Em seu primeiro ano de mandato, o governo Eduardo Leite fechará as contas com déficit orçamentário (gasto acima da arrecadação) estimado em R$ 3,88 bilhões — equivalente a dois meses e meio de salários do Executivo. Se confirmado, o desfecho projetado pela Secretaria da Fazenda será melhor do que o previsto, mas o rombo ficará acima do registrado nos últimos quatro anos (veja os detalhes no fim do texto).
Aprovada no fim de 2018, a lei orçamentária de 2019 estimou saldo negativo de R$ 7,4 bilhões no período, incluindo as parcelas não pagas da dívida com a União. Esses valores (lançados como despesas, ainda que pendentes) seguiram incidindo no cálculo. Mesmo assim, Leite encerrou dezembro em condição menos dramática do que a enfrentada no mesmo mês de 2018 – não precisou antecipar receitas e honrou os repasses à saúde, ao contrário do antecessor, José Ivo Sartori, pressionado pela crise.
Apesar dos esforços, o desequilíbrio persistiu e o resultado anual se agravou em relação a 2016, 2017 e 2018, por uma série de razões.
Principal aposta de Leite para obter recursos extras, a venda de ações ordinárias (com direito a voto) do Banrisul não deu certo. O mesmo ocorreu com a adesão ao regime de recuperação fiscal, cujas negociações se arrastam desde 2017.
Para reforçar o caixa, o governador recorreu a medidas emergenciais, como o programa de refinanciamento de dívidas tributárias (Refaz) e o leilão de créditos do Fundo Operação Empresa (Fundopem-RS). A venda de ações preferenciais do Banrisul (sem direito a voto) e a vitória judicial envolvendo a cobrança de ICMS sobre produtos da cesta básica ajudaram, mas não foram suficientes.
O resultado demonstra a situação estrutural do Estado, que enfrentou um aumento das despesas de pessoal acima das receitas e um baixo crescimento econômico.
MARCO AURELIO CARDOSO
Secretário estadual da FAZENDA
Maior despesa do Estado, a folha de pagamento dos servidores seguiu crescendo. Isso ocorreu tanto pelos avanços salariais automáticos – que Leite tenta extinguir em seu pacote de reformas – quanto pelos reflexos dos últimos reajustes concedidos a profissionais da Segurança Pública. As parcelas foram sancionadas na gestão de Tarso Genro e honradas por Sartori até o fim de 2018, com impacto sobre 2019. Para completar, a economia brasileira seguiu patinando.
— O resultado demonstra a situação estrutural do Estado, que enfrentou um aumento das despesas de pessoal acima das receitas e um baixo crescimento econômico — sintetiza o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso.
Além desses entraves, Cardoso lembra que Leite assumiu a administração com parte da folha de dezembro pendente, com o 13º salário de 2018 parcelado e com R$ 1 bilhão em dívidas na saúde, hoje equacionadas. Receitas líquidas de R$ 447 milhões – que entrariam em caixa em janeiro — foram antecipadas por Sartori. O secretário argumenta que, se isso não tivesse ocorrido, o resultado de 2019 seria semelhante ao de 2018.
A partir de 2020, temos a expectativa de que a despesa de pessoal entre em um nível de crescimento mais ajustado, caso as reformas sejam aprovadas.
BRUNO JATENE
Subsecretário do Tesouro do Estado
— Excluídos os impactos de receita transferida de 2019 para 2018 e a variação no serviço da dívida com a União, tem-se, na verdade, uma estabilidade no resultado orçamentário final nos anos de 2018 e 2019 — sustenta Cardoso.
Na prática, o Estado seguiu gastando mais do que arrecadou e a principal promessa do governador —de voltar a pagar a folha em dia — ficou pelo caminho. Para 2020, o descompasso estimado é de R$ 5,2 bilhões, mas o quadro ainda pode mudar, segundo o economista Darcy Carvalho dos Santos.
— Caso Leite consiga aprovar as reformas e assinar o acordo com a União, poderá até zerar o déficit (em parte, porque as parcelas da dívida serão oficialmente adiadas e deixarão de ser registradas no cálculo). A questão é o que virá depois. Se a economia não reagir, nada feito — adverte Santos.
O que explica o desequilíbrio
- Leite assumiu o governo com parte da folha de dezembro pendente, com o 13º salário de 2018 parcelado e com R$ 1 bilhão em dívidas na saúde.
- Em razão da crise, a gestão passada antecipou para dezembro de 2018 R$ 447 milhões em receitas líquidas que entrariam em janeiro de 2019. Isso reduziu as pendências, mas se refletiu no resultado orçamentário de 2019.
- A situação no mês de dezembro de 2019 foi melhor do que em 2018 (Leite não precisou antecipar receitas e manteve os repasses à saúde em dia), mas as dificuldades ao longo do ano impediram o reequilíbrio das contas.
- As despesas com pessoal seguiram crescendo mais do que a arrecadação e a economia não reagiu como se esperava.
- O governo não conseguiu concluir a venda de ações ordinárias do Banrisul, o que poderia ter injetado R$ 2,5 bilhões em caixa.
- Não foi possível assinar a adesão ao regime de recuperação fiscal proposto pelo governo federal.
- O Estado segue autorizado pela Justiça a não pagar a dívida com a União, mas, enquanto não aderir ao regime, é obrigado a contabilizar as parcelas pendentes nos relatórios orçamentários, o que se reflete no déficit (mesmo que essa despesa, na prática, não tenha sido quitada). Se o acordo com a União sair, o pagamento será formalmente adiado e o valor não precisará mais ser registrado nos relatórios. Isso reduzirá automaticamente o rombo, embora a conta ainda tenha de ser paga de qualquer forma no futuro.