Juliana Brizola (PDT) se apresenta como alternativa para reconstruir Porto Alegre no pós-enchente, posicionada entre os polos representados por Sebastião Melo e Maria do Rosário. Herdeira política de Leonel Brizola, a ex-deputada estadual defende, além de obras no sistema de proteção da cidade, mudança de hábitos para enfrentar a crise climática. Investimento em educação de tempo integral também está entre as prioridades da candidata.
A entrevista faz parte de uma série com os quatro principais candidatos à prefeitura da Capital; veja as datas:
- 16/set - Felipe Camozzato (NOVO)
- 17/set - Juliana Brizola (PDT)
- 18/set - Maria do Rosário (PT)
- 19/set - Sebastião Melo (MDB)
Confira os principais trechos da entrevista com Juliana:
A senhora tem trajetória parlamentar, mas a experiência no Executivo foi como secretária da Juventude em um período do governo Fogaça (2005-2010). Sente-se preparada para governar Porto Alegre?
A atividade parlamentar não se resume ao Legislativo. Uma das principais tarefas é fiscalizar o Executivo. Conhecemos todas as ações das secretarias. A experiência de 15 anos de vida pública me deixa segura para o desafio. Podemos citar que a experiência nem sempre é usada em benefício da população. Vejo gente com muita experiência que consegue fazer o que foi feito na última gestão: deixar a cidade chegar no caos que chegou.
Quais as medidas urgentes para recompor as defesas do sistema de proteção contra enchente? Há recursos?
É preciso buscar fora a maior parte dos recursos para as obras, que são grandes, mas temos medidas simples que a prefeitura já poderia estar fazendo. Nas casas de bombas, colocar gerador. Quando falta luz, continua funcionando. O painel de controle está baixo, e podemos subir para que as bombas continuem funcionando. A vedação das comportas, que não teve manutenção adequada.
Nem o básico foi feito, que é a limpeza dos bueiros e das galerias pluviais. Isso é um serviço essencial, contínuo, mas hoje, se andarmos pelo São Geraldo, vamos ver que não fizeram e seguem não fazendo.
Questão importante é o sistema de monitoramento e alerta da população. A prefeitura não comunicou e não escutou os avisos.
No médio e longo prazo, quais são eixos, medidas e fontes de financiamento para robustecer a proteção da cidade?
Dinheiro do governo federal, por meio do PAC. A gente tem que refletir sobre caminhar de forma mais sustentável. Em toda a Orla, ter vegetação que ajude. Todo mundo é contra paralelepípedo, mas ele escoa muito mais água do que o asfalto. E já temos tipos de asfalto mais permeáveis à água. Ninguém aqui é contra grandes empreendimentos na construção civil, mas as contrapartidas quase nunca são para o meio ambiente. Eu construo algo aqui e a contrapartida pelos impactos ambientais é creche no outro lado da cidade. Temos que começar a pensar nas contrapartidas em relação ao meio ambiente, a mentalidade vai ter de mudar. E precisamos ver o viés metropolitano. Resolver o problema de Canoas, de Guaíba, de Eldorado do Sul. O Guaíba recebe águas.
Avalia que são pequenas as contrapartidas de empreendimentos se comparadas ao impacto das construções?
Geralmente são pequenas e sequer são fiscalizadas. Por vezes, tem uma comunidade toda impactada e não tem contrapartida. Não tem infraestrutura nenhuma, e aquele monstro construído. Isso tem de mudar. Não tem mais como causar um impacto forte no meio ambiente e não ser no meio ambiente a contrapartida.
O seu plano de governo enfatiza medidas de participação do cidadão e de empresas na retenção da água da chuva, como adoção de telhado verde e cisterna. É uma oportunidade para engajar a sociedade na questão climática?
Mais do que oportunidade, é necessidade. As pessoas que ainda não se deram conta talvez não estejam morando no mesmo planeta. Chegou a hora, estamos atrasados. Podem perguntar: "O que vai adiantar um telhado verde?" É comprovado que medidas que parecem tão pequenas minimizam problemas ambientais. Quem construir uma casa com telhado verde pode ter um desconto no IPTU como incentivo.
Remover moradores de áreas de risco é necessidade ou depende do caso?
A remoção é necessidade no momento em que se comprova que é área de risco. A prefeitura precisa fazer um levantamento das famílias e a remoção será consensuada. Convencer as pessoas que elas correm risco. E não pode ser para qualquer lugar (a remoção). Tem que ter infraestrutura razoável e compreensão de como aquela família se sustenta.
Falta de moradia é problema, e existem centenas de imóveis desocupados do município. Pretende vender em leilões ou destiná-los à habitação social?
São 100 mil imóveis na cidade de Porto Alegre. Vamos priorizar famílias do aluguel social porque estão muito mal-alocadas. Aconteceu a tragédia (do incêndio) da Pousada Garoa. A prefeitura paga aluguel social num local inseguro, não tem nem PPCI. É oportuno aproveitar imóveis vazios porque é uma coisa imediata. Compra, está pronto, não precisa construir.
As avenidas Farrapos e Voluntários da Pátria parecem estar mais decrépitas a cada eleição. Como enfrentar?
