Eduardo Leite, de entidades e instituições. É diante desse cenário de permanente insatisfação que vicejam as CPIs.
Na Câmara da Capital, o movimento é praticamente irrefreável. O pedido de investigação da companhia já foi subscrito por 24 dos 36 vereadores, o dobro do necessário. Além de contar com o aval de Melo, a CPI garante uma tribuna para os parlamentares conduzirem um tema de forte apelo popular em ano de eleição.
Na Assembleia, a situação é mais complicada. Ventilada pelo PT, a comissão esbarra na resistência da base de sustentação de Leite, responsável por aprovar a privatização. O Piratini teme defecções em bancadas aliadas e em partidos como PL e Republicanos, mas vai mobilizar os deputados na próxima semana para evitar a CPI.
— Não se trata de questionar a privatização, mas as obrigações contratuais. Quanto estão investindo, como lidam com emergências? Se a Assembleia não agir na defesa da população num momento assim, não vai agir nunca mais — pontua o líder do PT, Luiz Mainardi.
Presidente da CEEE no governo Tarso Genro (2011-2014), o engenheiro-elétrico Sérgio Dias cita a redução de pessoal da companhia como um dos motivos para a demora nas religações e aponta a necessidade de amarras contratuais que forneçam à agência reguladora maior poder de cobrança e punição.
— A agência faz o papel de controlar o contrato, mas muitas coisas fogem à alçada. As exigências têm de ser mais claras no processo de concessão, porque senão a empresa só dá resposta ao acionista e não à sociedade — afirma Dias.
Depois da privatização, a CEEE já foi multada em R$ 57,09 milhões pela Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (Agergs). São três multas: duas por problemas no restabelecimento de energia e uma por descumprimento do Plano de Resultados de 2022. Mas nada ainda foi pago. Uma das multas, no valor de R$ 3,45 milhões, acabou convertida em advertência pela Aneel e outra, de R$ 29,34 milhões, foi reduzida para R$ 25,52 milhões.
A Equatorial obteve lucro líquido de R$ 1,9 bilhão em 2022. Já a CEEE registrou prejuízo de R$ 266 milhões no período, resultado melhor do que a perda de R$ 394 milhões em 2021 e bem inferior a R$ 1,6 bilhão de 2020.
Procuradas, a CEEE, a Aneel e a Agergs não se manifestaram.