Entenda a reportagem em três pontos
- As eleições de 2018 marcaram a ascensão ao poder da chamada "nova direita", que reúne grupos políticos com interesses variados e um ponto de convergência: a repulsa à esquerda.
- Hoje, alas distintas desse grupo político — dos bolsonaristas alinhados ao presidente, aos lava-jatistas preocupados com a pauta anti-corrupção — duelam entre si.
- Dentro dessa disputa também está a briga interna do PSL, partido de Jair Bolsonaro, que estremeceu a relação do presidente com alguns de seus principais apoiadores.
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Um ano depois de vencer a disputa presidencial, a direita brasileira irrompeu em uma guerra civil. Enquanto Jair Bolsonaro se armou contra o PSL e apoiadores de primeira hora racharam com o presidente, seguidores e dissidentes do bolsonarismo se engalfinham na "twittosfera". Na semana passada, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) admitiu que o campo político se encontra em um momento de "debate".
– Estamos passando por uma fase de depuração, nos identificando. Só que, ao contrário da esquerda, que segura internamente qualquer desavença, a direita faz isso publicamente. Pode parecer um racha, e, por vezes, até é, mas eu acredito que, no final, se houvesse um segundo turno, todos da direita votariam contra o PT novamente – justificou o parlamentar.
Eduardo respondia a uma pergunta sobre a chance de vitória da esquerda em 2022 por conta dessa divisão na abertura da CPAC, sigla em inglês para Conferência da Ação Política Conservadora. Realizado no último final de semana em São Paulo, o encontro bolsonarista foi armado pela ala da direita que busca se organizar desde que chegou ao poder – ao menos outros quatro eventos semelhantes já ocorreram nesse ano.
Para analistas políticos, a leitura do parlamentar está – em parte – acertada. Reunida no guarda-chuva anti-PT, a chamada nova direita chegou ao poder sem tempo de preparo suficiente, com pautas difusas e, em alguns momentos, dissonantes – em outros, sem agenda alguma. À desordem, ainda se acrescentam a dificuldade de articulação e o perfil pouco institucional do presidente, que contribuem para a ausência de liderança e a difusão de crises.
– O PSL e o Bolsonaro se aproveitaram de um momento histórico favorável à direita, com um movimento basicamente anti-petista, e conseguiram vencer a eleição. Mas muitas das dinâmicas internas, como organização e modo de governo, são problemáticas – avalia Glauco Peres, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP).
Líder dessa direita repaginada desde 2015, quando se destacou como articulador nacional dos protestos anti-PT, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) aponta que "muita gente" se autointitulou direitista e foi eleita no tsunami anti-esquerda. Mas o fundador do Movimento Brasil Livre (MBL), que costuma criticar a família presidencial e se engalfinhar com bolsonaristas nas redes, argumenta que uma parcela desse grupo defende ideias opostas ao que ele considera essencial ao campo político, como protecionismo e soberania nacional.
– Tem pessoas que se colocaram como antagonistas da esquerda, mas que, por princípio, não têm grandes convicções. Aí, é como se fosse um cachorro que só sabe correr atrás do carro; quando o carro para, não sabe mais o que faz – ilustra Kataguiri.
Diferente do PT, que teve mais de duas décadas para se estruturar até alcançar o comando do país, a nova direita brotou das ruas, nas manifestações de junho de 2013, e atingiu o auge somente cinco anos depois, na figura de Bolsonaro eleito. Novato, o espectro político que chegou lá pela primeira vez, após décadas do dualismo social-democrata entre PT e PSDB, ainda engatinha para elaborar o seu plano de país. Enquanto isso, segundo o cientista político do Insper Fernando Schüler, incide em uma disputa por poder.
– Há muita diversidade naquilo que se chama de direita. Num momento de tensão eleitoral, ocorre um fenômeno de aglutinação política e tudo fica mais simples. Depois, a vida segue o seu curso normal e surgem as divergências. Isso é acentuado pelo poder, que introduz elementos como a distribuição de prerrogativas e recursos e o acesso ao Estado. As disputas internas dentro do PSL, por exemplo, têm muito pouco de ideológico; são disputas pelo controle da máquina partidária – analisa Schüler.
Hoje, gravitam à direita movimentos diversos: o liberal focado na economia, o conservador que dá ênfase aos costumes, o saudosista da ditadura militar, o lava-jatista e o bolsonarista "raiz", alinhado ao discurso agressivo do presidente e de seus filhos. Porém, de acordo com especialistas, nenhum desses campos está isolado. Vira e mexe, eles transitam entre si.
– Essa nova direita chegou ao poder muito rápido e, claramente, não discutiu o quanto queria ser institucional, democrata e liberal. Tem gente que achava que concordava com o colega e está descobrindo que, na realidade, discorda – pontua Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford.
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