A revitalização é fundamental para o desenvolvimento econômico. São portas de entrada da cidade. Você chega pelo aeroporto, pega a Farrapos e a primeira visão é um choque. Ninguém mais quer morar ali e, se não tem morador, não tem negócio. Nós queremos incentivar os negócios e a moradia naquela região com desconto no IPTU. O incentivo também pode ser dado com serviços básicos da prefeitura. Fomos no 4º Distrito conversar com o polo cervejeiro. A rua está suja, o esgoto, a céu aberto, as pessoas vão conviver com mau cheiro, não tem iluminação para ir de um bar a outro. Revitalizar o espaço é fazer as pessoas frequentarem.
Porto Alegre caiu no Ideb. O problema parece maior do que a valorização profissional, já que os professores da rede municipal têm remunerações acima das do Estado. O que fazer?
Pode ser um pouco melhor que o Estado, mas R$ 2,2 mil por 20 horas, vamos combinar que é muito pouco. Queremos começar com pelo menos R$ 3 mil e avançar, tornar a carreira mais atrativa. Ninguém mais quer ser professor. Vamos enfrentar o problema do Ideb com a escola de tempo integral, aumentando em 50% as matrículas.
Importante dizer que contraturno não é escola de tempo integral. A criança tem a opção de frequentar uma oficina no contraturno, que muitas vezes é dada até por um voluntário. Não acreditamos nesse tipo de escola.
Acreditamos na escola de 40 horas, para o aluno e para o professor. A maior parte das capitais de bom índice no Ideb tem escola de tempo integral. A infraestrutura também ajuda. Uma biblioteca, um laboratório, uma quadra de esportes. Estamos oferecendo bolsa de R$ 150 por aluno nos anos finais do Ensino Fundamental, para que ele permaneça dentro da escola. De onde vai sair esse dinheiro? Tudo é caro para a educação, mas aí a gente se depara com uma gestão investigada por desvio de verba. Só o valor dos desvios nos livros que não foram entregues já daria para colocar na creche metade das crianças de 0 a 3 anos que estão fora. Dinheiro tem.
A sua campanha tem realçado o sobrenome Brizola. Acredita que é o caminho mais eficiente para conquistar jovens e o eleitor médio?
Se é o mais eficiente, não sei, mas é meu caminho natural. Carrego o sobrenome com orgulho. O que escuto na rua é sempre uma alusão, mesmo de gente jovem, dizendo: "Meu pai amava o Brizola. Meu avô cresceu escutando histórias do Brizola". Para os jovens, acho importante que conheçam a história não só do Brizola, mas do país. Mostrar às novas gerações como é possível fazer boa política e o quanto ela é importante como ferramenta de transformação. Brizola foi o político que mais fez pela educação pública no país. Em um tempo de tanta escuridão, ele é luz.
Seu plano de governo prevê o passe livre estudantil. Como financiar?
Não pretendemos criar nenhum tipo de imposto, mas vamos ter que sentar e ver onde está o gargalo. Eu fico pensando: será que uma empresa de ônibus dá prejuízo mesmo? A gente precisa abrir as contas para ter certeza, fazer um diagnóstico e tomar uma providência.
A senhora costuma se posicionar contra privatizações, quer manter o Dmae público e recriar o DEP. Nesta eleição, recebe apoio do Eduardo Leite, cujo governo é marcado por venda de estatais. Não é uma incoerência?
Neste momento, não. No segundo turno (de 2022), o PDT não titubeou em apoiar Eduardo Leite contra o Onyx (Lorenzoni, do PL) porque estávamos defendendo o Estado democrático de direito. Leite comunga de ideias diferentes das minhas, mas é um democrata. Ele defende a democracia e encarou a pandemia sem negar a ciência. Já está em um bom lugar. Para tu veres o momento que a gente chegou. Nós estivemos juntos em manifestação contra o Bolsonaro. Fui líder da bancada do PDT (na Assembleia) em uma oposição ao governador durante quatro anos. Oposição no campo das ideias.
Acredito que Porto Alegre precisa de união. Quero saber quem está disposto a sentar à mesa e abrir mão de algumas questões em prol da cidade.
Eu tenho diálogo com o governo federal e com o estadual. Isso vai ser bom, para que a gente possa elaborar bons projetos, com bons técnicos e trazer recursos. Os outros dois (referência a Melo e Maria do Rosário) estão muito na política de ódio. Estou disposta a sentar à mesa com qualquer um que queira de verdade reconstruir Porto Alegre.
Thiago Duarte, seu vice, é um vice de perfil atuante?
Tenho certeza disso. É um médico comunitário, conhece a cidade e os problemas da saúde. É muito ativo. Vice-prefeito não pode ser figurativo só para ocupar um CC. Na saúde, estamos diante da maior fila da história. A atual gestão da prefeitura está negando. E o doutor Thiago, desmentindo. O WhatsApp dele não para. Tem gente esperando há mais de 10 anos por cirurgia no joelho.
Vereadores do PDT, em votações na Câmara e nos bastidores, apoiaram Melo e indicaram nomes para cargos. O PDT perdeu identidade?
As participações deles (vereadores) nunca fiquei sabendo. Não é oficial no partido. Tivemos alguns votos da bancada que hoje se resume a dois vereadores, infelizmente. Diminuímos na Câmara de Vereadores e no Estado. O PDT é um partido que, depois da morte do meu avô, muita gente achava que iria terminar. Isso não quer dizer que perdeu a identidade. A minha candidatura tem esse sentido também: resgatar o PDT para o campo dele.