Em fevereiro do ano passado, a prefeitura de Porto Alegre autorizou a primeira leva de linhas do transporte público municipal a operar sem cobrador. Era o início do projeto que pretende extinguir a função até o final de 2025. Pouco mais de um ano depois, a Capital já tem 355 cobradores a menos, uma redução de 28,4%. Isso porque eram 1.250 profissionais na função, hoje são 895. Mas o que aconteceu com estes trabalhadores?
Conforme um levantamento da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), feito a pedido de GZH, o grupo se dividiu. Do todo, 169 cobradores optaram por migrar para a função de motorista. Outros 186 seguiram outros caminhos, seja em funções diferentes dentro das empresas onde atuavam, seja se aposentando ou optando pelo desligamento.
Conforme a ATP, “as empresas têm oferecido oportunidades como a da escola para os que desejam se tornar motorista, assim como há outras dezenas de cursos oferecidos pelo Sest/Senat”. A associação aponta que “essa requalificação no mercado de trabalho ou dentro da própria empresa é um processo gradual”. Ou seja, há profissionais que deixam a função de cobrador e ainda estão passando por um período de adaptação e treinamento para assumir, por exemplo, a função de motorista.
É importante ressaltar que os dados do levantamento da ATP não incluem a Carris. A prefeitura também não compartilha os dados da específicos da empresa, apenas um apanhado geral do sistema.
Segundo a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), aliás, já são 186 linhas que operam sem cobrador na cidade, o que representa, segundo o município, que 42,8% do sistema está sem estes profissionais. A proporção é maior do que a redução do quadro geral, pois como explica a ATP, “é preciso um número maior de cobradores do que o número de linhas, já que o serviço não é feito com apenas um cobrador para cada linha”.
O presidente do Sindicato dos Rodoviários de Porto Alegre (Stetpoa), Sandro Abbade, confirma que nenhuma demissão por justa causa ocorreu desde que o novo modelo entrou em vigor. E que também há bastante diálogo para que os profissionais escolham se querem seguir na área do transporte, fazendo a troca para a função de motorista.
– Quem fez os cursos (para motorista ou outras funções) e preferiu sair, recebeu as devidas verbas indenizatórias – garante Sandro.
Cursos de qualificação
Os cursos ao qual o presidente do Stetpoa se refere são as diferentes possibilidades apresentadas aos profissionais. No caso dos que querem virar motoristas, o primeiro passo é ter a categoria D da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Depois, é necessário um curso para conduzir veículos de transporte coletivo. Uma parceria entre a prefeitura e o Sest/Senat de Porto Alegre permite que os trabalhadores do transporte da Capital façam o curso gratuitamente no local.
De qualquer forma, todos os profissionais que optarem por mudar de cargo precisam passar pela qualificação. Então, na própria empresa, o candidato faz testes psicotécnico e de direção. Se passar, ele é encaminhado para as próximas etapas, “como treinamento no setor de oficina, treinamento em acidentes, treinamento prático da rotina com o acompanhamento de um monitor, um treinamento que dura cerca de quatro meses”, explica a ATP. Agora, sim, o profissional está apto a exercer a função de motorista. Além disso, são ofertados cursos para que os profissionais se reinsiram no mercado de trabalho em outras áreas.
A mudança de função, no caso de cobradores que optam por serem motoristas, também é importante financeiramente. Isso porque enquanto o piso salarial de cobrador na Capital é de R$ 1.896, o de motorista fica em R$ 3.155 – uma diferença de R$ 1.259, pouco menos de um salário mínimo. Os valores são referentes à jornada mais comum, de sete horas e 10 minutos. Uma questão que não tem definição oficial é o acréscimo para quem já era motorista e passou a acumular a função de cobrador. Conforme a assessoria de imprensa do Stetpoa, a decisão é variável entre funcionários e entre empresas.
Investimento do próprio bolso
Seguida a etapa da qualificação, a mudança não é imediata. O cobrador aguarda até que uma vaga para motorista esteja disponível para, então, assumir o posto. Os cobradores que se qualificam para a função, claro, entram em linhas onde atuam sozinhos, fazendo a cobrança, embarque e desembarque dos passageiros, além da condução do coletivo.
