A Polícia Federal (PF) realiza uma operação nesta sexta-feira (11) para investigar suposto grupo que teria vendido bens entregues a autoridades brasileiras em missões oficiais. Entre os alvos da ofensiva está o general Mauro César Lourena Cid, pai de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. São investigados supostos crimes de peculato e lavagem de dinheiro.
Mauro César Lourena Cid é um general do Exército que compartilhou sua formação na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) nos anos 1970 com Bolsonaro. Durante a administração do ex-presidente, o oficial desempenhou uma função governamental em Miami, vinculada à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).
De acordo com as averiguações, o general estava encarregado de conduzir as negociações relacionadas às joias e outros ativos nos Estados Unidos, inclusive recebendo os montantes correspondentes em sua conta bancária.
Segundo a PF, o grupo sob suspeita teria vendido presentes de alto valor recebidos por representantes do País e depois incorporado os valores em seu patrimônio por meio de laranjas e sem usar o sistema bancário, "com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos montantes".
Ainda de acordo com a GloboNews, outras três pessoas são investigadas: Mauro Cid, o tenente do Exército Osmar Crivelatti e o advogado Frederick Wassef, que já defendeu Bolsonaro e familiares em diversos processos na Justiça.
A operação foi batizada "Lucas 12:2", em alusão ao versículo da Bíblia que diz: "Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido".
Os mandados foram autorizados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Estão sendo cumpridos quatro mandados de busca e apreensão, dois em Brasília, um em São Paulo e um em Niterói, no Rio de Janeiro. O ministro da Justiça, Flávio Dino, comentou a operação nas redes sociais.
Entenda o caso das joias
No dia 3 de março deste ano, foi revelado que uma comitiva do então presidente Jair Bolsonaro, liderada por um ministro, tentou ingressar no Brasil, em outubro de 2021, com um conjunto de joias avaliado em cerca de R$ 16,5 milhões, que seriam um presente do governo da Arábia Saudita para o ex-presidente e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
A Receita Federal apreendeu os objetos no aeroporto de Guarulhos, pois os itens precisavam ser declarados ao ingressar no Brasil e não poderiam ser considerados itens pessoais, caso contrário, deveria ser pago imposto de importação. Sem esclarecer a destinação, até os últimos dias de seu governo, Bolsonaro tentou reaver as joias, sem sucesso. Além disso, um segundo pacote também foi trazido ao Brasil e recebido no Palácio da Alvorada.
Quais são as joias envolvidas no caso?
O pacote apreendido pela Receita Federal contém um conjunto com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em R$ 16,5 milhões. As joias são da marca suíça Chopard.
Um segundo pacote, que não foi apreendido, traz um relógio, uma caneta, abotoaduras, um anel e um masbaha (peça semelhante a um rosário, mas muçulmano) da marca suíça de diamantes Chopard, que foram trazidos ao país por uma comitiva do Ministério de Minas e Energia, em outubro de 2021, no retorno de um evento no país do Oriente Médio. Esse conjunto também pode ser alvo de investigação da Receita.
Para quem eram as joias?
Segundo integrantes da comitiva que viajou ao Oriente Médio em outubro de 2021, as joias seriam um presente do regime saudita para o então presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Quem fez parte da comitiva?
O ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e um militar assessor do então ministro, Marcos André Soeiro, que tentou ingressar no Brasil com as joias em sua mochila. Bolsonaro e Michelle não estavam na comitiva.
O que a comitiva fazia na Arábia Saudita?
A equipe foi à Arábia Saudita participar de reunião da cúpula "Iniciativa Verde do Oriente Médio". O evento ocorreu em Riad, capital do país.
O que a legislação prevê para presentes de chefes de Estado?
Nessa situação, as joias seriam consideradas como um item pessoal, portanto, o portador delas teria de declará-las como qualquer viajante. A lei determina que, para entrar no país com mercadorias acima de US$ 1 mil, o passageiro precisa pagar imposto de importação equivalente a 50% do valor do produto.
Quando o passageiro omite o item – como foi o caso do assessor do governo – tem que pagar ainda uma multa adicional de 25% do valor. Ou seja, se quisesse reaver as joias, Bolsonaro teria que pagar cerca de R$ 12 milhões.
