As consequências drásticas da enchente de maio converteram o sistema de proteção da cidade na principal preocupação dos eleitores de Porto Alegre. Sentimento captado nas pesquisas de intenção de voto, o foco na discussão das defesas anti-cheia deixou para trás temas tradicionais de interesse da população, como saúde, educação, segurança, transporte público e combate à corrupção.
Atualmente, o sistema de contenção da Capital é formado por 68 quilômetros de diques, 14 comportas, 23 casas de bombas e o Muro da Mauá (veja o mapa abaixo).
Falhas generalizadas foram registradas na enchente, e a cidade foi invadida pelo Guaíba e pelos rios Jacuí e Gravataí. Nos bairros Menino Deus e Cidade Baixa, a água emergiu dos esgotos pluviais.
A reportagem convidou os principais candidatos à prefeitura a aprofundarem propostas e intenções para recompor e modernizar o aparato de proteção. Confira abaixo, em tópicos, as principais ideias de Felipe Camozzato (Novo), Juliana Brizola (PDT), Maria do Rosário (PT) e Sebastião Melo (MDB).
Felipe Camozzato
>> Adotar soluções modernas para a contenção de enchente. Uma das opções mencionadas é um sistema modular instalado conforme o ritmo de subida da água. As peças da proteção são painéis ocos de alumínio estrutural que, depois de montados, formam extenso paredão. O modelo se vale da pressão da água para melhorar a compressão dos elementos de vedação das placas.
>> O sistema modular é utilizado com sucesso na cidade de Grein, na Áustria, cita o engenheiro civil especializado em hidrologia Leomar Teichmann, que colabora com o plano de governo de Camozzato no tema da contenção de enchente.
>> Para o Cais Mauá, a ideia é ter uma estrutura fixa de proteção, uma arquibancada contemplativa, de cerca de um metro, construída à beira da água. Isso garantiria proteção aos armazéns e ao Centro Histórico. Para situações extremas, o sistema modular seria montado acima da arquibancada. A combinação das duas técnicas poderia alcançar altura semelhante à do Muro da Mauá, que tem três metros acima do solo.
>> Para outras zonas da cidade, o sistema modular e a arquibancada poderiam ser replicados. Um dos exemplos mencionados por Camozzato é a possibilidade de construir uma arquibancada em Ipanema, entre outros bairros da Zona Sul, para proteger a região. A estrutura teria altura limitada, em torno de um metro, a depender de estudos de engenharia, e não atrapalharia a contemplação do Guaíba.
>> Construir novas bacias de retenção. É uma caixa d'água de grande proporção que fica abaixo da superfície. As bacias podem ser de amortecimento, de retenção e de detenção. As caixas conseguem armazenar grandes volumes de água, sobretudo no método de detenção, funcionando como um pulmão para todo o sistema de proteção de enchente.
>> As bacias de retenção retardam o fluxo da água no sistema de escoamento. Isso traz dois benefícios: impedir a sobrecarga das casas de bombas e evitar alagamentos nas partes mais baixas da cidade.
>> A campanha de Camozzato assegura ter feito levantamentos técnicos, com o auxílio de equipe de engenharia, e detectado que o aparato de proteção de enchente está incompleto. Diques estão com altura menor do que o projetado, afirma. Essa falha também foi apontada no relatório final do Programa do Governo Holandês de Redução de Risco de Desastres e Suporte a Surtos (DRRS), que fez uma análise do sistema após a enchente.
>> Também são mencionados pela candidatura a falta de manutenção e a utilização de equipamentos de cinco décadas nas casas de bombas. A avaliação é de que o sistema não é seguro e precisa passar por revisão geral e atualização.
>> Os diques ficaram semanas debaixo d'água e sua solidez e capacidade estrutural estão comprometidas, diz a campanha. A avaliação é de que eles precisam ser testados e reforçados, com alargamentos. Só depois disso devem ser elevados em altura.
>> Trabalhar pela remoção de famílias de áreas de risco, com aproveitamento de imóveis que pertencem ao poder público.
