Vinte e dois dias após o primeiro registro de contaminação de um brasileiro pelo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro comandou na quarta-feira (18) uma inédita entrevista coletiva sobre o combate à pandemia. Usando máscara ao lado de nove ministros, anunciou medidas e respondeu a questionamentos da imprensa.
A iniciativa marcou uma radical mudança de postura após críticas sucessivas de autoridades políticas e sanitárias por seu comportamento no início da crise. A repentina transformação expôs as contradições do presidente no enfrentamento da covid-19.
Compare declarações de Bolsonaro na quarta e as atitudes e afirmações anteriores.
Repatriados de Wuhan
"O Brasil teve uma notícia vultosa quando poucas dezenas de brasileiros que estavam na China buscaram o governo brasileiro de modo que fossem resgatados. Essa missão foi muito bem cumprida por parte do governo, foram resgatados com sucesso, submetidos à quarentena e devolvidos aos lares."
Em 31 de janeiro, Bolsonaro afirmou que havia entraves para enviar uma aeronave à China para repatriar brasileiros que estavam na província de Wuhan. Na ocasião, disse que o Brasil não tinha lei de quarentena e que "custa caro um voo desses". Nove dias depois, 34 pessoas que estavam em Wuhan desembarcaram em Goiás, onde ficaram em quarentena.
Protestos do dia 15
"Grande parte da mídia potencializou em cima desse evento (manifestações contra o Congresso e o Supremo e em favor do governo), como que se fosse o único e tivesse sido programado por mim. Não convoquei ninguém, não existe nenhum áudio, nenhuma imagem minha convocando para o dia 15 de março."
Em Roraima, em 7 de março, Bolsonaro fez pronunciamento enquanto aguardava para seguir viagem aos EUA. No discurso, convocou a população a participar dos atos que ocorreriam oito dias depois:
— Dia 15 tem um movimento de rua espontâneo. E o político que tem medo de movimento de rua não serve para ser político. Então, participem.
"Existe, sim, um vídeo, eu convocando para 15 de março de 2015, uma manifestação contra a presidente naquele momento. Vídeo esse que foi largamente explorado por parte de uma jornalista inconsequente como se fosse 15 de março de 2020."
Em 25 de fevereiro, Bolsonaro compartilhou em grupos de WhatsApp um vídeo convocando a população para atos contra o Congresso e o STF. Com 1min40s de duração, foram exibidas imagens do atentado contra ele em 2018 e da posse, em janeiro de 2019. O ex-deputado Alberto Fraga, amigo de Bolsonaro, confirmou ter recebido o vídeo do próprio presidente.
"Eu não fui ao encontro de movimento nenhum. Muito pelo contrário, o movimento que veio ao meu encontro. Não descumpro qualquer orientação sanitária por parte do nosso ministro da Saúde. Eu dou o exemplo. Não dirigi a minha palavra à população."
No domingo (15), Bolsonaro saiu do isolamento após ter mantido contato com o secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten, um dos auxiliares que testaram positivo para covid-19. Em frente ao Planalto, se aproximou dos gradis que o separavam dos manifestantes e tocou em 272 pessoas, pegou em celulares e aproximou-se do rosto dos apoiadores para selfies.
"Em nenhum momento eu usei da palavra para falar contra o Congresso Nacional ou contra o Supremo Tribunal Federal. Muito pelo contrário. Da minha parte, vocês não ouviram até o momento nenhuma só crítica minha ao longo desses últimos 15 meses."
Em entrevista à Rádio Bandeirantes na segunda-feira (16), Bolsonaro atacou o Congresso e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Disse que as críticas que sofria por causa da suposta leniência no combate ao coronavírus eram uma "luta pelo poder":
— Seria um golpe se isolassem o presidente.
Coronavírus
"Sempre foi o meu papel como chefe de Estado levar paz, tranquilidade a todos, sem deixar de se preocupar com as consequências do que estava se aproximando. É grave, é preocupante, mas não chega ao campo da histeria ou da comoção nacional."
Na terça-feira (17), disse que a covid-19 é como uma gravidez, que vai gerar uma criança e "passar". Ainda comparou a Itália — onde até então haviam morrido 2,5 mil pessoas — a um bairro do Rio:
— A Itália é um país parecido com Copacabana, onde cada apartamento tem um velhinho. Então, são muito mais sensíveis, morre mais gente.