Ao defender que a resposta a uma eventual radicalização da esquerda no país poderá ser “via um novo AI-5”, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) conseguiu unir partidos e entidades de diferentes matizes ideológicos em repúdio à declaração. No Congresso, parlamentares se movimentam pela cassação do mandato do deputado, enquanto seu pai, o presidente Jair Bolsonaro, se desculpou pelo filho.
A manifestação foi registrada em uma entrevista à jornalista Leda Nagle, concedida na segunda-feira e divulgada nesta quinta-feira (31) via Youtube. Eduardo falava sobre países governados pela esquerda — como Cuba e Venezuela — e manifestações violentas, como as registradas no Chile. Ao citar a luta armada contra a ditadura militar no Brasil no final da década de 1960, mencionou:
— Se a esquerda radicalizar esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada.
A resposta no Congresso Nacional foi forte e imediata. Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) classificou as declarações como "repugnantes, do ponto de vista democrático" e defendeu que sejam "repelidas com toda a indignação" pelas instituições brasileiras. Ele ainda sustentou que o teor da fala poderá levar a sanções.
"A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras. Ninguém está imune a isso. O Brasil jamais regressará aos anos de chumbo", disse Maia, em nota.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que é "um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática. E é inadmissível essa afronta à Constituição".
De volta ao Brasil após viagem à Ásia e ao Oriente Médio, Jair Bolsonaro minimizou a repercussão, afirmando que o "AI-5 existiu no passado" e que quem mencionar um possível retorno "está sonhando". Ao ser perguntado por um jornalista se irá cobrar explicações do filho, se exaltou:
— Cobre você dele. Ele é independente. Tem 35 anos. (...) Mas, tudo bem. Se ele falou isso, que eu não estou sabendo, lamento, lamento muito — disse o presidente da República.
No entanto, um dos principais conselheiros de Bolsonaro no Palácio do Planalto, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, general Augusto Heleno, usou tom diferente do chefe. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, disse que se houver manifestações no Brasil semelhantes às chilenas, será preciso tomar uma atitude.
— Não ouvi ele (Eduardo Bolsonaro) falar isso. Se falou, tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir. Acho que, se houver uma coisa no padrão do Chile, é lógico que tem de fazer alguma coisa para conter. Mas até chegar a esse ponto tem um caminho longo — destacou Heleno.
Ainda durante a tarde, partidos identificados com a direita e com o centro, como PSDB, MDB, Republicanos, Cidadania e Novo, repudiaram o flerte com a ditadura.
O PSL, partido que abriga a família Bolsonaro, divulgou nota onde "repudia integralmente" a manifestação. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) — próxima ao presidente da sigla, Luciano Bivar — afirmou que a democracia "vive grave risco".
Já a deputada Alê Silva (PSL-MG) defendeu o colega, dizendo que o AI-5 foi instituído quando "vivíamos à mercê de uma esquerda terrorista" e que, se "esse estado de guerra voltasse, talvez realmente não teríamos outra alternativa".
A oposição se movimenta para pedir a cassação do mandato de Eduardo e apresentar uma queixa-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na tribuna da Câmara, o líder do grupo, Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou que irá protocolar uma representação no Conselho de Ética da Casa por quebra de decoro parlamentar na próxima semana.
— Ele abusa das prerrogativas que tem. Usa a imunidade que tem para ameaçar a democracia e invocar atos autoritários que o Brasil não quer se recordar (...) Não aceitaremos mais que, aqui nesta Casa, se faça apologia da tortura, do assassinato ou da quebra da democracia — pontuou.
Guardião da Constituição, o STF não emitiu posicionamento oficial até o início da noite desta quinta. Ainda assim, o ministro Marco Aurélio Mello disse que a declaração de Eduardo indica que "a toada não é democrática-republicana. Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos".
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, salientou que a fala é "um flerte inaceitável com exemplos fascistas e com um passado de arbítrio, censura à imprensa, tortura e falta de liberdade".
Apesar das críticas, Eduardo voltou a defender a ditadura militar. No entanto, no final da tarde, pediu "desculpas a quem, por ventura, tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5".