Juliana Brizola
>> Os técnicos que auxiliam a campanha avaliam que o Arroio Feijó, que deságua no Rio Gravataí, é estratégico. Na enchente de maio, o Feijó encontrou um Gravataí elevado e teve dificuldade para escoar. Em consequência, transbordou e contribuiu para inundações severas nos bairros Sarandi e Humaitá. Um novo sistema de diques que controle o Arroio Feijó e ajude no escoamento para o Gravataí, sem transbordar para dentro da cidade, é um plano prioritário.
>> Para reparar o sistema de proteção, a campanha defende uma série de ações emergenciais. Uma delas é a instalação de geradores nas casas de bombas para evitar interrupção de funcionamento em caso de queda da energia elétrica. Elevar os painéis de controle das casas de bombas. Isso impede que o equipamento fique submerso, em caso de inundação, e deixe de funcionar.
>> Ainda nas medidas emergenciais, fazer manutenção nas comportas e qualificar as vedações. Adotar prática contínua de limpeza de bueiros e galerias pluviais.
>> Desenvolver um sistema de monitoramento e alerta para a população em situações de emergência.
>> A candidatura defende o conceito de cidade esponja. É citada a reconhecida experiência de São Paulo com os jardins de chuva, áreas verdes dentro da cidade que aumentam a permeabilidade do solo e reduzem a incidência de alagamentos. A prefeitura de SP anunciou que pretende encerrar 2024 com a entrega de 400 unidades de jardins de chuva.
>> É objetivo da candidata oferecer desconto no IPTU para residências e empresas que adotarem telhados verdes. A instalação de cisternas também é mencionada como opção de retenção da água.
>> No tema da cidade esponja, a candidata defende que o asfalto impermeável não pode ser a única alternativa para o recapeamento das vias urbanas. Ela avalia que é possível adotar o paralelepípedo em ruas de baixo movimento, sem trânsito de veículos pesados, para melhorar a absorção da água pelo solo.
>> A campanha menciona a necessidade de buscar tecnologias como a do asfalto poroso. Esse tipo de piso tem capacidade de absorver a água e ajuda a evitar alagamentos.
>> Exigir que grandes empreendimentos façam investimentos em proteção do meio ambiente como contrapartida pelo impacto causado.
>> O escoamento da bacia hidrográfica do Guaíba é uma tarefa regional, envolvendo municípios da Região Metropolitana. A avaliação é de que terá de ser criada uma coordenação, envolvendo as prefeituras e os governos do Estado e da União, para a discussão e execução de projetos de grande porte na contenção de enchente*.
>> A campanha diz que não é viável fazer promessas de obras específicas antes da conclusão de minuciosos estudos de engenharia.
Maria do Rosário
>> Criar um sistema de operação contínua nas casas de bombas, com manutenção permanente de motores e geradores. A checagem diária terá objetivo de sanar problemas e evitar falhas em caso de enchente. Para executar a tarefa, irá criar estrutura nos moldes do antigo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP).
>> O novo departamento terá a atribuição de cuidar da drenagem urbana. Ele também será capacitado para monitorar o clima, aliado a um sistema de alertas de emergência.
>> A candidata cita o Serviço Geológico do Brasil para apontar que existem 80 mil pessoas residindo em áreas de riscos de enchente e deslizamento em Porto Alegre. Muitos vivem em encostas de morros e margens de arroios. O objetivo é manter nas residências os que puderem ter segurança garantida a partir da instalação de tecnologias porosas de contenção de deslizamentos, por exemplo.
>> A China é mencionada como um exemplo de sucesso na contenção de encostas com materiais porosos e recuperação de áreas degradadas.
>> Para as famílias que não tiverem garantia de segurança, a candidata pretende fazer remoções negociadas, com transferência para moradias dignas. A proposta de governo menciona a intenção de dar usos alternativos aos terrenos em áreas de risco, desde que isso seja adequado, com hortas e pomares coletivos ou parques, para evitar que sejam objeto de novas habitações.
>> A fiscalização é citada como necessária para evitar reocupações de áreas de risco por moradias.
>> Para os arroios, a ideia é o plano de recuperação da mata ciliar, para conter o assoreamento e a erosão das margens.
>> Conceito da cidade esponja. Uma das intenções é instalar pisos ecológicos e porosos, que absorvam a água da chuva, no recapeamento urbano. Pisos drenantes, como blocos intertravados, podem ser adotados nas ruas de bairro em que não trafegam veículos pesados. Para a candidata, o asfalto e o concreto dificultam o escoamento e não podem ser as únicas alternativas de recapeamento.
