A cheia do lago Guaíba em Porto Alegre levou ao vocabulário da população termos, normalmente, conhecidos por engenheiros e gestores públicos. Nos últimos dias, em que os temporais deixaram 147 mortos em todo o Rio Grande do Sul até esta segunda-feira (13), as palavras bombas, diques, muro e comportas estiveram no centro da preocupação não só dos porto-alegrenses.
Especialistas ouvidos pela reportagem do g1 explicam que as bombas "expulsam" as águas da cidade para fora, enquanto os diques, o muro e as comportas trabalham para impedir que as águas de fora entrem na área urbana.
O sistema anticheias foi criado na década de 1970, cerca de 30 anos depois da enchente histórica de 1941. Desde então, a estrutura foi colocada à prova em 2015 e em 2023, com o fechamento das comportas e sem a gravidade observada agora.
O sistema de drenagem não afeta diretamente no abastecimento de água potável na cidade.
Segundo a prefeitura, cerca de 157,7 mil pessoas estavam sem água (a população de Porto Alegre é de 1,3 milhão de pessoas) até esta segunda, isso porque apenas quatro das seis estações de tratamento estavam funcionando.
Além disso, a água captada diretamente do Guaíba, que abastece a Capital, está barrenta, o que dificulta a filtragem e atrasa a distribuição em bairros mais distantes.
Bombas
Porto Alegre tem 23 casas de bombas – prédios que abrigam equipamentos elétricos capazes de drenar a água da cidade. Essas estruturas bombeiam para fora da cidade a água da chuva que toma as redes de esgotos, evitando alagamentos. Essa água retirada das ruas vai para o Guaíba.
— É o modo que a gente consegue jogar essa água para fora do sistema, quando a gente não consegue drenar pela gravidade — explica Fernando Dornelles, cientista do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS.
Essas bombas elétricas têm potências que variam de 200 a 300 cavalo vapor, explica o professor.
— São potências superiores às de carros esportivos. São usadas para bombear a água da área interna da cidade — diz.
Do total de casas de bombas, 19 precisaram ser desligadas ao longo da última semana porque inundaram ou apresentaram risco de choque elétrico. Assim, não foi possível drenar a água das ruas, provocando alagamentos em bairros como Centro Histórico, Menino Deus e Cidade Baixa.
Nesta segunda-feira, das 23 casas de bombas, apenas sete estavam em operação.
Diques e muro
Os diques são elevações de terra, que servem como "muros" para impedir que a água dos rios entre na cidade. Essas elevações ficam algumas das principais estradas de Porto Alegre: a BR-290 (Freeway) e as avenidas Castelo Branco e Edvaldo Pereira Paiva (Beira-Rio).
Os diques, no entanto, podem provocar alguns problemas, como em Canoas. No município vizinho a Porto Alegre, a água passou pela altura desses "muros" de terra e alagou diversos bairros. Contudo, a água não conseguiu voltar para o curso normal, por conta da barreira, o que manteve essas áreas inundadas.
O professor Fernando Mainardi Fan, do IPH da UFRGS, explica que isso ocorreu por causa do paradoxo do dique:
— Se aquela área não fosse protegida pelo dique, ela ia inundar mais frequentemente, mas a gente ia investir menos nela e o dano total talvez fosse menor do que agora que tem o dique. Isso é um dos motivos que nos faz pensar: será que vale realmente a gente tomar essa medida estrutural, construir um dique, sendo que um dia ele pode ser superado e causar um dano enorme? — questiona.
Além dos "muros" de terra, existe o muro de concreto. No Centro Histórico de Porto Alegre, foi erguido entre 1971 e 1974 o Muro da Mauá, com três metros de altura e três metros de profundidade, para impedir que a água do Guaíba invadisse a cidade.
— Na parte central de Porto Alegre, não havia espaço suficiente para diques e foi necessário fazer uma cortina de concreto — diz Dornelles, do IPH
Comportas
As comportas são estruturas de metal que permitem o trânsito de pessoas e veículos por baixo dos diques ou entre as paredes do muro. Essa estrutura é importante para não isolar a cidade do Guaíba, como o porto da Capital, em períodos sem inundações.
— Como tem toda uma área portuária, a construção do dique acabou bloqueando isso. A alternativa foi criar esses grandes portões sob o dique para poder acessar a área portuária — comenta Dornelles.
No entanto, uma das principais causas da inundação foi a falha dessas estruturas. Fernando Dornelles diz, por exemplo, que o alagamento do Aeroporto Salgado Filho, que está há 10 dias fechado, se deu pelo vazamento de uma comporta na região da ponte do Guaíba.
— Quando a gente tem um nível grande de água do lado de fora e nada do lado de dentro, existe uma grande pressão. Precisa ter uma vedação muito boa — alerta o pesquisador.