O Ministério da Saúde decidiu suspender temporariamente o contrato para comprar 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, fabricada pelo laboratório indiano Bharat Biotech. A decisão ocorre um dia após o presidente Jair Bolsonaro ser alvo de uma notícia-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) acusado de prevaricação.
Senadores apontam que o presidente ignorou alertas, feitas ainda em março, de que haveria corrupção no processo de contratação do imunizante, que foi intermediado pela Precisa Medicamentos. Essa foi a primeira reação prática do governo após as suspeitas de irregularidades, que o Palácio do Planalto tem negado existir.
O acordo do Ministério da Saúde com a Precisa foi assinado em 25 de fevereiro e prevê pagar R$ 1,6 bilhão. O valor por dose (US$ 15) é o mais caro dos seis imunizantes que o país comprou até agora. A decisão de suspender o contrato ocorreu após recomendação da Controladoria-Geral da União (CGU), que vai fazer um pente-fino no processo de contratação da vacina.
— Por orientação da CGU, por uma questão de conveniência e oportunidade, decidimos suspender o contrato para que análises mais aprofundadas sejam feitas. Por outro lado, o Ministério da Saúde vai fazer uma apuração administrativa para verificar todos os aspectos da temática que foram suscitadas a partir do final da semana passada — afirmou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em entrevista no Palácio do Planalto.
O ministro da CGU, Wagner Rosário, disse que a suspensão do contrato vai durar apenas enquanto o órgão analisa se houve irregularidades na contratação, o que espera concluir em, no máximo, 10 dias.
— A gente suspendeu como medida preventiva, visto que há uma denuncia de irregularidade que não conseguiu ser ainda bem explicada pelo denunciante — afirmou Rosário, que concedeu entrevista ao lado de Queiroga.
— Vamos fazer essa análise para ter certeza que não haja nenhuma mácula nesse contrato. A partir daí, a decisão de contratação ou não é um ato de gestão do ministro da Saúde, não cabe à CGU. A CGU está suspendendo o processo única e exclusivamente para verificação de possível irregularidade trazida por um servidor que não conseguiu especificar ainda qual é. Estamos revisando o processos para dar a máxima segurança para o ministro tomar as decisões dentro da legalidade — completou.
Em depoimento à CPI na sexta-feira (25), Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe do setor de importação do Ministério da Saúde, afirmou ter sofrido pressão de superiores para acelerar a compra do imunizante indiano. O servidor apontou uma tentativa de pagamento antecipado e, ao lado do irmão, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), se reuniu com Bolsonaro em março para apontar indícios de corrupção no acordo.
Na ocasião, segundo o deputado, o presidente atribuiu às suspeitas a "mais um rolo" do deputado Ricardo Barros (PP-PR), ex-ministro da pasta e atual líder do governo na Câmara. Ainda segundo Miranda, Bolsonaro disse que acionaria a Polícia Federal para investigar o caso, mas nenhuma investigação foi aberta na época.
Além do preço mais alto e a pressão para acelerar o negócio, o contrato do governo para adquirir a Covaxin também levantou suspeitas de senadores por ter sido o único firmado por meio de uma empresa intermediária. Todos os outros foram negociados diretamente com laboratório fabricantes ou que produzirão os imunizantes no país. A Precisa Medicamentos não atuava até então no ramo de vacinas.
O contrato, assinado em fevereiro, previa que a primeira remessa, de 4 milhões de doses, seria enviada ao Brasil ainda em março. Sem aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, porém, o prazo foi desrespeitado.
A Precisa só conseguiu uma autorização da agência para importação excepcional dos imunizantes no início do mês, mas com uma série de exigências que ainda não foram cumpridas, como a apresentação de um plano de monitoramento dos pacientes que receberem as doses. Assim, nenhuma unidade do imunizante chegou a ser enviado ao país. O governo afirma também não ter pagado nada pelas doses até o momento. O dinheiro, porém, já foi empenhado (reservado) no orçamento.
A decisão do Ministério da Saúde também ocorre no mesmo dia em que a Precisa submeteu um novo pedido de autorização emergencial para que a Covaxin seja usada no país.
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), que integra a CPI, o governo admite que há irregularidades ao suspender o contrato.
— Essa decisão é o reconhecimento de uma culpa — disse ele em entrevista à CNN Brasil.