Quem anda nos ônibus de Porto Alegre percebe que a presença dos cobradores é cada vez menor. De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), 68% do sistema já está operando sem esses profissionais — e a estimativa é de que, até o final do ano, o número chegue a 75%.
Conforme a Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), em dois anos e meio houve uma redução de 53,2% no número de cobradores nas 11 empresas que formam os consórcios MOB, Viva Sul e Via Leste. Atualmente, 585 pessoas desempenham a função nessas companhias — quando a extinção gradual teve início na Capital, em fevereiro de 2022, eram 1.250.
Em junho do ano passado, para efeito de comparação, reportagem de Zero Hora apontou para 895 funcionários ocupando o posto nas mesmas empresas.
Além dos profissionais que constam no levantamento da ATP, há ainda 188 cobradores ativos na Carris. Dessa forma, o total chega a 773 profissionais atuando na Capital.
Reclamações de motoristas e passageiros
No mês passado, a linha T1 passou a circular sem alguém ocupando a poltrona elevada ao lado da roleta. A retirada, que foi gradual nesse itinerário, está concluída.
A reportagem de Zero Hora circulou na linha nesta semana e conversou com motoristas e passageiros. Os funcionários, que preferiram não ser identificados, relataram que ficou mais difícil desempenhar a função.
— Agora tem que cobrar, dirigir, cuidar a porta, fazer tabela. Eles nos pagam 15% a mais, mas deveria ser uns 25% — afirmou um deles.
Entre os passageiros, há quem diga que não sente tanta diferença por usar o cartão TRI no pagamento. Outros, entretanto, notam dificuldade na hora do troco quando pagam em dinheiro.
— Hoje mesmo deu problema no meu cartão. O motorista não tinha troco. Para contar na hora, é complicado. Eu pego também o (ônibus da linha) 476 e acho insalubre o motorista ter que contar o troco enquanto dirige na avenida. Não me parece uma condição de trabalho legal — afirma o estudante Anthony Vargas, de 23 anos.
Para facilitar o pagamento no transporte público, foi implementado o aplicativo TRI, no qual pode ser feita a compra de passagens por Pix. A liberação na catraca é realizada pelo condutor a partir da leitura do QR Code digital, gerado no celular e lido no aparelho onde o cartão também é passado.
Além da função principal, o cobrador podia cuidar mais da organização do ônibus, o que era bom para gente. Quando alguém tinha dúvida, também ajudava.
ERIC SON, 29 ANOS, ESTUDANTE
Conforme o Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários de Porto Alegre, a categoria chegou a contar com cerca de 2,5 mil cobradores.
— Recebemos reclamações tanto dos passageiros como dos próprios motoristas. Redobrou o serviço deles. Eles já estavam com o acúmulo de função, e agora piorou. Eles têm que estar cuidando porta, troco, cobrando passagem, cadeirante — relata o vice-presidente do sindicato, Alessandro Avila.
Realocação em outras vagas
À medida em que foram sendo fechados os postos de trabalho, as empresas passaram a oferecer vagas internas para os cobradores. Além de chapeação, oficina, almoxarife, alguns também se tornaram motoristas.
Na Carris, desde que a gestão da empresa foi repassada à iniciativa privada, em janeiro deste ano, 61 funcionários deixaram o posto e foram realocados nos departamentos de Administração, Manutenção e Tráfego.
Já nos consórcios, segundo a ATP, em dois anos e meio, pelo menos 300 cobradores foram alocados em outras funções dentro das próprias empresas.
É o caso de Cleber Santos, que atuou 15 anos como cobrador nas linhas de ônibus da Zona Norte. Em julho, ele passou a trabalhar na oficina da Nortran.
A carreira de cobrador foi muito boa, mas é um salto corajoso. Fui de uma função em que eu era praticamente sedentário, ficava só sentado, para uma que preciso replicar minha força. Faço 10 vezes mais força, mas estou gostando. Bem melhor do que ficar só sentado.
CLEBER SANTOS, FUNCIONÁRIO DA NORTRAN
Já Adair da Silva atuou na função de maio de 2018 até maio de 2023. Em junho do ano passado, passou a trabalhar na chapeação da Sopal.
— Sinto saudade do atendimento ao público, porque gostava bastante da função que eu exercia. É tudo muito diferente, mas eu me adaptei — explica Adair, que afirma que o ambiente da empresa ajuda.
Após cinco anos como cobrador, Denis Sutério virou almoxarife.
— A transição foi tranquila. Tem sido um aprendizado. A questão salarial também não mudou tanto, só a insalubridade que teve um acréscimo. Tive meu tempo como cobrador, foi muito proveitoso, mas agora a escala também é melhor — afirma.
Nem a Carris nem a ATP informam o número de pessoas desligadas em razão da adequação.
A remoção dos cobradores de todos os ônibus da Capital está prevista para ser concluída até dezembro de 2025. Ou seja, em 2026, todos os coletivos porto-alegrenses passariam a circular sem a presença desses profissionais.