Primeiro candidato do Novo a disputar a prefeitura de Porto Alegre, Felipe Camozzato prega uma nova modelagem para a administração pública, evocando técnicas de gestão da iniciativa privada. Aos 36 anos, o deputado estadual defende a concessão do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), a terceirização dos postos de saúde e a medição frequente dos índices de aprendizagem na educação municipal.
A entrevista faz parte de uma série com os quatro principais candidatos à prefeitura da Capital; veja as datas:
- 16/set - Felipe Camozzato (NOVO)
- 17/set - Juliana Brizola (PDT)
- 18/set - Maria do Rosário (PT)
- 19/set - Sebastião Melo (MDB)
Confira os principais trechos da entrevista com Camozzato:
Como evitar que Porto Alegre sofra de novo os efeitos de uma enchente como a de maio?
Fazendo a coisa certa, usando os estudos dos técnicos para fazer na Asa Branca o dique que nunca foi construído, reconstituir as cotas dos demais diques na altura correta, inclusive na cota da enchente de 2024. É preciso reforço no sistema de contenção em todo o muro da Mauá e na cortina da Avenida Castello Branco, onde a comporta 14 cedeu com a pressão da água, e instalação de um sistema de proteção na Região Sul, do Cristal ao Lami. Queremos fazer isso com recursos do PAC e recursos que a prefeitura consegue captar em bancos.
O senhor defende a queda do muro da Mauá. Como ter segurança sem muro?
Defendo a substituição por sistema mais seguro. O Centro Histórico não pode ficar sem barreira física, só que a água entrou por baixo. O sistema pluvial precisa ser resolvido. Temos que elevar as cotas das casas de bombas e fazer sistema antifluxo no pluvial, porque hoje o rio sobe, a pressão da água empurra a água para dentro pelo sistema pluvial e aí pode construir muro de 10 metros que não adianta. Não faz sentido termos no Cais Mauá gastronomia, cultura, lazer e deixar tudo isso sujeito a enchentes. Queremos fazer uma murada na borda do cais, protegendo também os armazéns.
O senhor defende a concessão do Dmae, mas Paris, Berlim, Budapeste e Buenos Aires, entre outras 265 cidades em 37 países reestatizaram o serviço por falhas, tarifa cara e pouca transparência. Por que aqui vai dar certo?
Nesses casos todos, a concessão serviu para universalizar atendimento de esgoto e água. A concessão funciona para botar grande investimento e executar obras rapidamente.
Defendo concessão, e não privatização, porque seria um grande risco vender os ativos e depois não ter nenhum controle sobre a execução de uma utilidade pública como água e esgoto.
Na concessão, pode botar em contrato tempo de duração, calendário de execução das obras, quanto se pretende investir e quanto será a tarifa. Em Porto Alegre, temos um sistema estatal que entregou em 50 anos só 55% de água tratada no esgoto. Nos últimos 10 anos, o Dmae investiu R$ 67 milhões, em média, ao ano, e não consegue investir os R$ 4 bilhões necessários para universalizar o saneamento. Levaria 40 anos para fazer isso, e Porto Alegre não pode esperar 40 anos para ter esgoto tratado.
Como resolver as filas no sistema público de saúde?
Um modelo que está dando muito certo é a parceria com instituições referência em saúde, como os hospitais de Clínicas, Divina Providência, Moinhos de Vento. Esses postos estão conseguindo dar atendimento quase de plano privado no SUS. Às vezes, custa menos à prefeitura. Outra coisa é telemedicina. Ajuda a reduzir filas, faz diagnóstico, requisição de exame, triagem de pacientes. Temos um centro de referência na UFRGS. Por último, havia em Porto Alegre mutirões de saúde, especialmente nos turnos e contraturnos, onde não existia demanda tão alta e equipamentos de saúde estavam fechados.
Nos últimos anos, houve uso maior das parcerias e terceirizações na saúde, mas também se viu muito caso de corrupção. Como evitar que se torne caso de polícia?
Tanto a educação quanto o DEP (Departamento de Esgotos Pluviais) viraram casos de polícia em Porto Alegre. O DEP em limpeza de boca de lobo superfaturada, na administração (José) Fortunati, que hoje apoia Maria do Rosário (PT) mas tinha (Sebastião) Melo (MDB) de vice e que agora, como prefeito, botou nas páginas policiais a educação ao fazer compra superfaturada de equipamentos.
Então não é se é estatal ou privado, é quando você tem gente ruim, mal-intencionada, nas posições de decisão. Isso talvez seja o maior ativo do Novo: não temos nenhum escândalo de corrupção e rejeitamos quem não tem ficha limpa até para ser filiada.
Já a terceirização vem para ajudar a gestão pública a melhorar a produtividade e qualificar o atendimento. Se não atende esses requisitos, não faz sentido. Nossa visão de Estado não diz que devemos terceirizar tudo, devemos entregar o melhor serviço com o melhor custo para a população.
Seu programa prevê iniciativas para gerar oportunidades econômicas às famílias em situação de pobreza. Que iniciativas são essas?
