Postulando mais quatro anos à frente da prefeitura de Porto Alegre, Sebastião Melo se defende das críticas pelas falhas do sistema de proteção na enchente de maio e assegura ter contribuições para o futuro da cidade. Nesta entrevista, o candidato do MDB prega rigorosa punição a agentes públicos e privados que eventualmente se corromperam e afirma que, em um possível segundo governo, o foco estará voltado à periferia.
A entrevista faz parte de uma série com os quatro principais candidatos à prefeitura da Capital; veja as datas:
- 16/set - Felipe Camozzato (NOVO)
- 17/set - Juliana Brizola (PDT)
- 18/set - Maria do Rosário (PT)
- 19/set - Sebastião Melo (MDB)
Confira os principais trechos da entrevista com Melo:
O senhor diz que fará intervenções emergenciais orçadas em R$ 510 milhões no sistema de proteção contra enchentes. Os recursos estão garantidos?
Os diques, duas obras que já começaram, na Fiergs e na Vila Brasília, são R$ 10 milhões. Nós temos uma definição da engenharia de fechar sete, talvez oito comportas, das 14 existentes. O laudo do Muro da Mauá ficou pronto e reparos estão sendo feitos. E temos as 23 casas de bombas, que precisam ser recompostas de forma diferente. Isso tudo vai dar meio bilhão de reais. O Dmae tem caixa disponível de R$ 230 milhões, e a Câmara acabou de aprovar dois empréstimos, de R$ 300 milhões, que são para obras. O governo federal sinalizou que ajudaria na reconstrução. Obras de proteção de cheias são responsabilidade do governo federal. Nós contratamos o professor (Carlos) Tucci (colaborador da UFRGS e proprietário da Rhama Analysis) para projetar um novo sistema. O que está aí vem do Sarandi até o Cristal. Ele vai apresentar um que vai da Vila dos Pescadores até o Lami.
A prefeitura, até o momento, não finalizou reparos no sistema. A cidade está mais vulnerável?
Estamos fazendo intervenções na casa de bombas 17 e, na data de hoje (9 de setembro), começa na 18. A empresa das comportas já escolhemos. Temos comportas que teremos que trocar e comportas que podem ser remodeladas e recolocadas. Os portões abertos estão protegidos por bags, aqueles sacos de areia com cimento utilizados no mundo inteiro. Não estamos sem proteção.
Temos outro problema a discutir: a limpeza do Guaíba não é competência do município. As obras de proteção também passam pela limpeza do Guaíba, competência do governo do Estado.
Eu mandei carta ao governador, e ele sinalizou com a disposição ínfima de recursos para os municípios. O governo federal e o Estado têm que fazer a sua parte.
Além de reparos emergenciais, o que precisa mudar na estrutura definitiva?
O sistema se mostrou insuficiente pela quantidade de chuva que chegou. A proteção de cheia tem uma lógica: cuidar da bacia (hidrográfica). Além de anunciar recursos, tem que se criar uma governança (no dia 17, foi anunciado que caberá ao Estado executar as obras do sistema de prevenção de enchente, com o uso de recursos de um fundo; as ações serão monitoradas por um conselho de cooperação com integrantes dos governos estadual e federal). A prefeitura de Porto Alegre não pode fazer obra em Canoas. Ou é o governo do Estado que tem a coordenação político-administrativa ou a União. A nós, compete colaborar. Essas obras demoram e dependem de estudo.
Falta um plano de emergência?
Sem dúvida. A prevenção, a adaptação da cidade, tem que ser por um plano nacional com características regionais e locais. Nós reestruturamos a Defesa Civil. Tínhamos 12 funcionários e hoje são 50. Temos uma sede nova, modernizamos. E, agora, lançamos um projeto de alerta que vai ter réguas de medição no Guaíba e nos arroios. E teremos totens em áreas estratégicas para aviso. A gente não tinha protocolo para um evento desse tamanho. A governança climática está no nosso radar. Um plano de contingência. O novo sistema de proteção, além de levantar as casas de bombas, precisa ter novas tecnologias de motores que funcionem dentro d'água.
O senhor recebe críticas porque teria tido a oportunidade de reparar o sistema e não fez. Por que merece nova chance?
O PT governou a cidade por 16 anos. Por que ele não fez um sistema novo? Todas as casas de bombas estavam funcionando e houve intervenções e modernizações delas na nossa gestão. Os portões que estão aí vieram dos governos que me antecederam. As vedações dos portões tiveram intervenções.
O que não dá é dizer que as causas do alagamento foram duas casas de bombas. Isso é uma mentira desmascarada. Foram 20 locais que vazaram água na cidade. Houve múltiplas falhas do sistema.
Um caminho fácil numa eleição é buscar o culpado. Entrou água em São Leopoldo. O culpado é o Melo. Entrou água em Canoas. O culpado é o Melo. Vamos fazer política com mais seriedade. Tenho responsabilidade, sou prefeito linha de frente. Desde o primeiro pingo, estive ao lado da população.
O senhor elegeu a revitalização do Centro Histórico como prioridade. Quais as projeções para a região?
