Durante o longo processo de restabelecimento da energia elétrica na área afetada pela tempestade da noite de terça-feira (16), um fenômeno chama a atenção em cidades como Porto Alegre. Em alguns lugares, enquanto a luz voltou em um determinado ponto, casas localizadas a poucos metros de distância seguiam — ou continuam até agora — às escuras.
Essa eventual desigualdade pode ser explicada pela forma como a energia é distribuída nas cidades, agravada pela óbvia demora das concessionárias para recompor todo o sistema.
A razão fundamental para a possível diferença de cenário entre vizinhos é que a malha de distribuição de energia não é uma estrutura completamente única e homogênea, mas conta com subdivisões, a exemplo de áreas que são atendidas por diferentes transformadores — equipamentos que costumam ficar no alto de postes com a função de ajustar a tensão antes do percurso final até o consumidor.
Cada transformador pode atender a um número variável de consumidores, e moradores de uma mesma rua podem estar conectados a aparelhos diferentes. Por isso, se um transformador for religado antes de outro localizado nas proximidades, um morador poderá contar novamente com a luz antes de parte dos vizinhos.
— A área que cada equipamento consegue atender varia. Um transformador mais potente pode dar conta de um número maior de casas, principalmente quando não exigem uma carga muito elevada. Nesse caso, pode atender várias ruas. Se o transformador tiver menos potência ou a carga demandada pelos consumidores for maior, atende uma área menor, que pode ser um prédio grande — explica o engenheiro eletricista e de segurança do trabalho Renê Reinaldo Emmel Júnior, conselheiro titular e coordenador-adjunto da Câmara de Engenharia Elétrica do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Rio Grande do Sul (CREA-RS).
A diferença de tempo para a luz ser restabelecida também pode ser ampliada pelo tipo de dano ocorrido. Durante um temporal, a interrupção no abastecimento pode ser provocada por um curto-circuito ocasionado pela queda de uma árvore, por exemplo. Nesse caso, essa rede é desligada automaticamente até como forma de proteção contra um dano mais grave e para segurança da população. Se o galho ficar preso à fiação, terá de ser removido antes de a rede ser reenergizada. Além disso, se o transformador acabar queimando por conta de uma sobrecarga ou descarga atmosférica, por exemplo, será necessária uma troca de equipamento que também tende a levar mais tempo.
Nesse caso, moradores atendidos por um outro equipamento menos comprometido poderão contar com a retomada do abastecimento bem antes.
— Apenas para fazer uma analogia, é semelhante a algo que às vezes ocorre na casa da gente. Pode cair um disjuntor, que afeta uma parte da casa, mas os outros continuarem funcionando. Nesse caso, uma parte da casa vai ficar sem energia, e o restante vai seguir com energia — complementa Emmel, que atuou por 16 anos na antiga CEEE.
Há outras possibilidades, cujo impacto depende do ponto do sistema elétrico que for atingido durante a tempestade (veja infográfico). Se o dano provocado pelo temporal envolver linhas de alta tensão que atendem a vários transformadores, por exemplo, uma área bem mais ampla da cidade ficará sem energia — por isso, é possível que não ocorram tantas diferenças de cenário dentro de uma mesma vizinhança.
Prédio está sem luz há três dias
Quando uma árvore ou galhos maiores caem sobre a rede de energia, permanecem sobre a fiação ou rompem parte dela, o restabelecimento do serviço também pode exigir mais tempo.
Na Rua Mário Antunes da Cunha, bairro Petrópolis, em Porto Alegre, por exemplo, a rede específica que atende um dos prédios da via sofreu um curto-circuito após a queda de um galho que, até a tarde desta sexta-feira (19), permanecia preso entre a fiação e atrasava os consertos necessários. Por isso, o edifício com uma centena de apartamentos estava há quase 72 horas às escuras.
— Está sendo bem complicado. Estamos sem luz desde a noite de terça, perdemos todos os mantimentos que estavam na geladeira, temos vizinhos que tomam medicações que precisam ser refrigeradas e tiveram grande prejuízo. Outros prédios da rua já têm energia, mas o nosso, não — lamenta a moradora Carolina Rocha, 36 anos.
Em entrevista à Rádio Gaúcha na manhã desta sexta-feira (19), o secretário municipal de Serviços Urbanos, Marcos Felipi Garcia, afirmou que a CEEE tem autorização da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) para fazer podas relacionadas à energia da cidade.
— Quando eles não conseguem fazer a retirada daquela árvore, eles comunicam a prefeitura, e retornamos àquele lugar para que a energia possa ser religada — afirmou o secretário.
A energia precisa permanecer desligada até a remoção de vegetais que estejam em contato com a fiação. Somente depois da retirada o serviço pode ser normalizado.
Procurada por GZH, a CEEE Equatorial emitiu a seguinte nota:
De acordo com o Superintendente Técnico da CEEE Equatorial, Sérgio Valinho, pelas características da rede de distribuição de energia elétrica, unidades consumidoras fisicamente próximas podem ser abastecidas por circuitos diferentes. “Essa característica da rede faz com que em uma mesma região se verifique clientes ligados e desligados”.
Valinho destaca ainda que a distribuidora segue atuando com mobilização máxima a fim de restabelecer o fornecimento de energia a totalidade dos seus clientes o mais breve possível, atuando, inclusive, em parceria com outras instituições, como a Prefeitura e Defesa Civil para superar obstáculos que eventualmente dificultem o trabalho de nossas equipes de manutenção.