A 40 dias do prazo para o encerramento das atividades, a CPI da Covid ajusta o foco das investigações para tentar desvendar supostas irregularidades na importação da vacina Covaxin. Até então empenhados em apurar o atraso na compra de imunizantes e o incentivo ao uso de medicamento sem eficácia no combate ao coronavírus, os senadores agora miram no presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, como o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
O ponto de partida é o depoimento dos irmãos Miranda. Falando à comissão por quase oito horas na sexta-feira, o chefe de importações do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, e o deputado federal Luis Claudio Miranda (DEM-DF) indicaram nomes que podem estar envolvidos no lobby pelo contrato de R$ 1,6 bilhão com a Bharat Biotech, produtora da vacina indiana.
A primeira investida da CPI será sobre Regina Celia Silva Oliveira. Indicada por Barros para um cargo no Ministério, Regina foi a servidora que teria autorizado a importação das vacinas, abrindo caminho ao pagamento de US$ 45 milhões a uma offshore em troca de 300 mil doses da Covaxin. Presidente da comissão, o senador Omar Aziz (PSD) deseja ouvir a servidora ainda nesta semana. O desembolso acabou não se consumando porque a Anvisa suspendeu a operação, mas os senadores querem saber por que Regina ignorou os alertas de Miranda.
Outro indicado por Barros prestes a ser convocado é Roberto Ferreira Dias, coordenador do Departamento de Logística e superior hierárquico de Miranda. À frente de um setor que já fechou R$ 15,7 bilhões em negócios relacionados à covid-19, Dias foi citado pelo chefe de importações como um dos chefes que teria feito pressão excessiva pelo envio de documentos da Covaxin à Anvisa, apesar das inconsistências na documentação.
Embora tenha assinado a nomeação de Regina quando foi ministro da Saúde do governo Michel Temer, Barros negou ter feito a indicação. Ele também refutou qualquer envolvimento na compra da vacina. “Não sou o parlamentar citado”, disse o deputado após Luis Claudio Miranda ter afirmado à CPI que Bolsonaro teria vinculado o nome do líder do governo a eventuais irregularidades na negociação da Covaxin.
A citação a Barros, que até agora não foi negada por Bolsonaro, é o caminho que a CPI pretende percorrer para investigar eventual prevaricação do presidente. Segundo Luis Claudio, ao ser avisado por ele da suspeita de fraude no contrato, em reunião realizada em 20 de março no Palácio da Alvorada, Bolsonaro teria prometido acionar a Polícia Federal. A corporação, porém, não foi acionada, tampouco instaurou inquérito. Já Barros seguiu sendo prestigiado pelo presidente, inclusive com a nomeação da mulher, Maria Aparecida Barros, para o conselho de Administração de Itaipu.
Vice-presidente da CPI, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AC) pretende encaminhar já nesta segunda-feira (28) uma representação contra Bolsonaro na Procuradoria-Geral da República (PGR). Para Randolfe, o presidente teria prevaricado ao não tomar medidas para apuração das denúncias dos irmãos Miranda.
Neste final de semana, os senadores avistaram outro contrato do Ministério da Saúde sob suspeita de influência do líder do governo. Em 4 de junho, o Ministério da Saúde assinou termo de intenção de compra de 60 milhões de doses da vacina chinesa CanSino. O documento estima valor de US$ 17 por dose, mais caro que os US$ 15 da Covaxin e, assim como na compra da indiana, tem uma empresa brasileira como intermediária, a Belcher Pharmaceuticals.
A empresa tem sede em Maringá, berço eleitoral de Barros, e já foi alvo de busca e apreensão por suposto conluio na venda de testes rápidos de covid para o governo do Distrito Federal. Batizada de Falso Negativo, a operação foi deflagrada em julho do ano passado para apurar “indícios de superfaturamento na aquisição dos insumos e evidências de que marcas adquiridas seriam imprestáveis para a detecção eficiente da covid-19”, conforme anunciado à época pelo Ministério Público do DF.
As novas de linhas de investigação alimentam um movimento para prorrogar os trabalhos da CPI. Nos bastidores, os senadores já preparam a coleta de assinaturas para estender as atividades por mais 90 dias. O regimento interno exige o apoio de senadores, um terço da Casa. Em conversas reservadas, eles afirmam que há 35 parlamentares dispostos a endossar o pedido.