Diante do iminente aval para o aumento dos salários dos servidores estaduais, o governador eleito Eduardo Leite (PSDB) terá de duplicar a pressão sobre os deputados para tentar barrar os reajustes aos demais poderes. Ao aprovar o acréscimo de 16,38% nos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o Senado abriu uma comporta que deságua em todo o funcionalismo público nacional, provocando um efeito cascata nas finanças gaúchas.
Futuro herdeiro de um déficit de R$ 3 bilhões no orçamento, Leite já vinha clamando a sua base para rejeitar os projetos de aumento que tramitam na Assembleia. Agora, também pede que também neguem a repercussão do aumento dos magistrados no Estado.
Somados, os aumentos nos vencimentos gerariam um impacto estimado em R$ 387,6 milhões ao ano — 225,6 milhões em razão do efeito cascata e mais R$ 162,2 milhões relativos ao reajuste de 5,58% dos servidores do Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas, Defensoria Pública e Assembleia Legislativa. Enquanto os poderes negociam, os servidores do Executivo sequer receberam o salário de outubro — os depósitos devem iniciar na segunda-feira (12), de acordo com a Secretaria da Fazenda.
— A grave crise que o Estado atravessa, com servidores do Executivo sem receber em dia seus salários, torna inoportuna a concessão de reajustes — disse Leite, enquanto cumpria compromissos em São Paulo.
No Rio Grande do Sul, o coordenador da equipe de transição do tucano, Lucas Redecker (PSDB), cobrou responsabilidade do parlamento. Segundo o deputado, a orientação ao núcleo do futuro governo é voto contrário a qualquer incremento de despesa.
— Não é o momento, em um Estado que vive uma crise fiscal do tamanho da nossa, de ter qualquer reajuste antes de sanarmos as contas públicas — defendeu Redecker.
Para entrarem em vigor, os reajustes precisam serem aprovados pelo Legislativo e sancionados pelo Executivo. A cada poder, cabe o envio do projeto de lei à Assembleia.
De despedida, o governo José Ivo Sartori (MDB) garante que determinou à base o voto contra. Líder do Palácio Piratini na Assembleia, Gabriel Souza (MDB) refutou a tradição do plenário de conceder reajustes aos fins dos mandatos:
— O aumento de gasto público gera um sentimento de injustiça muito grande por parte dos servidores do Executivo, que, à exceção da área da segurança, estão sem reposição há mais de quatro anos.
Diante do aval do Senado, a discussão sobre a automaticidade ganha força na Assembleia — a proposta consiste em atrelar o aumento dos poderes aos ministros do Supremo sem a necessidade de submeter o pedido ao plenário. Para o presidente da Casa, Marlon Santos (PDT), cada poder precisa arcar com a responsabilidade pelos aumentos aos seus servidores:
— Enquanto continuar essa lenga-lenga, eles (os poderes) propõe e quem dá o aumento é o próprio parlamento. E aí, tome pressão na cabeça do parlamento.
Pelo WhatsApp, o deputado Jeferson Fernandes (PT) disparou uma mensagem de voz sobre o projeto "que está sendo tramado nos bastidores da Assembleia".
— Precisamos alertar a sociedade gaúcha a fim de que não passe esse trenzinho de alegria na sociedade gaúcha — alertou o petista.
O impacto
Reajuste de 5,58% aos servidores e o custo anual (dados em R$)
- Tribunal de Justiça: 92,6 milhões
- Tribunal de Justiça Militar: 754,4 mil
- Tribunal de Contas do Estado: 16,6 milhões
- Ministério Público: 20,4 milhões
- Defensoria Pública: 1,9 milhão
- Total: 132,25 milhões
Com a inclusão dos servidores do Legislativo (R$ 30 milhões), deve chegar a R$ 162,25 milhões.
Efeito cascata do reajuste no STF
Os subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) correspondem ao teto do serviço público nacional. Quando o valor aumenta, acaba provocando reflexos no Judiciário, no Ministério Público e nos poderes Legislativo e Executivo, em todos os níveis.
R$ 225,6 milhões é o impacto estimado no Rio Grande do Sul. Em todos os casos, os aumentos devem ser aprovados pela Assembleia e receber sanção do governador.
JUDICIÁRIO
Os vencimentos da categoria são amarrados aos dos magistrados do STF, de forma escalonada. Desembargadores, por exemplo, ganham 90,25% do subsídio dos ministros. Exemplo:
Subsídio de desembargador
Hoje: R$ 30.471,11
Com reajuste: R$ 35.462,28
Impacto anual estimado no RS: cerca de R$ 86 milhões
MINISTÉRIO PÚBLICO
A lógica é semelhante à do Judiciário. Procuradores de Justiça, por exemplo, têm o salário limitado a 90,25% do subsídio dos ministros do STF. Exemplo:
Subsídio de procurador
Hoje: R$ 30.471,11
Com reajuste: R$ 35.462,28
Impacto anual estimado no Estado: cerca de R$ 28 milhões
LEGISLATIVO
Deputados estaduais recebem até 75% do subsídio dos ministros do STF. Exemplo:
Salário básico de um deputado estadual
Hoje: R$ 25.322,25
Com reajuste: R$ 29.470,03
Impacto anual estimado no RS: cerca de R$ 3,4 milhões
EXECUTIVO
Na teoria, ninguém deveria ganhar mais que o governador (R$ 25.322,25), mas uma emenda constitucional de 2008 determinou que, no Executivo estadual, o teto é o subsídio de desembargador (R$ 30.471,11). Portanto, se esse subsídio aumenta, automaticamente, cresce o teto (e reduz a parcela devolvida por quem ganha acima). Exemplo:
Salário básico do governador
Hoje: R$ 25.322,25
Com reajuste: R$ 29.470,03
Impacto anual estimado no RS: cerca de R$ 40 milhões
OUTROS ÓRGÃOS
Tribunal de Contas do Estado (TCE) e Defensoria Pública
No caso de conselheiros do TCE e de defensores públicos (classe especial), o salário básico passaria de R$ 30.471,11 para R$ 35.462,28.
Impacto anual estimado no RS
TCE: cerca de R$ 28,2 milhões
Defensoria: cerca de R$ 40 milhões