Existe uma forma em que não seria necessário pagar imposto na chegada com as joias: bastaria que elas fossem declaradas com um presente para o Brasil. Nesse caso, porém, os itens ficariam com o Estado brasileiro, não com Michelle ou Jair.
Em nota divulgada pela Receita Federal, o órgão informou que a incorporação de um presente do tipo trazido do Exterior ao patrimônio da União "exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a ser destinadas a museu", o que não foi cumprido no caso.
Como o governo tentou reaver as joias?
O governo Bolsonaro teria escalado três ministérios (Relações Exteriores, Minas e Energia e Economia) para tentar recuperar as joias, que seguem retidas pela Receita Federal.
Apurações de diversos órgãos de imprensa indicam que o governo Bolsonaro tentou reaver o pacote apreendido em oito oportunidades, ao menos, inclusive a poucos dias do fim do seu mandato presidencial, em 29 de dezembro de 2022, quando um militar foi enviado especialmente ao aeroporto de Guarulhos para tentar liberar o pacote junto à Receita Federal. A tentativa foi flagrada em vídeo.
Naquele mesmo dia, o gabinete do então presidente solicitou que os itens fossem cadastrados no sistema federal como "acervo privado", já que, segundo a justificativa, tratava-se de um presente do regime saudita.
Uma servidora da Presidência da República relatou à Polícia Federal que havia recebido ordens para lançar com antecedência as joias apreendidas, antes de serem liberadas pela Receita, e que, posteriormente, outro servidor teria determinado que os ofícios enviados ao Departamento de Documentação Histórica fossem excluídos do sistema, já que a operação para resgate das joias havia fracassado.
O que afirma Jair Bolsonaro sobre o caso?
Em entrevista a jornalistas na saída da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), um dos maiores eventos conservadores dos Estados Unidos, Jair Bolsonaro afirmou que não pediu, nem recebeu os itens de luxo.
—A legislação diz que poderia usar, mas não se desfazer do bem. Agora eu estou sendo crucificado por um presente que eu não recebi. Alguns jornais disseram que tentei trazer joias ilegais para o Brasil, não existe isso — declarou o ex-presidente na ocasião.
Bolsonaro ainda negou ter enviado um avião da FAB para tentar liberar as joias. No entanto, o jornal O Estado de S. Paulo afirma ter localizado a solicitação à FAB para levar o chefe da Ajudância de Ordens do Presidente da República, primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva. O documento dizia que a viagem de Silva era "para atender a demandas do Senhor Presidente da República naquela cidade", com retorno "em voo comercial no trecho Guarulhos para Brasília".
Contudo, segundo afirmado em matéria do Estadão, Jair Bolsonaro teria recebido pessoalmente o segundo pacote de joias da Arábia Saudita que chegou ao Brasil. Ao jornal, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente, disse que o estojo com as joias está com Bolsonaro. De acordo com a apuração, documentos oficiais comprovam que o pacote foi entregue no Palácio da Alvorada, com um recibo indicando que as joias de diamantes foram recebidas pelo funcionário Rodrigo Carlos do Santos às 15h50min do dia 29 de novembro de 2022. Conforme a publicação, o documento traz um item no qual questiona se o item foi visualizado por Bolsonaro. A resposta seria “sim”.
Em 8 de março, Bolsonaro confirmou em entrevista que parte dos presentes encaminhados pelo príncipe da Arábia Saudita em 2021 foi incorporada ao acervo privado dele. Segundo o ex-presidente, foram enviados um estojo com uma caneta, um anel, um relógio, um par de abotoaduras e um terço, e não teria havido "nenhuma ilegalidade" no episódio.
O que afirma Michelle Bolsonaro?
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro fez uma postagem afirmando que "não estava sabendo" que tinha "tudo isso", referindo-se às joias de diamantes avaliadas em R$ 16,5 milhões que o governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o país.
"Quer dizer que, 'eu tenho tudo isso' e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa impressa (sic) vexatória", publicou Michelle na noite de 3 de março nos stories do Instagram.