Em outro momento, um deputado federal de 35 anos que falasse em volta do AI-5 seria simplesmente ridicularizado e chamado de viúvo da ditadura, ainda que não tenha vivido seus horrores.
Estamos em outubro de 2019 e o deputado que defende abertamente medidas típicas de um regime de exceção é Eduardo Bolsonaro, um dos conselheiros do presidente da República, o filho que ele chama de Zero Três, pela ordem de nascimento, e a quem com frequência se refere como "garoto", apesar da calvície incipiente.
O "garoto" que não consegue sair da adolescência e adora brincar com armas é o mesmo que, em 2018, disse que para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF) bastaria um cabo e um soldado.
A ameaça de volta de um sucedâneo do AI-5 — o famigerado Ato Institucional que instituiu um período de trevas no Brasil do final dos anos 1960 e se estendeu pelos anos seguinte — foi feita de forma aparentemente casual, em uma programa da jornalista Leda Nagle, veiculado na internet.
Com o desprezo outras vezes já demonstrado pelas instituições democráticas, Eduardo ventilou a hipótese de o governo adotar medidas de força no caso de "a esquerda" promover atos como os que estão ocorrendo no Chile e avançar para a radicalização, referindo-se a episódios protagonizados por movimentos de esquerda durante o regime militar. Disse o filho do presidente:
— A gente, em algum momento, tem que encarar de frente isso daí. Vai chegar um momento em que a situação vai ser igual ao final dos anos 1960 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando executavam e sequestravam grandes autoridades, como cônsules e embaixadores, execução de policiais e de militares. Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta ela pode ser via um novo AI-5, via uma legislação aprovada por plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada.
Detalhe: o Brasil teve manifestações violentas em 2013, com a ação de black blocs, e retornou à normalidade sem precisar atropelar a democracia. Hoje, sequer há protestos numerosos nas ruas. Falar em sequestro de aviões e de autoridades, como se o país estivesse à beira da convulsão, é jogar para a torcida de ensandecidos que ainda vive no clima da Guerra Fria, enxergando inimigos atrás de qualquer pessoa que não compactue com suas fantasias sobre uma suposta conspiração comunista internacional.
A primeira pergunta a ser feita depois dessa patacoada é se Eduardo expressou uma opinião pessoal ou se discutiu o tema com o pai no churrasco de domingo ou no café da manhã, enquanto mordiscava um pãozinho com leite condensado. A segunda é o que acham dessa ideia os generais que integram o governo, a começar pelo vice-presidente Hamilton Mourão.
No Congresso, onde até hoje não conseguiu o respeito dos seus pares, o ex-quase-futuro embaixador do Brasil foi execrado por parlamentares de diferentes partidos e correntes ideológicas, incluindo os de direita. Com razão, porque ao falar em "legislação aprovada por plebiscito, como ocorreu na Itália", o eterno adolescente está desprezando deputados e senadores e trabalhando com a hipótese de fechamento do Congresso.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tem ajudado a aprovar as reformas e a garantir a estabilidade no país, foi um dos primeiros a reagir. Maia definiu a declaração do Zero Três como "repugnante e passível de punição". Em nota, Maia escreveu:
"Uma Nação só é forte quando suas instituições são fortes. O Brasil é um Estado Democrático de Direito e retornou à normalidade institucional desde 15 de março de 1985, quando a ditadura militar foi encerrada com a posse de um governo civil. Eduardo Bolsonaro, que exerce o mandato de deputado federal para o qual foi eleito pelo povo de São Paulo, ao tomar posse jurou respeitar a Constituição de 1988. Foi essa Constituição, a mais longeva Carta Magna brasileira, que fez o país reencontrar sua normalidade institucional e democrática".
Aliás
Depois da condenação praticamente unânime ao impropério de especular sobre um possível retorno do AI-5, o deputado Eduardo Bolsonaro pediu desculpas e se fez de vítima e creditou a repercussão a uma “interpretação deturpada” de sua fala.
Ou seja, ele não errou; o mundo é que entendeu errado.
Um bate, o outro assopra
Ao ser questionado sobre a declaração do filho Eduardo sobre um possível retorno do AI-5, o presidente Jair Bolsonaro repetiu a estratégia do “bate e assopra”, que já usara em outros momentos de destempero verbal dos rebentos. E relativizou.
– Ele é independente, tem 35 anos. Se ele falou isso, que não estou sabendo, lamento, lamento muito.
A essa altura, a afirmação do filho já havia sido alvo de duras críticas de deputados e senadores de diferentes partidos, incluindo aliados do governo.
– Não existe. AI-5 no passado existiu em outra Constituição, não existe nessa aqui, esquece. Quem quer que seja que fale de AI-5 tá falando...tá sonhando! Tá sonhando! Não quero nem que dê notícia nesse sentido aí – disse Bolsonaro, quando saía do Palácio da Alvorada.