Como explicado, assumir a direção também exige CNH. E, neste caso, os profissionais precisam investir do próprio bolso. Foi o caso do agora ex-cobrador Hiran Mariano, 30 anos. Trabalhando na empresa Sopal, do consócio MOB, estava na função desde 2015. Ele conta que foi graças ao apoio da sogra, Sheila Carvalho, e da mãe, Iolanda Mariano, que conseguiu quitar as prestações da CNH, tanto para a primeira habilitação, quanto para adição de categorias, necessária de acordo com os veículos a serem conduzidos. Depois, ainda passou pelo curso do Sest/Senat e fez a prova do Detran-RS para estar habilitado ao transporte de passageiros.
– O motorista com quem eu trabalhava, Wagner Machado, também foi quem me treinou para o trabalho na direção. Então, são muitas pessoas que tiveram importância nessa jornada – recorda ele.
Há cerca de dois meses, enfim, surgiu a vaga e Hiran tornou-se motorista, nas mesmas linhas onde atuava como cobrador, B25/Arroio Feijó/Humaitá e B51/Parque/Postão IAPI/Conceição. O tempo como cobrador foi essencial, pois agora, ele também faz o embarque, a cobrança das passagens e a condução das linhas. Hiran diz estar gostando da nova função e que o fato de acumular o trabalho de cobrador e motorista foi parte necessária do processo:
– Até acho que foi tranquilo, me adaptei bem ao novo modelo.
Parceria para mudança de carreiras
Além da mudança dentro das próprias empresas, os cobradores podem optar por outra reinserção no mercado de trabalho. Por isso, como já citado, a prefeitura firmou uma parceria com o Sest/Senat. Segundo a instituição, o convênio firmado “contempla uma trilha de aprendizagem aos cobradores interessados em preparar-se para essa transição em suas carreiras, podendo ser voltadas ao transporte ou para alguma outra atividade desenvolvida dentro do portfólio de cursos do Sest/Senat”.
Por nota, a organização esclareceu que “o processo não tem custo para os trabalhadores vinculados ao setor de transportes, pois a ideia é fazer essas capacitações enquanto o cobrador estiver empregado e assim usando da gratuidade devida, ou seja, a empresa ou o cobrador não tem custo para se capacitar”.
Como funciona a retirada dos profissionais
A lei que determina a retirada dos cobradores dos ônibus de Porto Alegre foi aprovada em setembro de 2021 e regulamentada em janeiro do ano seguinte. Nos primeiros dias de fevereiro do ano passado, veio o anúncio das primeiras linhas que passariam a operar sem o profissional.
Conforme a lei, ficaria permitida a execução de viagens sem a presença de cobradores em todas as linhas do sistema de transporte por ônibus do município. No entanto, as empresas precisariam de uma autorização da EPTC para circular com veículos sem a presença do profissional. E assim tem sido. Periodicamente, a EPTC publica a lista de novas linhas que passam a operar sem o cobrador.
Otimização
A lei ainda pontou que, no caso de o ônibus não contar com o cobrador, o pagamento que fosse realizado em dinheiro deveria ser recebido pelo motorista. E as empresas também teriam um prazo de 90 dias para implementar meios que otimizassem o pagamento e o controle da cobrança da passagem.
Atualmente, quatro de cada 10 coletivos da Capital já operam com bilhetes em QR Code. Um dispositivo instalado no ônibus, apelidado de Gertec (mesmo nome da empresa fornecedora da tecnologia), foi desenvolvido para linhas que operam sem cobrador. Os usuários que pagam a passagem em dinheiro, entregam o valor ao motorista. Em troca, o profissional entrega um bilhete com QR Code, gerado pelo aparelho. Na sequência, o passageiro aproxima o papel de um leitor, instalado na catraca.
Ainda que possa dar mais agilidade no acesso dos passageiros, para a ATP a medida não resolve o problema da demora no pagamento. Para isso, está sendo estudada a possibilidade de emitir um bilhete antes mesmo do embarque, através de um aplicativo. Ainda não há data para que esse serviço seja colocado em prática. Outra tecnologia, como pagamento por cartão de débito por aproximação (NFC) está descartada no momento.
O destino dos cobradores em números
- Em fevereiro de 2022, eram 1.250 cobradores nos ônibus da Capital.
- Atualmente, são 895 – uma redução de 28,4%.
- Dos 355 que deixaram o posto, 169 viraram motoristas.
- Outros 186 foram para outras funções, se aposentaram ou optaram pelo desligamento.