À frente de uma inédita aliança PT-PSOL na disputa pela prefeitura de Porto Alegre, Maria do Rosário defende uma profunda intervenção pública na cidade, com obras de proteção nas áreas de risco e reestruturação dos órgãos de água e esgoto. Aos 57 anos, a deputada federal prega ainda jornada dupla na rede de ensino, construção de três policlínicas de saúde e revisão da venda da Carris.
A entrevista faz parte de uma série com os quatro principais candidatos à prefeitura da Capital; veja as datas:
- 16/set - Felipe Camozzato (NOVO)
- 17/set - Juliana Brizola (PDT)
- 18/set - Maria do Rosário (PT)
- 19/set - Sebastião Melo (MDB)
Confira os principais trechos da entrevista com Maria do Rosário:
Como evitar que Porto Alegre sofra de novo os efeitos de uma enchente como a de maio?
Com consciência climática e gestão que responda às necessidades estruturais da cidade. Não foi culpa da natureza. Estávamos mais do que avisados e há duas responsabilidades. De um lado, a destruição ambiental. De outro, não se preparar, não fazer manutenção no sistema de proteção e esquecer de limpar bueiros, atender as casas de bomba, contratar geradores. Essas coisas básicas que faltaram levaram a um prejuízo humano, financeiro e ambiental incalculável para Porto Alegre. O que a gente decidir agora, na eleição, vai repercutir para daqui a 20 anos. Se continuar como está, a população vai continuar desprotegida.
A senhora defende remoção de 80 mil pessoas que hoje vivem em 142 áreas de risco em Porto Alegre. Como fazer isso e para onde levar essas famílias?
Não defendo a remoção, mas a qualificação dessas áreas para que deixem de ser de risco. Talvez exista necessidade de remoção nas situações mais graves, mas primeiro vem a vida. Vou buscar recursos para ampliar o Minha Casa Minha Vida e a política habitacional. As cooperativas habitacionais têm construído mais moradias do que o Demhab (Departamento Municipal de Habitação0.
Sem tirar as pessoas, como retirar o risco?
Com interferência, ação pública do Dmae (Departamento Municipal de Água e Esgotos), do DEP (Departamento de Esgotos Pluviais), sobretudo em beira de arroio, onde há espaçamento necessário entre a margem e as moradias. O Serviço Geológico Nacional indica que, entre 2013 e 2022, cresceu cinco vezes a população em área de risco. Cascata, Glória, Embratel, Morro da Cruz, Lomba do Pinheiro e Morro Santana têm áreas que vivem grandes dificuldades. A prefeitura deve estar atenta, o que não significa desocupação da área, mas a avaliação de todas as moradias e investimentos em infraestrutura urbana.
A senhora é contra a concessão do Dmae e pretende recriar o DEP. Há recursos para universalizar água e esgoto até 2030, como determina o marco do saneamento?
A prefeitura está recebendo recursos do governo federal para isso e já perdeu R$ 124 milhões.
Não perderei um tostão, vou fortalecer o Dmae e recriar uma estrutura análoga ao DEP, inclusive com a Defesa Civil junto, para fazer monitoramento e manutenção de tudo o que é necessário.
Temos a missão de acabar com a indústria da torneira seca que foi instalada pelo prefeito Melo.
O DEP foi extinto por abrigar corrupção. Como garantir que não vá acontecer de novo?
Ao invés de punir os corruptos, acabaram com o órgão. A maioria dos engenheiros não foi colocada no Dmae. O município foi perdendo a inteligência, o conhecimento que tinha sobre a estrutura da cidade. A extinção do DEP foi absurda e os corruptos continuam aí, no Dmae, na Secretaria de Educação.
O índice da rede municipal caiu em todos os níveis no Ideb. Como reverter a queda e melhorar as notas?
Acabar com a corrupção na educação, investir esse dinheiro na estrutura das escolas, em jornadas pedagógicas, colocar os melhores professores nas escolas que estiverem com mais dificuldade e atuar para que as crianças fiquem mais tempo até conseguirmos cumprir jornada dupla. Vou fazer incentivo na alimentação, buscar recursos com a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), para conseguir dar café da manhã, lanche, almoço e a partir daí trabalhar a dimensão pedagógica. Vou colocar uniforme escolar. Custa R$ 20 milhões e dá pra fazer.
A senhora fala em rever parcerias na educação. Qual a alternativa para zerar o déficit nas creches?
Não vou rever, vou ampliar. Até porque é uma parceria que vem lá do governo Olívio Dutra. Dá para fazer mais e melhor os convênios. Pegar a Topo Gigio, que é uma escola comunitária com muita história no Morro da Cruz, mas não tem espaço para expandir, e com a mesma equipe gerencial alugar uma outra casa na mesma comunidade para duplicar o número de vagas. Gastaria menos para instalar novas creches do que se gasta hoje.
O seu programa cita adoção de linguagem inclusiva na documentação oficial. Há previsão de linguagem neutra na rede de ensino?
Não, de forma alguma. Eu nem uso. Agora, na documentação significa que a pessoa que vai a uma unidade de saúde se identifica como mulher ou homem, não é a prefeitura que vai julgar. Na rede escolar não haverá linguagem neutra, muito menos hino nacional cantado errado.