Estamos investindo R$ 70 milhões, se somarmos Quadrilátero Central, Esqueletão, Viaduto Otávio Rocha, Praça da Matriz, Mercado Público e Usina do Gasômetro. As obras do quadrilátero sofreram como todas as obras e vão atrasar em razão da enchente. Foram cem dias sem obras. Se sou candidato, é porque tenho contribuições de evolução que a cidade precisa. Possibilitar a transformação de imóvel comercial em residencial já surtiu um pouco de efeito. Vejo muita gente investindo, fazendo retrofit em salas, e isso tem tido um efeito de moradia, mas ainda não é o suficiente. Se reeleito, tenho duas atitudes muito claras na cabeça. Vou dar um IPTU diferenciado para o Centro, mas isso vai ser casado com melhorias de calçada, pintura de prédio. E vou começar um projeto de calçada padrão. Hoje cada vizinho faz de um jeito. Se pegar, a gente vai replicar para o resto do Centro e da cidade. Não ter calçada padronizada é um problema de mobilidade.
Sobre transporte público, o governo aplica recursos para evitar reajuste no bilhete há três anos, foram instaladas paradas mais modernas, mas o serviço segue precário. Como evoluir?
Uma cidade boa para se viver é aquela que tem vários modais: lotação, táxi, Uber, bicicleta, metrô, VLT (veículo leve sobre trilhos) e ônibus. E tem um bilhete único. Sai de um, entra no outro, com integração. Uma passagem que caiba no bolso do cidadão.
Tivemos coragem de enfrentar a redução de isenções, privatizar a Carris, fazer a retirada gradativa dos cobradores até 2025. Vou continuar botando dinheiro público para ter uma passagem beneficiando o usuário.
E vou trabalhar pela integração metropolitana, para convencer o governo do Estado de que deveríamos fazer a rodoviária metropolitana onde é a rodoviária hoje. A prefeitura topa ceder o terreno onde quiserem. Temos sete terminais de ônibus no Centro que criam grandes problemas para a revitalização. A rodoviária de Porto Alegre deveria se tornar metropolitana.
O seu plano de governo cita a construção de um VLT em via elevada na Farrapos. É viável?
Não acredito em metrô subterrâneo. Teria que rasgar a cidade no meio. Metrô de superfície a longo prazo é possível. O VLT é um sistema sustentável e está nos empréstimos internacionais que a prefeitura está buscando. Compramos 12 ônibus elétricos e inscrevemos a solicitação de empréstimo junto ao BNDES para encaminhar mudança de frota. Antes de falar em metrô, vamos trabalhar para botar mais ônibus elétrico, que tem sustentabilidade e dá conforto ao cidadão.
O seu plano prevê a duplicação do HPS e a construção do novo Hospital Materno Infantil Presidente Vargas. Pelas características, ajudarão a reduzir a fila do SUS?
Somos referência para mais de 250 municípios e a “ambulancioterapia” é uma realidade. O programa Assistir, coordenado pelo Estado, desarranjou (o atendimento) em vários lugares, começando pela Região Metropolitana. O que o cidadão faz? Pega um ônibus e vem a Porto Alegre. Vou criar um mutirão permanente que vai custar R$ 5 milhões por mês. Vou tirar esse dinheiro de algum lugar para diminuir a fila. O Hospital Presidente Vargas vai continuar público. A Câmara já autorizou a pegar R$ 300 milhões de empréstimo pelo BRDE. O parceiro privado vai entrar com outros valores. Vamos duplicar a capacidade do Presidente Vargas, que hoje está esgotado, num local inacessível. Vamos licitar e uma empresa privada será a gestora. Será 100% SUS, só que a gestão do hospital, para diminuir a burocracia, passa a ser parceirizada. Terá dinheiro público, privado, e a concessão é de 20 anos. Essa é a modelagem lançada.
E a proposta para o HPS?
O Pronto Socorro é outra lógica. Vamos captar no mercado, nas emendas parlamentares e aplicar recursos próprios. Vamos fazer uma grande campanha (de arrecadação). Tenho certeza de que vai dar certo.
Porto Alegre caiu no Ideb, nos anos iniciais e nos finais do Ensino Fundamental. Houve corrupção na Smed e, hoje, a pasta tem um advogado como secretário. O que deu errado e como consertar?
Porto Alegre tem um histórico de Ideb baixo, mas tivemos alguns avanços. Ter colocado 7 mil crianças de zero a cinco anos (na creche) foi um avanço. Faltam 3 mil e pouco, e o compromisso é zerar. A formação continuada foi importante para os professores. Temos mais de 400 agentes inclusivos (profissionais que auxiliam o professor no atendimento a alunos da educação inclusiva), que não tinha. Foi um avanço. Reconheço que tivemos muitas mudanças de secretários. Se reeleito, vou cuidar pessoalmente de convencer um quadro para ser secretário. Quanto à Smed, determinei que a nossa Controladoria abrisse inquérito. Quem rouba o dinheiro público rouba a esperança de uma nação. Não tenho nenhum envolvimento pessoal, tenho uma vida honrada, limpa, não estou sendo investigado. Se alguém cometeu (delito), seja agente público, privado ou intermediário, tem que pagar sob as penas da lei com rigorismo. E parar todos na cadeia.
O senhor diz que quer retribuir em dobro a Porto Alegre por tudo o que a cidade lhe deu de oportunidades. Quanto o senhor está devendo nessa meta de retribuição?
Muito. Sou candidato para continuar fazendo mudanças na cidade. Em quatro anos, é absolutamente insuficiente. Tenho amadurecimento como prefeito e está claro que temos condições de avançar mais. Se reeleito, vou estar um pouco mais acelerado, para entregar mais e melhor, especialmente nas periferias. Se o povo nos escolher, vamos estar focados na periferia.