Em paralelo ao momento reflexivo desse campo, a direita que ocupa o Palácio do Planalto declarou uma briga bem mais pragmática. Jair Bolsonaro partiu para o ataque contra o chefe do PSL, Luciano Bivar, e o racha transbordou para o Congresso. De acordo com analistas, a briga no partido que o presidente disse ser preciso esquecer tem raízes na disputa pelo controle da legenda e dos R$ 110 milhões de fundo partidário.
No debate sobre o atrito no PSL – que, nos últimos dias, teve batalha de listas para troca de líder na Câmara, grampo vazado do presidente, obstrução de pauta do próprio governo e dispensa da deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) da liderança no Congresso –, pouco se ouve falar sobre discordância de correntes de pensamento ou programas. Um dos motivos, segundo o cientista político Fernando Schüler, do Insper, está na origem heterogênea da própria sigla, composta por indivíduos isolados.
– O PSL foi criado artificialmente a partir de uma aglutinação de personalidades de mídia, do mundo da internet e ligadas à área da segurança pública, com vaga identidade ideológica e baixa consistência programática – diz Schüler.
Pouco adeptos aos ritos tradicionais, o presidente e seus seguidores contribuem para o momento de distensão. Há quem aponte sinais de populismo nos atos bolsonaristas, além de ataques e práticas extremistas diante do primeiro sinal de discordância.
– O bolsonarismo tenta estabelecer um controle muito rígido sobre o resto da direita, mas vários atores que o apoiaram não estão a fim de ser pombo correio do presidente. Eles têm as suas próprias ambições – interpreta o sociólogo Celso Rocha de Barros.
Expoente da direita no cenário nacional, o deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS) observa que, depois de eleito, o presidente se voltou para os seus apoiadores mais fiéis, aqueles que estavam ao seu lado desde o início da campanha. Assim, Bolsonaro tem se afastado de setores que também o carregaram ao Planalto, como liberais e lava-jatistas.
– Isso tem prejudicado a construção de pontes ao longo do mandato. Por outro lado, é o que ele fez a vida toda. Difícil imaginar que, chegando lá, pudesse mudar – afirma o deputado.
Para além da briga dentro de casa, há ainda o prenúncio de 2022. Ao ver a popularidade em queda – agora, estagnada –, o próprio presidente antecipou o debate eleitoral ao falar que entregaria um "país melhor" em 2026, contrariando o discurso anti-reeleição da campanha. Por isso, abriu fogo contra os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio, Wilson Witzel (PSC), por exemplo.
Eleitos na cola de Bolsonaro, Doria e Witzel se tornaram potenciais adversários eleitorais – o presidente já declarou que o governador paulista "mamou" nos governos do PT, e o seu filho, Flávio Bolsonaro (PSL), orientou que os correligionários desembarcassem da base de apoio da administração fluminense, mas voltou atrás. Apesar do cenário pulverizado, o professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Adriano Oliveira, vê em Bolsonaro, por ora, a única órbita da direita:
– Você pode até dizer que Doria e Witzel são de direita e que pegaram carona no bolsonarismo, mas isso não significa que eles irão se apresentar como candidatos de direita em 2022. Hoje, o eleitorado de direita está reunido em torno de Bolsonaro, mas isso também não significa que são bolsonaristas convictos. Muitos podem estar lá simplesmente por temer a volta do PT.
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