O Plano Diretor está sendo rediscutido. Que modelo urbanístico para a cidade a senhora defende?
De planejamento. Há um desmonte da responsabilidade com o planejamento urbano. Criou-se dois modelos diferenciados no Centro e no 4º Distrito que não levaram ao desenvolvimento diversificado dessas regiões. É muito importante que as regiões agreguem moradia, negócios, restaurantes, comércio, lazer, sempre cuidando da convivência entre as diferenças e agregando, sobretudo, meio ambiente.
A lógica atual da prefeitura é prédio alto em detrimento dos atuais moradores, sem se preocupar com insolação, afastamento entre os prédios e sem se dar conta que isso prejudica a qualidade de vida.
O modelo de Plano Diretor que eu tenho é ambiental, prioriza drenagem urbana e prevê que novos adensamentos de prédios deverão vir com contrapartidas de infraestrutura na rede de saneamento.
Hoje há uma Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. Pretende desmembrá-la?
Pretendo trabalhar com duas secretarias para que o planejamento urbano seja retomado com dimensão urbanística. Não significa burocratização, mas responsabilidade pública.
Planejamento e meio ambiente devem atuar juntos, sem descuidar de suas atribuições específicas. Ao misturar as duas, perdemos o cuidado com as árvores, com os parques.
A cidade vive um luto com o Parque Harmonia, houve um descuido ambiental gravíssimo. O corte de árvores foi criminoso, se não na dimensão penal, na dimensão ética .
Como resolver as filas no SUS?
Temos de melhorar o referenciamento e a central a regulação. É impressionante o crescimento da fila de cardiologia, oftalmo e ortopedia, áreas que desenvolvem lesões permanentes. Temos de fazer auditoria na fila para verificar urgências e emergências e priorizar atendimento. O presidente Lula disponibilizou uma policlínica, mas precisamos de outras duas. Quero criar essas três policlínicas onde também já está associado o exame clínico, laboratorial e de imagem. Vou trabalhar colada no Ministério da Saúde.
A senhora defende tarifa zero no transporte público, mas critica o repasse da prefeitura às empresas. Como fechar essa equação?
Não critico os recursos para tornar a tarifa mais acessível, critico porque a prefeitura virou funcionária das empresas. Quem paga a conta é a população, e a prefeitura não cobra qualidade. Tiraram os cobradores e não colocaram ninguém como auxiliar. Não posso me comprometer, mas vou estudar a figura de um auxiliar nos horários de pico. Vamos buscar recursos federais para a tarifa zero.
A senhora cogitou a criação de um imposto para financiar a tarifa zero e voltou atrás.
Não voltei. Tarifa zero é um objetivo, mas não dá para chegar lá no primeiro período de governo. Nossa proposta é transformar o que é pago pelas empresas de vale-transporte num fundo junto com o subsídio que a prefeitura paga. No nosso cálculo, o custo médio do empregador com cada funcionário é de R$ 155 ao mês e passaria a R$ 143,23. Empresas com até 10 funcionários pagariam a metade. Com esses recursos, mais os R$ 132 milhões que a prefeitura repassa, seria possível completar a totalidade do custo de operação.
A senhora pretende rever a venda da Carris?
Pretendo olhar com lupa. Muitas pessoas me apresentam que a prefeitura teve grande prejuízo, até porque a venda se dá em módicas prestações em longuíssimo prazo. Se a Procuradoria-Geral do Município me apresentar algum caminho para reestatizar, farei isso.
Pretende revisar a planta de valores do IPTU?
Não. A cidade vive um momento muito difícil, não devemos jogar sobre a cidade nenhuma instabilidade.
Sua coligação tem forte vínculos com os sindicatos de servidores. Como evitar ficar refém das corporações?
Com muito diálogo. Não dá para fazer serviço público sem servidores e não os quero se sentindo como hoje, fora da gestão e da decisão. Vou governar com servidores, serão ouvidos.
A senhora diz na propaganda que foi ministra do Brasil. Por que não diz que foi ministra dos Direitos Humanos e do governo Dilma?
Porque meus adversários tentam ao longo de muito tempo destruir a imagem dos direitos humanos. É criminoso o que fizeram contra a expressão dos direitos humanos no Brasil. E eu preciso dialogar mostrando um trabalho mais amplo.
A senhora também se apresenta como Maria, se diz cristã e usa no slogan a palavra fé. É para reduzir a rejeição?
Na política muitas pessoas me chamam de Rosário, mas nas comunidades me chamam de Maria. Eu sou católica, essa é minha formação. Ocorre que nós, mulheres, enfrentamos várias batalhas na vida política, tentam nos desumanizar, nos descaracterizar e nos colocar dentro de moldes que não são exatamente quem nós somos. Sou múltipla, plural, mas jamais contraditória. Acredito que a defesa dos direitos humanos é um processo ético, civilizatório entre os seres humanos e hoje abarca também a dimensão ecológica.
A senhora aprovou no Congresso a isenção do IPI na linha branca para os afetados pela enchente, mas o presidente Lula vetou. Faltou articulação com o governo ou empatia do presidente?
Ele não queria vetar, mas a Fazenda disse que texto não garante que o desconto chegue ao consumidor final. Ele ficou de resolver e estou cobrando que resolva.