Temos três elementos para diferentes fases da vida da família. Quando tem criança pequena em casa, você disponibiliza vagas em creche para que o pai, a mãe, o avô, a avó possam trabalhar. Outro passo é o Ensino Fundamental. Aquele jovem que não aprende português e matemática na rede pública acaba não tendo futuro. Vamos corrigir isso oferecendo foco em português e matemática, atividades de monitoria e contraturno. Para quem já está na vida adulta, a gente pode usar parcerias com o Sistema S para requalificação profissional, oficinas de capacitação, montagem de currículo.
O índice da rede municipal de ensino no Ideb caiu em todos os níveis. Como reverter essa queda e melhorar as notas?
Se não medirmos se o aluno está aprendendo português e matemática, não temos como corrigir. Não tem como saber se o problema é o professor, é o aluno desmotivado ou a família, se naquele bairro temos problema maior que em outro ou se alguma escola está fazendo uma coisa muito boa para a gente poder aprender dentro da rede umas com as outras. A partir da medição se consegue qualificar o ensino, focando português e matemática, principais pilares de avaliação do Ideb e base fundamental do conhecimento no ensino primário.
O senhor cita meritocracia como critério para definir o subsídio ao transporte público? Como isso vai funcionar?
Se a gente quer manter a tarifa no mesmo patamar, vai precisar de subsídio. Não temos oposição, é melhor para todo mundo. O problema é fazer pagamento direto às empresas e não ter contrapartida.
Queremos meritocracia, bonificando pelo bom serviço e alinhando o interesse das empresas em lucrar com o do usuário em ser bem atendido.
Os agentes de EPTC, que já fazem pesquisa e fiscalização dos contratos, das rotas e dos horários, podem medir satisfação do usuário, pontualidade, limpeza do veículo.
O senhor defende também reestruturação de todo o sistema, com adoção de tecnologia, mas não detalha como fazer isso.
Temos a ideia que seria o estado da arte, o que a gente gostaria de fazer como objetivo, que é uma integração total. No mesmo cartão do TRI pagar ônibus, lotação, bicicleta, patinete. Queremos avançar na integração desses sistemas inclusive com os consórcios metropolitanos que entram na Capital, ocupam as vias e não pegam passageiros.
Seu programa defende uma Lei Rouanet da infraestrutura. Como isso funcionaria?
A ideia é ter um menu de obras públicas e as pessoas, empreendimentos, quem for, possam abater tributos municipais em troca de fazer a execução ou entrega daquela obra, desde que realizados de acordo com o projeto e orçamento estipulados pela prefeitura, para que não haja nenhuma tentativa de fazer evasão fiscal. A empresa que deve IPTU, deve ISS, poderia trocar esse tributo pago pela execução dessa obra.
O Novo tem quadro político pequeno e costuma generalizar críticas ao sistema político, nivelando por baixo os demais partidos. Se for eleito, como construir alianças para governar?
O Novo não tem quadros para administrar a prefeitura sozinho. Precisaremos compor para governar, mas queremos não apenas o político amigo, o indicado. A gente quer saber quem são as pessoas que têm qualificação para ocupar as funções. Também queremos ir ao mercado, buscar profissionais que não necessariamente precisem ter a experiência da gestão pública ou filiação partidária para dar essa contribuição.
O Novo não fazia coligação, não usava verbas públicas nem tinha dirigentes remunerados. Hoje faz tudo isso. Não é contraditório o senhor se apresentar como diferente dos demais candidatos?
Algumas coisas mudaram no partido. Quando o Novo foi criado, era possível fazer política com chapa própria e sem depender de fundo partidário. Não existia fundão eleitoral nem cláusula de barreira para ver quem vai ter tempo de TV. Perdemos capacidade de competir com esse sistema. O Novo viu que aquela realidade da sua criação, transferida ao momento atual, significaria o fim do partido. Adaptamos nosso estatuto para manter a competitividade. A alternativa seria fechar o partido e fundar uma ONG.
O Novo nasceu com um ideário claro, mas com as dificuldades começou a se aliar ao bolsonarismo. É uma metamorfose com motivações eleitorais?
Não. O Novo foi fundado por pessoas de fora da política, revoltadas por pagar muito imposto e ter pouco serviço, com o crime do colarinho branco, os privilégios de uma casta que cobra muito de uma população que fica refém desse jogo viciado. O Camozzato não mudou, talvez Bolsonaro tenha mudado. Aliás, ele criticava privatizações, votou contra o Plano Real, já teceu elogios a Lula e Hugo Chavez. Quem sabe tenha amadurecido. O Novo não tem vergonha de expor as suas ideologias.
Muito da sua propaganda é antipetista. Não teme ficar marcado como um candidato do contra e que pouco fala sobre as próprias propostas?
Não, porque eu tenho apresentado bastante propostas. No debate da Rádio Gaúcha, eu falei de propostas, mas a parte que viralizou foi minha pergunta sobre a Venezuela a Maria do Rosário. O ser humano gosta de ver briga, da polêmica, por isso esses momentos repercutem muito mais. É a primeira vez que sou candidato e preciso deixar muito claro em que lado estou. O Novo é de direita e tem oposição frontal ao petismo, o que não faz com que eu tenha elogios a Melo e a Brizola.