>> A correta destinação de resíduos sólidos é parte do plano de contenção de enchente. A intenção é reforçar a coleta seletiva e aumentar o reuso de recicláveis. Ela aponta que, atualmente, apenas 3% dos resíduos da cidade são reciclados.
>> Recriar a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, de caráter exclusivo, com foco nas políticas de preservação e licenciamento de empreendimentos. Atualmente, o Meio Ambiente está vinculado ao tema do Urbanismo.
>> Plantio de árvores como parte do conceito de cidade esponja, absorvendo água da chuva. Fiscalizar e coibir a atuação da CEEE Equatorial em podas consideradas agressivas.
>> No Sarandi, estudar a ampliação da capacidade de casas de bombas 10. Neste bairro, a candidata entende que é preciso preservar áreas de várzea e ter atenção a futuros licenciamentos. Na avaliação dela, a prefeitura autorizou aterros prejudiciais na região.
>> Recuperar o sistema de proteção de enchente, refazendo trechos danificados, e buscar qualificação e ampliação, com recursos federais do PAC.
Sebastião Melo
>> Uma das principais apostas é a contratação do professor emérito da UFRGS Carlos Tucci, diretor de hidrologia da empresa Rhama Analysis, para a elaboração de um novo sistema de proteção que leve em consideração o volume de chuvas de maio de 2024. O contrato entre a prefeitura e a Rhama Analysis está em fase final de elaboração e será assinado em breve.
>> O entendimento é que uma nova realidade de volume de chuva requer a revisão e reestruturação do sistema. A idealização contempla dois aspectos. O primeiro deles é recompor um sistema de proteção mais robusto onde ele já existe, na área entre os bairros Sarandi e Cristal.
>> Para a estrutura existente, é mencionada a dupla alimentação de energia nas casas de bombas, sendo uma delas exclusiva. Com o reforço, se uma das linhas cai, a outra pode fazer a substituição. Isso manteria o funcionamento das casas de bombas, que removem a água de dentro da cidade e da rede pluvial em direção ao Guaíba e outros rios da bacia.
>> O candidato cita a disposição de geradores em casas de bombas estratégicas, além da adoção de motores que possam trabalhar submersos. A instalação de painéis e demais estruturas eletrônicas será feita em alturas elevadas. O objetivo é modernizar e evitar que componentes fiquem submersos e deixem de funcionar.
>> O segundo aspecto do projeto idealizado é o desenho e a construção de um sistema de proteção para regiões da cidade onde isso não existe: desde a Vila dos Pescadores, no bairro Assunção, até o Lami. Entre esses pontos, há bairros importantes, como Ipanema, que não dispõem de defesas. A intenção é equipá-los com proteções que serão desenhadas e construídas.
>> Fechar definitivamente sete ou oito das 14 comportas que existem no sistema de diques da cidade. O bloqueio total das passagens melhoraria a retenção de águas e não traria prejuízos à circulação urbana.
>> Dar continuidade às obras de recomposição dos diques. Os trabalhos de reconstrução começaram nas estruturas da Fiergs e na Vila Brasília, ambas na Zona Norte.
>> O candidato tem sido enfático ao afirmar que as obras de proteção devem envolver os governos do Estado e da União. A limpeza do Guaíba, cuja competência é do Estado, é considerada urgente. As fortes correntezas que desceram de outros rios da bacia ampliaram o assoreamento pelo acúmulo de areia e detritos. Sem dragagem, o cenário tende a facilitar futuras cheias.
>> A candidatura enfatiza que as obras de proteção vão além de Porto Alegre e envolvem transformações importantes na bacia hidrográfica do Guaíba. Isso demanda altos investimentos na Região Metropolitana. O entendimento é de que uma governança estadual ou federal precisa ser estabelecida para liderar o processo*. A prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, não tem autoridade para interferir ou mesmo investir em construções nas cidades vizinhas.
* Em 17 de setembro, foi anunciado que caberá ao governo estadual executar as obras do sistema de prevenção de enchente no RS, com o uso de recursos de um fundo. As ações serão monitoradas por um conselho de cooperação com integrantes dos governos estadual e federal.